Contos e Lendas de Amor - Equador
História do
deus Sol e a Rainha das Águas
Há
muitos e muitos anos, quando deste lado do mundo não existiam outros deuses
além dos astros, das forças e dos elementos naturais, o sol imperava sobre
todos eles e era amo e senhor de toda a América índia.
Sua
vontade era bastante para desencadear tormentas ou secar mares. Quando se lhe
rendia culto, fecundava os campos e abençoava os lares. Mas ai do insensato que
se atrevesse a desafiar sua ira! Nada podia esperar senão fome, frio, dor e
morte.
Conta
a história que o deus Sol costumava tomar a forma de um garboso chefe guerreiro
para visitar suas ilhas prediletas no oceano Pacífico. E certa vez, enquanto
caminhava sobre a branca espuma que as ondas estendiam sobre a areia, conseguiu
divisar uma lindíssima donzela que emergia das mansas águas do mar sentada
sobre a carapaça de uma tartaruga gigantesca. Ficou imediatamente seduzido por
sua figura esbelta, seu talhe delicado, sua tez cobreada e fresca, seus cabelos
mais negros do que a noite e a estranha doçura derramada por seus olhos cor de
mel.
Cativado,
pois, pela graça da jovem, o soberano dos deuses aproximou-se dela para
falar-lhe. Mas, ao notar a presença estranha, a tartaruga submergiu
nervosamente nas ondas verde-azuis, levando consigo a misteriosa donzela.
Ao
vê-la desaparecer, o Sol ficou tão
triste que chorou sem parar durante muitas horas, provocando uma descarga de
sombras sobre as ilhas indefesas. Bastou uma leve insinuação do deus
enfurecido, e o vento tornou-se mais intenso, rugindo horrivelmente; os
furacões ameaçaram destruir toda vegetação, e as ondas, encrespadas, provocaram
terríveis maremotos.
Pereceram,
naquela ocasião, todos os seres humanos e a maioria dos animais que habitavam
as ilhas.
As
pouquíssimas espécies sobreviventes reuniram-se aterrorizadas:
— Ai! De uma hora para outra vamos morrer!
— lamentavam-se os pinguins, escondendo a cabeça entre as asas.
— Se pelo menos pudéssemos fazer alguma
coisa! — disse uma iguana.
— É a fúria dos deuses! — chiaram as
focas. — É hora de falar claro!
E
o leão-marinho narrou-lhes a cena que presenciara durante essa manhã, quando,
ao contemplar a saída do Sol, viu como este assumia a figura humana que desceu
sobre as ilhas para, em seguida, chorar de amor pela linda donzela das águas.
— Temos que procurar a tartaruga e
pedir-lhe que volte com a jovem — disse um albatroz. — Só assim evitaremos a
morte certa.
— Hum!... — lembrou um bicudo balançando a
cabeça com ar pessimista. — Tempos atrás expulsamos deste arquipélago todas as
tartarugas. Elas devem guardar por nós um profundo rancor.
— E por que não lhes pedimos perdão? —
sugeriu um biguá. — E então lhes propomos compartilharem novamente as ilhas
conosco.
— E se elas não aceitarem? — perguntou um
pelicano. — Puxa, que situação!
Depois
de uma assembleia tensa, nomeou-se uma comissão de animais para falar com as
tartarugas. Tal comissão seria presidida pelo delfim – reputado como um dos
mais inteligentes mamíferos do lugar – e integrada pelos mais velhos lagartos,
baleias, caranguejos e lagostas do arquipélago. Aceita a missão, partiram à
procura da tartaruga gigante.
As
águas estavam escuras e turbulentas, e só depois de várias horas de árdua
caminhada pelo oceano agitado, encontraram uma imensa e belíssima mansão,
rodeada de jardins de corais e caminhos cintilantes, cuja estrutura de
madrepérolas a fazia brilhar mais do que a Lua Cheia num céu limpo.
Atravessaram vários corredores atapetados com fosforescentes algas avermelhadas
e chegaram a um jardim repleto de tartarugas-do-mar. Mais adiante, guardando
uma porta cravejada de pérolas, estava a tartaruga gigante.
— Que desejam aqui? — perguntou-lhes ela
com desprezo.
— Viemos falar com você — atreveu-se a
dizer o delfim, entre humilde e temeroso.
— Que estranhas me soam as suas palavras!
— exclamou a tartaruga. — Acaso se esqueceu de que há muito tempo vocês nos
expulsaram das ilhas, acusando-nos de pesadas e lentas?
— Não, não me esqueci — balbuciou o delfim
—, mas...
— Mas o quê? — interrompeu a tartaruga. — Não fosse a Rainha das Águas ter-nos
acolhido em seus domínios, até hoje andaríamos errantes pelo arquipélago. Aqui
temos vivido tranquilas até agora...
— Por certo que têm vivido tranquilas —
interveio um lagarto —, mas você poderia me garantir que têm vivido felizes?
— Felizes?
Repetiu, pensativa, a tartaruga. — Bem, felizes não, certamente que não.
Porque ficamos longe das ilhas onde nascemos. E é por isso que, de vez em
quando, levadas pela saudade, subimos para contemplar a nossa antiga e querida
pátria. Mas nos resignamos ao desterro!
- concluiu. — Agora deixem-nos em paz!
— isso mesmo, vão embora! — disseram as
tartarugas-do-mar, que se haviam amontoado em volta dos visitantes.
— Esperem um momento — pediu a baleia. —
Nós já reconhecemos que a nossa acusação era injusta. Todos nós somos, em maior
ou menor grau, pesados e lentos... para certas coisas. Mas o que queremos mesmo
dizer a vocês é que não soubemos dar valor às enormes virtudes que sempre
tiveram as tartarugas.
— Essa é boa! — disse a tartaruga gigante.
— Agora até virtudes nós temos...
— Claro que têm! — gritou o caranguejo. —
A idade de vocês permitiu-lhes acumular a experiência e a sabedoria que falta a
nós, mais jovens; transformou-as em vivazes sentinelas do arquipélago, em
memória viva e símbolo de nossas ilhas.
— E o andar lento de vocês — acrescentou a
lagosta — sempre nos faz lembrar que a pressa é inimiga da perfeição.
— Vocês nos fazem falta e queremos que
voltem — disse o delfim. — Se aceitarem as nossas desculpas e regressarem,
batizaremos as ilhas com o nome pelo qual vocês tartarugas-do-mar são
conhecidas por lá: galápagos. E então, querem voltar as Ilhas Galápagos?
— Hum... — sussurraram as
tartarugas-do-mar, ainda indecisas e com os olhos fixos na tartaruga gigante.
Esta permaneceu em silêncio, e, passado um momento, disse:
— Nós não poderíamos abandonar a Rainha
das Águas, que tão generosa foi conosco. Nãos seria certo.
Então
a porta cravejada de pérolas se abriu e apareceu a Rainha, que ouvira tudo.
— Escutem — propôs —, vocês não devem se
preocupar comigo. Podem retornar à sua pátria e virem visitar-me sempre que
quiserem. Assim eu não voltarei a ficar tão só quanto antes...
— Oh, senhora — disse cerimonioso o delfim
—, lá em cima, na superfície, está um jovem guerreiro que não é outro senão o
deus Sol, chorando por seu amor. E, ao não poder vê-la, espalhou sombra e convulsão por toda parte, com o apoio dos
seus irmãos, o deus Raio e a deusa Tempestade. Os seres humanos morreram e nós
morreremos também se ele não puder encontrá-la.
Ainda que seja uma só vez, suba para vê-lo, por favor!
— Vou confessar-lhe uma coisa, meu
talentoso amigo — disse a bela ninfa, corando: — eu também amo esse jovem que
com frequência visita as ilhas e costuma caminhar garboso, pela praia, sobre o
branco tapete de espumas. Conheço-o há bastante tempo, mas jamais permiti que
ele me olhasse, até esta manhã, quando me surpreendeu observando-o... Não sabia
que ele me amava e que estivesse agora sofrendo por mim. Já que vocês me pedem,
irei vê-lo.
Cansado
de chorar escuridões, o deus Sol adormecera com o rosto voltado para o
horizonte. Mas um perfume tênue, espalhado pela brisa, inundou o ambiente com
um penetrante frescor despertando-o. abriu os olhos e ela estava ali, sorrindo
para ele, como na mais profunda poesia do sonho.
A
história conta também que, a partir desse acontecimento, o céu que limita o
arquipélago é sempre azul, limpo e luminoso; o mar é límpido e transparente; a
fauna é excepcional; a paisagem é incrível e a vegetação deslumbrante.
Dizem
que as tartarugas-do-mar, que retornaram às ilhas, foram agraciadas pelo deus
Sol com o dom da suprema longevidade e que a tartaruga gigante ainda existe.
Segundo
parece, o deus Sol casou-se com a Rainha das Águas, e os seus descendentes
repovoaram as ilhas com a espécie humana, rodeando-a com encantos e maravilhas.
Afirma-se
também que, desde então, a Rainha é muito feliz, porque, além de receber com
frequência a visita das tartarugas-do-mar, o Sol vive com ela em seu palácio
submarino. Levanta-se cedinho para iluminar a Terra e, após os últimos
resplendores crepusculares, recolhe-se em seu lar, onde, entre tênues
fosforescências de algas e fulgores de madrepérola, sua amada o espera
eternamente.
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Contos e Lendas
de Amor
Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São
Paulo
O cacto e o junco (Colômbia)
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