quinta-feira, 18 de julho de 2013

Dois corpo e um nó

Ensaio 11B
baitasar
O negro Josino chegô da viagem no pé por pé. Uma caminhada solitária de dia e noite, lá da igreja até a estância do siô patrão. Pelo menos, não foi feito montaria pra algum amigo mais desanimado do siô patrão, caminhô só com o feitio do corpo nas perna. Mais nem bem chegô, largô os trapo no chão, e já tinha ordem de arrumação pra cumprí
—        Josino, ocê tem que descarregar essas tábuas. Precisa esvaziar o barco, fazer desaparecer a carga da beirada do rio. Chama mais dois negros da confiança... — isso sim, é chegá bem na hora errada — ... depois do serviço feito, vá pro mato com a negra Gabriela, a sinhá Casta disse que pelas contas da lua, é bem o tempo de fazer embaraço de barriga. Não me desaponta, negro.
Já fazia um tempo qui Josino escutava do siô qui tava mais qui na hora de deixá prenhe a escrava Gabriela, o patrão do Josino precisava aumentá as carne preta pra fazê dela tudo qui quisé fazê — Sê ocê não dá na conta, negro, arrumo outro com mais jeito.
Josino tinha as vista cheia da desconfiança, olhava dum jeito pro lado, com outro jeito o outro lado. Sentiu raiva e medo. A saudade tinha qui esperá. Olhô pro amontoado, o trabalho não lhe metia medo nem lhe fazia preguiça. Pegava as tábua de polegada, puxava pra cima dos ombro, se arrastava até o empilhamento. Era carregamento grande, achô qui não devia pedí nenhuma ajuda
—        Aqui, não! Largue tudo em lugar mais reservado. Não preciso dos olhos do padre Rosito, nem o nariz do seu Pereira no carregamento. — o padre Rosito era o santo padre qui tomava emprestado os preto pra sua obra de construção. O Pereira era o chefe do proveito da madeira. Gente importante, sujeitos da cobiça. Todos em linha direta com algum chefe salvadô
Nas costa escoava um suco avermelhado qui borbulhava misturado do sangue, do suô salgado e das . Os riscos na carne não era fundo, mais cada tábua qui subia no lombo esfregava os ferimento como farelo de vidro nas carne. Depois vinha o suó salgado, ele ficava todo ardido, misturado com a  da canseira, os golpe das tábua na alma e a tristeza daquela confusão de vida. Não tinha o qui fazê, não tinha o qui reclamá. Não havia branco, nem padre, doutô ou coroné, ninguém pra lhe ajudá.
No fim da tarde, o descarregamento tava feito. Cuspiu nas mão calejada e esfregô, depois fez um suspiro de careta, olhô o céu e reparô qui já tinha chegado na hora de voltá. O escravizado só tinha o pensamento de saí correndo, agarrá sua Gabriela com as força qui guardô só pra ela
—        Minha preta, to chegando. — assoprava o vento qui ia na frente, pedia pra Oiá avisá da sua chegada, despertá os galho, fazê balançá a muié do seu amô
Foi atacado no caminho, no meio do mato lhe aconteceu a aparição da nêga Milagre
—       Meu preto, vem se limpá desse rubô nas costa, lavá esse suó afogueado. — ele sentô na pedra do banho. Olhava a escuridão estrelada
—        Queria tá como a lua, não atendê mais ninguém, só o seu amô.
Gabriela Milagre e a lua, lágrimas da prata, lágrimas do suô, gotas do choro ressecado.
Josino não queria o seu amô chorando, esperando sabê da volta qui não voltava, não mandava notícia
—        Ocê vê?
—        Vejo ocê...
—        A lua muié... ta parecendo a nossa rede de amô, pendurada na escuridão, no meio das estrela, um risco redondo, crescendo, as ponta agarrada nas mão zelosa de Oxum.
O fogo da lua aqueceu a água até ficá abençoada. A muié esfregava as mão com amô, depois enfiava a bilha na água gelada escorrida do rio, retirava a água amornada. Lavô o Josino da cabeça aos pé
—        Ocê é um homem qui vê a lua. — sorria e, também, chorava.
Depois secô, uma por uma, as marca das tábua, passô unguento no seu amô, até qui chegô a vez do banho de cheiro. Perfumô a água do rio com as mistura qui não ensinava ninguém. Essência e aroma qui embalsamavam a 
—        Assopre a luz... venha deitá... — ele virô as vista pra sua preta, acomodada na rede branca, pendurada nas mão de Oxum, lhe olhando, nua, nada mais lhe parecia incomodá, fazê sofrê, a nêga Gabriela Milagre era a sua vontade de vivê
—        Venha se desatá.
Josino alevantô da pedra, não tirava as vista da rede. As carne da muié e do homem arrepiando, derramando amô
—        Assopre...
—        Prefiro lhe vê.
—        Então, venha olhá de mais perto...
—        Assim?
—        Mais...
—        Assim...
—        Mais um pouquinho...
—        Ocê me provoca... to lhe avisando...
—        Deixa eu lhe pegá... — empurrô o Josino pro outro lado da rede, arrumô as perna qui ficaram dobrada em cima da pedra, deitô a cabeça
—        E o escravo adormeceu nas mão cantando.
Gabriela Milagre ergueu o queixo, lhe olhô com jeito de enguiço
—        Se ocê dormí, juro qui lhe mordo.
—        Assim, ocê me arrepia... prometo não dormecê, nem deixá o formigamento dos pé subí na cabeça.
—        Acho bom, pois  lhe sová de olho aberto ou fechado, ocê escolhe.
Josino lhe olhava com um sorriso sarabanda, ela perdia o controle, ele agradeceu aos orixá qui lhe tinha permitido aquele amô arteiro, não aproveitá era uma desestima
—        Para de colocá palavra na boca, tem tanto uso melhó. — não foi nenhuma ordem, mais foi a provocação qui a nêga Gabriela Milagre esperava
—        Pois fique o meu amô sabendo qui não preciso desafio. Eu  a tentação. — a muié balançô a rede de pedra, deu balanço ao próprio corpo, até qui Josino não suportô, ficô estufado, o gemido qui tava trancado, agora, tava lhe escapando baixinho, dois corpo e um nó
—        Qui tanto ocê sussurra de ? Não vai se soltá como um vento no meio das árvore... — ela sabe qui a ventania tem a sua necessidade, ela trás mudança, mais não acaba com o qui passô. E é assim, desaparecido na sua Gabriela Milagre qui o Josino mais é sofredô
—        Reclamo o tanto do banzo sem lhe vê, exijo de volta o tempo perdido pra sempre... sem esse seu amô.
A rede não se balançava mais, a fúria da ventania se passô, deixô pra trás o bafo fresco da vida aquecendo o toutiço da muié, um perigo pras força do Josino, qui sem sabê assanhava a indecência da nêga Gabriela Milagre
—         feita uma árvore qui precisa do vento do amô, todo dia derrubando as folha velha, pra nascê as nova, aninhada em tu. — a muié sabe qui o sopro do amô é um dia com sol, mais também é amô o tempo de sentí falta, saudade, não  notícia; é amô a comprida espera qui não acabô com a tristeza; é amô a crença nas virtude do vento, o seu atrevimento de enverdecê.
Mais as coisa continua acontecendo distante um do outro, ela só tem a espera infinita. A solidão sem fim. Um sopro é só um sopro, se acaba tão logo começô
—        Ocê tá chorando?
—        Quero lhe colocá na boca... a minha boca.
A brincadeira do amô durô mais qui a vontade, queria esfolá, deixá cicatriz, não parava o vaivém na pedra do amô
—        Da onde vem tanta fome, minha preta?
—        É o jeito qui achei de saí de mim. To cansada de tanto sentí falta, parece qui vai  sempre assim, não podê acordá com tu do meu lado. Não quero qui hoje acabe, mais ocê não vai podê me salva do dia qui acaba.

O nó se apertô e folgô, outra vez, mais outra, até qui desfez.
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