Ensaio
10B
baitasar
Neinho,
vô ficá qui no cantinho, vai chovê e não quero me molhá, lá fora, Não vai
chover, avó, Como ocê sabe, E como a avó sabe que vai chover, Tenho muito jeito
de sabê, mais dô confiança nas reclamação das perna, essa daqui avisa se o
causo é chuvinha, a outra, avisa se o acontecido vai sê com chuvarada, O rádio
não recomendou o uso do guarda-chuva, E ocê credita, não aprendeu desconfiá, neinho, é
só olhá o lado da descida do dia, sentí o cheiro do vento. Não tem sentido ocê
sabê cheirá, escutá, e não sabê entendê os arrepiu, os barulho, nem os
temperamento da vida qui vive, essa gente enfiada na caixinha faladora tem o
lado de inventá, fazê ocê creditá qui ocê não sabe, eles é qui sabe, A avó só sabe descobrir o lado da chuva, não sabe dizer porque chove, Quem precisá sabê qui vai aprendê.
Nem
metade do caminho, o trânsito lento, e a avó cheia da vontade de conversar, A
rua não anda, neinho, Avó fica quieta, preciso colocar atenção no troco, Vai
chovê, Aposto que não vai, Vai chovê de alagá tudo, E o Josino, avó, queria
desviar a atenção desse assunto, desviar a temática da prosa. Não gosto da
chuva. Aprecio a água nas torneiras, na banheira do casarão, dentro dos rios.
Tenho problema de desconfiança com as trovoadas, cismo com as faíscas das
chuvaradas exageradas. Vento, chuvarada, trovões e relâmpagos... uma combinação
que não me deixa ir às ruas. Quando tem temporal forte, muito clarão, tem vez
que é um depois do outro e mais outro e outro, caminho pelo Canela Preta
cobrindo os espelhos com pequenas cortinas. Essa fúria das ruas me
desassossega. Prefiro outro assunto de conversa, maisquero é estar de conversa
com a avó sobre outros afogados, os pretos com a corda do branco piedoso, a
audição atenta, O Josino foi enforcado nas árvore da praça, onde, num dia qui
ta pra chegá, vão colocá um tambô gigante, maió qui o magrão enfiado no
alçapão, Tambor pra quê, Pra ninguém esquecê de lembrá as dô dos preto, Nenhum
tambor é grande para fazer ouvir quem não quer escutar, Sê fô surdo também pode escutá, não vai escutá os qui nasci envenenado, os qui aprendi odiá... esquece essa gente, vamô mais
mostrá da alegria qui nóis tem pra cantá e dançá, Até parece que a avó acredita que os preto só canta e dança, E ocê, o qui acha, foi ocê qui saiu da escola pra sê cobradô, Não quero ensinar, Desandô da escola, o qui ocê qué, Não quero viver nas costas dos tiuzin, Sê fô preciso, vai vivê do mesmo jeito qui os branco vive nas costa, até se achá, A avó lê o futuro, a pergunta
foi mais uma tentativa para provocar a avó dali, espremida, de cócoras, embaixo
do meu banco de cobradô, Qui razão tem essa pergunta, neinho, A avó está
falando dum tambor que nem existe, No mundo qui não é coisa nenhuma, não tem
futuração nem causo antigo, é preciso creditá qui dá pra fazê, escolhê um lado
e lutá a boa luta. A avó sentou na roleta, levou uma das mãos na testa, como se
estivesse olhando ao longe, depois apontou decepcionada para o grandão, Esse
aí, vai esquecê e desaprendê do lado qui aprendeu a respeitá, vai mandá cortá
as árvore dos enforcado. Olhei o homem enfiado no alçapão, olhei de novo, não
sabia por que ele ia cortar tantas árvores, não imaginava motivo para tanto
desprezo pela vida dos preto, dos índio e dos branco. Não acreditava na notícia
da avó. Não achava motivo de tanta justiça inventada, A avó ta fumando o fumo
de corda do Tigão, Até qui queria fumá, mais aqui não pode, queira podê não
sabê da imbecilidade das pessoa, queria não tê tanta estupidez, mais aqui não pode
fechá as vista, fingí qui gosta quando não gosta, fingí qui faz quando não faz,
ocê sabe como qui é, Não sei, avó, Fingí... como essa gente afamada, elas
disfarça qui gosta, mais só qué distância do faro de gente pobre, qué sê
gostada e sonhada.. mais de longe, ocê tenha muito do cuidado com os qui
prometi e não cumpri. Os bacana inventa o qui fô preciso pra enganá com falsidade.
A
cabeça do grandão, lá fora. Eu, com a mão no pescoço, segurando a guia, pedindo
com reza boa para o João Torto não raspar o teto do Rocinante. Bastava um fio
pendurado no caminho, sem capricho, com folga. E lá se foi a cabeça do cortador
das árvores, Neinho, a cabeça tem dono, ocê precisa respeitá a cabeça, Eu sei,
avó, mas... as árvores, é um pecado cortar. A avó estava pendurada no corrimão
aéreo, balançava agarrada numa das mãos, Isso ainda leva um tempinho, quem
sabe, se assim, os preto pendurado descansa.
A
avó desapareceu entre os passageiros.
O
João, lá na frente, eu, aqui atrás. Ninguém descia. As pessoas empurravam para
subir no Rocinante. Uma velhinha batia nos vidros da porta da frente
— Abre, motorista... quero subir! — o João
abriu a porta
— Senhora... não pode...
— Com licença, obrigada... com sua
licença... — foi se enfiando na contramão até ficar atrás do motorista. Pelo
que me consta, foi o início do caminho para subir na porta da frente, e não
pagou a passagem. Estava aberta uma nova ordem, daquela viagem em diante, os
velhinhos subiam na frente e não pagavam, não passavam na catraca, Tem causo
qui precisa empurrá na goela abaixo dos fazedô das lei
— Desculpe, seu motorista, o mau jeito,
mas ta chovendo... — a velhinha nunca soube no que se tornou: um símbolo da
resistência. O dia em que os velhinhos subiram na porta da frente e não pagaram
a passagem. Quem sabe, num dia desses que estão por vir, também venha o direito
de sentar em lugares reservados. Têm coisas que levam algum tempo a mais para
acontecerem, a imbecilidade precisa ser convencida aos pouquinhos.
Aqui
no fundo, continuava o empurra-empurra para fechar a porta. Em cada parada,
mais passageiros, mais tarifa para o patrão da Anônima, mais aperto, mais
conformação com a própria amargura, mais nada — Feeecha! — depois de cada
anúncio, o João Torto fechava a porta, o ar escapando do balão, o Rocinante
acelerava. A lata com as sardinhas arrancava da parada, um exército de obreiros
retornando para suas casas, desconjuntados, sem tambores, sem clarins, o
Rocinante escurecia sem o crepúsculo, a memória é cega, só assim conseguimos
fazer tudo igual todos os dias
— Espera! Espera! — alguém batia no
Rocinante. Desviei o pescoço a tempo de ouvir o grito do animal, empinou como
se fosse largar as duas patas sobre a vítima indefesa. Desci os olhos na
direção da porta da frente, lá estava um homem, um cego, a sua bengala e a
chuva, não me faltava mais nada, O Neinho ainda não viu nada, nem começô a
chovê, O que a avó sabe, Não posso falá do qui não aconteceu, Então para, não
assusta com essa conversa de assustar, Ta bem, E a história do tambor gigante
na praça... a avó também especulou sobre o magrão comprido cortando as árvores,
Isso é só um palpite, não sei se vai acontecê, A avó precisa sair daqui, a mesa
do dinheiro não é lugar de sentar, O lugá é onde dá, Avó, preciso trabalhar
— João! Segura o 69! Imobiliza o bicho!
Tem um cego querendo subir.
— Cego? — gritou do seu lugar protegido no
Rocinante, depois fez pedido à senhora parada na porta da saída — Senhora...
senhora... precisa liberar o espelho...
— É... um cego! — intercedeu a velhinha
com seus cabelos arrepiados
— Lugar de cego é em casa... — o João
Torto não tem noção do perigo, mas, mesmo contra a própria vontade, acionou os
freios. Todos fomos empurrados para frente, lembrei da escola e do senhor
Newton. A inércia. A avó não mexeu, nenhum pouquinho, nadica, Meu fioneto,
queria continuá a história do Josino, Essa não é a melhor hora, Bobice, ninguém
sai, só entra, ta fácil de controlá, Fácil para quem fica só olhando, Também
não foi fácil o caso do Josino, ele ficava só olhando, acabô levando a culpa de
tudo
— Enforca!
— Pendura o pretinho safado!
— Lugar de carvão é no fogo!
Neinho,
a caprichada esperança em outra vida, juramentada pela fé do padre, num tempo
que ele se vestia de viúva, vestido preto bem cumprido, fez criá a vontade do
domicílio da Nossa Senhora da Dô. Uma igreja pra harmonia e a boa vontade de
limpá os erro, as culpa, as maldade. Quando o senhô do escravo precisava aliviá
os desacordo com as lei de Deus, fazia doação das coisa de construção, outras
vez cedia emprestado o trabalho braceiro dos preto escravizado. O senhô dos escavo tinha
cobiça de aparecê com desapego e ajudá nos assunto da construção de Deus. Gostava de parecê desapegado das coisa. Os
preto era tomado emprestado pelo santo padre e o senhô dos escravos garantia um
lugá no céu, Mas avó, o que fez o Josino para merecer o enforcamento, Trabalhô
na santa obra, foi doado por empréstimo, pelo seu senhô Domingos, pra
fazê a subida das parede da capela adoratória. O preto trabalhô duro, carregô
tábua, pedra, o sol castigando, sem reclamá, até na exaustão. Não podia
desaprová, lamuriá, nem lastimá, só podia se ocupá com a belezura das torre,
mais a igreja das Dô continuava do mesmo tamanho, Por quê, avó, Começô um rumô
sem dono, não se sabe qui boca começô de dizê qui os preto trabalhava no prédio, mais não dava o andamento esperado da
execução
— Chuva! — virei o nariz para trás, lá
estava a chuva, forte, graúda, Não disse, neinho, Disse, avó
— O cego! O cego! — um rapaz cabeludo, os
cabelos além dos ombros, o mesmo que levantou para a velhinha encrespada
sentar, desceu e ajudou o cego. Subiram em silêncio. Ele enfiou a mão no bolso
e retirou o dinheiro da passagem, setenta e cinco cruzados passaram de mão em
mão. Não precisava troco. Girei a roleta
— Esse é o que passa na praça dos
pedalinhos?
— Vai até a Boa Esperança. — respondeu o
matador de árvores. Pequenas solidariedades, pequenas omissões, cachopas de
lembranças graúdas, duradouros esquecimentos
— Obrigado.
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