quarta-feira, 24 de julho de 2013

História do deus Sol e a Rainha das Águas

Contos e Lendas de Amor - Equador

História do deus Sol e a Rainha das Águas


Há muitos e muitos anos, quando deste lado do mundo não existiam outros deuses além dos astros, das forças e dos elementos naturais, o sol imperava sobre todos eles e era amo e senhor de toda a América índia.
Sua vontade era bastante para desencadear tormentas ou secar mares. Quando se lhe rendia culto, fecundava os campos e abençoava os lares. Mas ai do insensato que se atrevesse a desafiar sua ira! Nada podia esperar senão fome, frio, dor e morte.
Conta a história que o deus Sol costumava tomar a forma de um garboso chefe guerreiro para visitar suas ilhas prediletas no oceano Pacífico. E certa vez, enquanto caminhava sobre a branca espuma que as ondas estendiam sobre a areia, conseguiu divisar uma lindíssima donzela que emergia das mansas águas do mar sentada sobre a carapaça de uma tartaruga gigantesca. Ficou imediatamente seduzido por sua figura esbelta, seu talhe delicado, sua tez cobreada e fresca, seus cabelos mais negros do que a noite e a estranha doçura derramada por seus olhos cor de mel.
Cativado, pois, pela graça da jovem, o soberano dos deuses aproximou-se dela para falar-lhe. Mas, ao notar a presença estranha, a tartaruga submergiu nervosamente nas ondas verde-azuis, levando consigo a misteriosa donzela.
Ao vê-la desaparecer, o Sol ficou tão triste que chorou sem parar durante muitas horas, provocando uma descarga de sombras sobre as ilhas indefesas. Bastou uma leve insinuação do deus enfurecido, e o vento tornou-se mais intenso, rugindo horrivelmente; os furacões ameaçaram destruir toda vegetação, e as ondas, encrespadas, provocaram terríveis maremotos.



Pereceram, naquela ocasião, todos os seres humanos e a maioria dos animais que habitavam as ilhas.
As pouquíssimas espécies sobreviventes reuniram-se aterrorizadas:
—        Ai! De uma hora para outra vamos morrer! — lamentavam-se os pinguins, escondendo a cabeça entre as asas.
—        Se pelo menos pudéssemos fazer alguma coisa! — disse uma iguana.
—        É a fúria dos deuses! — chiaram as focas. — É hora de falar claro!
E o leão-marinho narrou-lhes a cena que presenciara durante essa manhã, quando, ao contemplar a saída do Sol, viu como este assumia a figura humana que desceu sobre as ilhas para, em seguida, chorar de amor pela linda donzela das águas.
—        Temos que procurar a tartaruga e pedir-lhe que volte com a jovem — disse um albatroz. — Só assim evitaremos a morte certa.
—        Hum!... — lembrou um bicudo balançando a cabeça com ar pessimista. — Tempos atrás expulsamos deste arquipélago todas as tartarugas. Elas devem guardar por nós um profundo rancor.
—        E por que não lhes pedimos perdão? — sugeriu um biguá. — E então lhes propomos compartilharem novamente as ilhas conosco.
—        E se elas não aceitarem? — perguntou um pelicano. — Puxa, que situação!
Depois de uma assembleia tensa, nomeou-se uma comissão de animais para falar com as tartarugas. Tal comissão seria presidida pelo delfim – reputado como um dos mais inteligentes mamíferos do lugar – e integrada pelos mais velhos lagartos, baleias, caranguejos e lagostas do arquipélago. Aceita a missão, partiram à procura da tartaruga gigante.
As águas estavam escuras e turbulentas, e só depois de várias horas de árdua caminhada pelo oceano agitado, encontraram uma imensa e belíssima mansão, rodeada de jardins de corais e caminhos cintilantes, cuja estrutura de madrepérolas a fazia brilhar mais do que a Lua Cheia num céu limpo. Atravessaram vários corredores atapetados com fosforescentes algas avermelhadas e chegaram a um jardim repleto de tartarugas-do-mar. Mais adiante, guardando uma porta cravejada de pérolas, estava a tartaruga gigante.
—        Que desejam aqui? — perguntou-lhes ela com desprezo.
—        Viemos falar com você — atreveu-se a dizer o delfim, entre humilde e temeroso.
—        Que estranhas me soam as suas palavras! — exclamou a tartaruga. — Acaso se esqueceu de que há muito tempo vocês nos expulsaram das ilhas, acusando-nos de pesadas e lentas?
—        Não, não me esqueci — balbuciou o delfim —, mas...
—        Mas o quê? — interrompeu a tartaruga.  — Não fosse a Rainha das Águas ter-nos acolhido em seus domínios, até hoje andaríamos errantes pelo arquipélago. Aqui temos vivido tranquilas até agora...
—        Por certo que têm vivido tranquilas — interveio um lagarto —, mas você poderia me garantir que têm vivido felizes?
—        Felizes?  Repetiu, pensativa, a tartaruga. — Bem, felizes não, certamente que não. Porque ficamos longe das ilhas onde nascemos. E é por isso que, de vez em quando, levadas pela saudade, subimos para contemplar a nossa antiga e querida pátria. Mas nos resignamos ao desterro!  - concluiu. — Agora deixem-nos em paz!
—        isso mesmo, vão embora! — disseram as tartarugas-do-mar, que se haviam amontoado em volta dos visitantes.
—        Esperem um momento — pediu a baleia. — Nós já reconhecemos que a nossa acusação era injusta. Todos nós somos, em maior ou menor grau, pesados e lentos... para certas coisas. Mas o que queremos mesmo dizer a vocês é que não soubemos dar valor às enormes virtudes que sempre tiveram as tartarugas.
—        Essa é boa! — disse a tartaruga gigante. — Agora até virtudes nós temos...
—        Claro que têm! — gritou o caranguejo. — A idade de vocês permitiu-lhes acumular a experiência e a sabedoria que falta a nós, mais jovens; transformou-as em vivazes sentinelas do arquipélago, em memória viva e símbolo de nossas ilhas.
—        E o andar lento de vocês — acrescentou a lagosta — sempre nos faz lembrar que a pressa é inimiga da perfeição.
—        Vocês nos fazem falta e queremos que voltem — disse o delfim. — Se aceitarem as nossas desculpas e regressarem, batizaremos as ilhas com o nome pelo qual vocês tartarugas-do-mar são conhecidas por lá: galápagos. E então, querem voltar as Ilhas Galápagos?
—        Hum... — sussurraram as tartarugas-do-mar, ainda indecisas e com os olhos fixos na tartaruga gigante. Esta permaneceu em silêncio, e, passado um momento, disse:
—        Nós não poderíamos abandonar a Rainha das Águas, que tão generosa foi conosco. Nãos seria certo.
Então a porta cravejada de pérolas se abriu e apareceu a Rainha, que ouvira tudo.
—        Escutem — propôs —, vocês não devem se preocupar comigo. Podem retornar à sua pátria e virem visitar-me sempre que quiserem. Assim eu não voltarei a ficar tão só quanto antes...
—        Oh, senhora — disse cerimonioso o delfim —, lá em cima, na superfície, está um jovem guerreiro que não é outro senão o deus Sol, chorando por seu amor. E, ao não poder vê-la, espalhou sombra e convulsão por toda parte, com o apoio dos seus irmãos, o deus Raio e a deusa Tempestade. Os seres humanos morreram e nós morreremos também se ele não puder encontrá-la. Ainda que seja uma só vez, suba para vê-lo, por favor!
—        Vou confessar-lhe uma coisa, meu talentoso amigo — disse a bela ninfa, corando: — eu também amo esse jovem que com frequência visita as ilhas e costuma caminhar garboso, pela praia, sobre o branco tapete de espumas. Conheço-o há bastante tempo, mas jamais permiti que ele me olhasse, até esta manhã, quando me surpreendeu observando-o... Não sabia que ele me amava e que estivesse agora sofrendo por mim. Já que vocês me pedem, irei vê-lo.
Cansado de chorar escuridões, o deus Sol adormecera com o rosto voltado para o horizonte. Mas um perfume tênue, espalhado pela brisa, inundou o ambiente com um penetrante frescor despertando-o. abriu os olhos e ela estava ali, sorrindo para ele, como na mais profunda poesia do sonho.
A história conta também que, a partir desse acontecimento, o céu que limita o arquipélago é sempre azul, limpo e luminoso; o mar é límpido e transparente; a fauna é excepcional; a paisagem é incrível e a vegetação deslumbrante.
Dizem que as tartarugas-do-mar, que retornaram às ilhas, foram agraciadas pelo deus Sol com o dom da suprema longevidade e que a tartaruga gigante ainda existe.
Segundo parece, o deus Sol casou-se com a Rainha das Águas, e os seus descendentes repovoaram as ilhas com a espécie humana, rodeando-a com encantos e maravilhas.
Afirma-se também que, desde então, a Rainha é muito feliz, porque, além de receber com frequência a visita das tartarugas-do-mar, o Sol vive com ela em seu palácio submarino. Levanta-se cedinho para iluminar a Terra e, após os últimos resplendores crepusculares, recolhe-se em seu lar, onde, entre tênues fosforescências de algas e fulgores de madrepérola, sua amada o espera eternamente.
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Contos e Lendas de Amor

Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo




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