terça-feira, 9 de julho de 2013

O cacto e o junco

Contos e Lendas de Amor - Colômbia
O cacto e o junco



Tintoba, um belo rapaz de vinte anos, alto e forte, com os cabelos pretos e os olhos escuros dos índios chibchas, um belo dia quis conhecer o mundo e foi embora de casa.
Percorreu os verdes vales de Sogamoso, alimentou-se de maracujás em Duitama e tomou mel em Tibasosa. Fez bichinhos de barro em Ráquira, extraiu esmeraldas das rochas do Muzo, e no lago Tota aprendeu a pescar.
Certo dia foi nadar num riacho de pedras redondas. Estava tão cansado que adormeceu debaixo de um salgueiro. Entre sonhos, ouviu vozes e risadas de mulheres que tinham ido lá buscar água. Despertou quando a última delas, antes de se afastar, ofereceu-lhe de beber. Tintoba ficou enfeitiçado por aqueles olhos que lhe sorriam e desafiavam a negrura do carvão que ele lavrara nas minas. Bastou-lhe vê-la para ficar apaixonado.
Ela matou a sede do rapaz, mas fez nascer o amor em seu coração. Entretanto Tintoba não a seguiu de imediato. Olhando as nuvens enquanto secava ao sol sua roupa recém-lavada, pôs-se a pensar nas palavras que lhe diria. Mas quando chegou ao povoado mais próximo, procurando por ela, ninguém soube informar-lhe nada: ele se esquecera de perguntar-lhe o nome.
Como não conseguia tirar da cabeça o brilho daquele olhar, decidiu instalar-se ali até encontrá-la. Ensinaram-lhe a trabalhar a lã e ele começou a tecer uma manta, com a qual esperava, algum dia, presentear a amada.
Um dia, Tintoba estava em seu tear, entremeando lãs coloridas com suspiros de amor, quando a gritaria de umas crianças o trouxe de volta à realidade. Acabava de despontar na estrada uma rica comitiva de homens carregados de peles, plumas e joias para a filha do cacique da aldeia. Tardaram mais os mensageiros em sair para anunciar o casamento da princesa com o poderoso cacique de outras terras do que Tintoba em sentir uma pontada no coração, ao pressentir a tragédia de seu amor. Não pode mais se concentrar no trabalho. A alegria dos outros o incomodava. Ao entardecer, chorou sem saber por quê.
Nessa mesma noite, passeando o seu desassossego, encontrou uma bela jovem chorando, encolhida junto ao tronco de uma árvore. Ao sentir-se observada, ela levantou o rosto, e ele imediatamente reconheceu aqueles olhos. A jovem desconsolada era a mesma que um dia acalmara a sua sede. Ela lhe contou que se chamava Súnuba, que era a noiva do cacique guerreiro e que se sentia muito feliz porque o pai estava obrigando a se casar com um homem que ela jamais poderia amar. Tintoba compreendeu então que, quando Súnuba lhe dera água no riacho, ela também se apaixonara por ele. Desde esse momento e nesse mesmo bosque de araçás e aroeiras, beijaram-se todas as noites ao luar. Na véspera do inevitável casamento, choraram abraçados. Quando de madrugada o céu se abriu no azul da aurora e os primeiros pássaros cantaram, Tintoba despediu-se da amada jurando algum dia unir-se a ela.




Tintoba voltou à casa de seus pais; mas como não podia parar de pensar em Súnuba, um dia, desesperado, decidiu ir buscá-la. Ao chegar à casa do cacique guerreiro, disse que trazia umas esmeraldas de presente para a princesa, e os guardas o deixaram entrar.
O cacique havia partido para lutar contra outra tribo, de modo que os amantes puderam se encontrar sem preocupação. Súnuba o fez seu guarda particular para poder tê-lo sempre ao seu lado sem levantar suspeitas. Mas a felicidade se espelha no rosto, e o amor desperta invejas. Súnuba ficou mais bela do que nunca, e o guarda favorito foi várias vezes surpreendido dormindo em horas de vigilância. Começaram os falatórios entre as outras mulheres do cacique e, tão logo ele voltou, vitorioso e carregado de presentes para Súnuba, elas, enciumadas, contaram-lhe o que todo o povo já sabia e desaprovava.
Súnuba foi depressa avisar Tintoba do perigo que corriam, e os dois fugiram por florestas e atalhos que poucos conheciam como ele, até chegarem ao vale onde viviam os pais de Tintoba. Ali, Súnuba aprendeu a fiar. Juntos plantaram árvores frutíferas que dariam peras suculentas e tenros pêssegos. A vida lhes sorria.
Uma tarde, de volta do trabalho, Tintoba encontrou em casa um viajante que entrara para pedir um gole de água e um banco para descansar. Mal se viram, reconheceram-se. Era um enviado do cacique que, por fim, descobrira o paradeiro dos amantes fugitivos, e que revelou imediatamente o seu segredo. Os familiares ficaram horrorizados, pois sabiam, como todo chibcha, que aquele que roubasse a mulher de outro seria duramente castigado.
Súnuba e Tintoba compareceram perante o Grande Sacerdote de Sogamoso. Ele ordenou a Súnuba que voltasse imediatamente para seu marido. Tintoba deveria oferecer sacrifícios para aplacar a ira divina. Mas antes de partir, Súnuba pediu permissão para ir buscar suas joias, e aproveitou a oportunidade para fugir com Tintoba.




De repente, um grande ruído retumbou no vale e a terra tremeu. Os amantes correram espavoridos morro abaixo. Em sua corrida desenfreada, Tintoba sentiu que suas pernas não lhe obedeciam mais, e, num instante, todo o seu corpo se converteu num cacto cheio de espinhos pontiagudos. Súnuba também ficou presa no pântano de uma lagoa e tomou a forma de um junco.

A terra voltou ao repouso. Hoje eles ainda estão lá: o cacto à margem da lagoa onde tremula o junco. Veem-se, mas não podem se falar.
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Contos e Lendas de Amor
Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São Paulo


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