Contos e Lendas de Amor - Colômbia
Tintoba,
um belo rapaz de vinte anos, alto e forte, com os cabelos pretos e os olhos
escuros dos índios chibchas, um belo dia quis conhecer o mundo e foi embora de
casa.
Percorreu
os verdes vales de Sogamoso, alimentou-se de maracujás em Duitama e tomou mel
em Tibasosa. Fez bichinhos de barro em Ráquira, extraiu esmeraldas das rochas
do Muzo, e no lago Tota aprendeu a pescar.
Certo
dia foi nadar num riacho de pedras redondas. Estava tão cansado que adormeceu debaixo
de um salgueiro. Entre sonhos, ouviu vozes e risadas de mulheres que tinham ido
lá buscar água. Despertou quando a última delas, antes de se afastar,
ofereceu-lhe de beber. Tintoba ficou enfeitiçado por aqueles olhos que lhe
sorriam e desafiavam a negrura do carvão que ele lavrara nas minas. Bastou-lhe
vê-la para ficar apaixonado.
Ela
matou a sede do rapaz, mas fez nascer o amor em seu coração. Entretanto Tintoba
não a seguiu de imediato. Olhando as nuvens enquanto secava ao sol sua roupa
recém-lavada, pôs-se a pensar nas palavras que lhe diria. Mas quando chegou ao
povoado mais próximo, procurando por ela, ninguém soube informar-lhe nada: ele
se esquecera de perguntar-lhe o nome.
Como
não conseguia tirar da cabeça o brilho daquele olhar, decidiu instalar-se ali
até encontrá-la. Ensinaram-lhe a
trabalhar a lã e ele começou a tecer uma manta, com a qual esperava, algum dia,
presentear a amada.
Um
dia, Tintoba estava em seu tear, entremeando lãs coloridas com suspiros de
amor, quando a gritaria de umas crianças o trouxe de volta à realidade. Acabava
de despontar na estrada uma rica comitiva de homens carregados de peles, plumas
e joias para a filha do cacique da aldeia. Tardaram mais os mensageiros em sair
para anunciar o casamento da princesa com o poderoso cacique de outras terras
do que Tintoba em sentir uma pontada no coração, ao pressentir a tragédia de
seu amor. Não pode mais se concentrar no trabalho. A alegria dos outros o
incomodava. Ao entardecer, chorou sem saber por quê.
Nessa
mesma noite, passeando o seu desassossego, encontrou uma bela jovem chorando,
encolhida junto ao tronco de uma árvore. Ao sentir-se observada, ela levantou o
rosto, e ele imediatamente reconheceu aqueles olhos. A jovem desconsolada era a
mesma que um dia acalmara a sua sede. Ela lhe contou que se chamava Súnuba, que
era a noiva do cacique guerreiro e que se sentia muito feliz porque o pai
estava obrigando a se casar com um homem que ela jamais poderia amar. Tintoba
compreendeu então que, quando Súnuba lhe dera água no riacho, ela também se
apaixonara por ele. Desde esse momento e nesse mesmo bosque de araçás e
aroeiras, beijaram-se todas as noites ao luar. Na véspera do inevitável
casamento, choraram abraçados. Quando de madrugada o céu se abriu no azul da
aurora e os primeiros pássaros cantaram, Tintoba despediu-se da amada jurando
algum dia unir-se a ela.
Tintoba
voltou à casa de seus pais; mas como não podia parar de pensar em Súnuba, um
dia, desesperado, decidiu ir buscá-la.
Ao chegar à casa do cacique guerreiro, disse que trazia umas esmeraldas de
presente para a princesa, e os guardas o deixaram entrar.
O
cacique havia partido para lutar contra outra tribo, de modo que os amantes
puderam se encontrar sem preocupação. Súnuba o fez seu guarda particular para
poder tê-lo sempre ao seu lado sem levantar suspeitas. Mas a felicidade se
espelha no rosto, e o amor desperta invejas. Súnuba ficou mais bela do que
nunca, e o guarda favorito foi várias vezes surpreendido dormindo em horas de
vigilância. Começaram os falatórios entre as outras mulheres do cacique e, tão
logo ele voltou, vitorioso e carregado de presentes para Súnuba, elas,
enciumadas, contaram-lhe o que todo o povo já sabia e desaprovava.
Súnuba
foi depressa avisar Tintoba do perigo que corriam, e os dois fugiram por florestas
e atalhos que poucos conheciam como ele, até chegarem ao vale onde viviam os
pais de Tintoba. Ali, Súnuba aprendeu a fiar. Juntos plantaram árvores
frutíferas que dariam peras suculentas e tenros pêssegos. A vida lhes sorria.
Uma
tarde, de volta do trabalho, Tintoba encontrou em casa um viajante que entrara
para pedir um gole de água e um banco para descansar. Mal se viram,
reconheceram-se. Era um enviado do cacique que, por fim, descobrira o paradeiro
dos amantes fugitivos, e que revelou imediatamente o seu segredo. Os familiares
ficaram horrorizados, pois sabiam, como todo chibcha, que aquele que roubasse a
mulher de outro seria duramente castigado.
Súnuba
e Tintoba compareceram perante o Grande Sacerdote de Sogamoso. Ele ordenou a
Súnuba que voltasse imediatamente para seu marido. Tintoba deveria oferecer
sacrifícios para aplacar a ira divina. Mas antes de partir, Súnuba pediu
permissão para ir buscar suas joias, e aproveitou a oportunidade para fugir com
Tintoba.
De
repente, um grande ruído retumbou no vale e a terra tremeu. Os amantes correram
espavoridos morro abaixo. Em sua corrida desenfreada, Tintoba sentiu que suas
pernas não lhe obedeciam mais, e, num instante, todo o seu corpo se converteu
num cacto cheio de espinhos pontiagudos. Súnuba também ficou presa no pântano
de uma lagoa e tomou a forma de um junco.
A
terra voltou ao repouso. Hoje eles ainda estão lá: o cacto à margem da lagoa
onde tremula o junco. Veem-se, mas não podem se falar.
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Contos e Lendas
de Amor
Co-edição Latino-americana. Editora Ática. 1986. São
Paulo
História do deus Sol e a Rainha das Águas (Equador)
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