domingo, 18 de novembro de 2012

Sarau na névoa sinuosa


Ensaio 17
baitasar


O anão abriu os braços e deu alguns passos na direção da voz misturada com a penumbra da casa, uma névoa escondida do espírito do sol, fechada de fora para dentro, imaginou o anão pedindo por ajuda, perdido naquela caverna de deuses, ninfas e pastores, Onde está o presente, onde ficou o passado
—        Hola, jefe ...
Estavam num túnel, uma luz atrofiada e abatida chegava daquele fim de tudo e desenhava um corpo com voz sensual, melodiosa, com cheiro moleque – uma luz no fim do túnel nem sempre é uma saída – Sèzar parou de chorar, firmou às vistas, como se estivesse entrando numa sala de cinema, às escuras, apertou os olhos, esfregou, mas, quem quer que fosse, continuava escondida na cautela da indefinição do seu pequeno apartamento, caminhando nua em sua direção, como se estivesse fluindo pelo ar daquele mistério de luz e neutralidade, se desvendava passo a passo, pequenos, um pé à frente do outro, por vez, os joelhos se tocam levemente, o pequeno vazio de luz entre as coxas era um vestígio por onde começar com a língua e a saliva grossa do desejo, as curvas do quadril, Sèzar sentia a voragem como um pé-de-vento dos pelos na sua boca, reunidos do entalhe das virilhas que se juntam e se abrem, o relento da noite, o pântano escorregadio, encharcado, o ventre, o cordão umbilical, a cintura moldada pelas mãos finaliza as curvas daquele quarto e sobem até os ombros, descem pelos braços longos, delicados, as mãos macias, atrevidas, quase juntas a ele, ergue uma das mãos, displicente, até os cabelos vaporosos, negros, desalinhados, como se estivessem ainda desacordados de uma longa noite de amores, olhos enviesados para baixo, um comedido sorriso de mistério e revelação, Sèzar endireita os olhos, vê os seios na Adelaide, pequenas cuias morenas, os bicos apontados para ele, derramando em suas mãos — Adelaide...
—        Ah, aí está você, amorzinho... — a luz daquele final de tudo desenhava uma mulher com contornos generosos, passos sinuosos — ... venha conhecer o meu amigo...
Sèzar tinha parado de chorar, se aquilo tudo fosse uma armadilha, Essa armadilha é muito gostosa, foda-se tudo mais, to nessa.
Sacudiu a cabeça, tentava afastar os maus presságios, estremeceu o corpo, avisava que estava pronto para o que vier a ser tudo aquilo
—        O que foi meu amigo?
—        Nada não, nada. — não era a diamba dando rebote de carência, o rapaz não controlou a língua, avançou o sinal da boa vizinhança, fez elogio de gostosura àquela aparição inesperada de mulher, um milagre da beleza escondida do espírito do sol, na névoa sinuosa da casa azulada
—        Meu amigo, essa é a Maiami...— sentia vontade que o anão parasse de se referir a ele, de dizer: ‘Meu amigo, meu amigo...’, afinal, tinham acabado de se conhecerem, não podiam e não deviam ser amigos, não tinham nada em comum, a começar pelo tamanho de um e do outro, não tinham lembranças juntos, não cresceram juntos – o anão ainda estava crescendo – não fazem academia juntos, não sofreram juntos, não riram juntos, não guardam segredos de um ou de outro, e além disso, acabou de conhecer a mulher do amigo, quer dizer, do amigo anão, não é isso, Eu quero comer essa... tira isso do pensamento. Mulher de amigo é como se fosse homem, amizade antes da beleza
—        Oi, eu sou o Sèzar. — cínico, a diamba não lhe roubou a boa educação, quase conseguiu fazer um fingimento de indiferença, quando a tal Maiami, mulher do seu novo quase amigo, rasgou com leveza o véu da penumbra usando só uma coisinha.

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Leia também: 
Ensaio 16 - Sarau da diamba 
Ensaio 18 - Sarau da bíblia

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