segunda-feira, 8 de agosto de 2011

IV (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Levei susto de soltar gemido
¿Emparejar con quien?
baitasar



O comitê revolucionário deu fim a si mesmo, ainda na viagem do retorno até Piedras Altas. Todo aquele caminho de ida precisava ter uma trilha de regresso. Dinamitar as pontes, principalmente, quando o inimigo é tão poderoso, seria o mesmo que dar de si mesmo a La Muerte. Por isso, as conversas com o capacho do coronel não foram muito além de pedir uma vaquinha. Jamais, pelo menos, até onde lembram, usaram do peito atrevido de exigir. Sabiam que não estavam em condições de queixas. Precisavam tocar a vida do jeito que ela é: una mierda e os clamores que fiquem dentro do peito.
O coração desses hombres y mujeres são assim mesmo, estufados de lágrimas escondidas, estão abandonados aos caprichos de outros homens e mulheres enfeitados com perfumes delicados, mas sórdidos. Gente educada e fina, sem compromisso com a vida como deveria ser: sem escravidão, sem trabalho não pago. Gente loira e olhos azuis, gente parva que pensa ser loira de olhos azuis se vangloriavam dos custos menores com seus escravos, dependentes da sua vontade de senhores. Los propietarios de la tierra, brazos y azadas
(Pelo menos... estamos vivos.) (Até quando?)
Enquanto José e Maria pensavam as palavras, enquanto Jaquín e Carmelita não se permitiam nenhuma petulância, o anão respingava seu humor mal-humorado
(Até a próxima colheita do milho.)
Olhou para cima e Maria estava parada olhando para baixo, colocava as vistas para ele. El hombre pequeño não pode deixar de se encantar com a beleza daquela mulher tão escravizada pela Montaña. A moldura daquela via leitosa estrelada – mais acima de su cabeza – ou a saudade da sua Blanca, pouco importa, aquela Maria, daquele instante, era la mujer más hermosa que había visto en su vida.
Su cabello negro descia da cabeça e parecia chegar ao chão de piedras, o queixo arredondado con una pequeña depresión, os lábios carnudos, as narinas arredondas: perfecta. Os olhos negros brilhavam como dos estrellas del suelo de piedra, diamantes campesinos.
Sentiu ganas de se esparramar sobre una piedra, perguntar àquela chuva de estrelas por que a vida não poderia ser simples como os olhos da Maria
(Ciegos de ira, ciegos de amor, cagones conformistas...) – repetiu para si
Os tempos de bonança vão e vêm, os rebeldes de ontem são los muertos de hoje. Os espertos espreitam toda ajuda que possam alcançar para si, entender o próprio desassossego com a vida de antes e essa de agora, la muerte não vive de lembranças e reminiscências. Não existem boas novas. Morir acaba com a rebeldia e sossega o pito: acabou a tristeza de obedecer calado, acabose la avaricia de poseer riquezas, se acabó la codicia de fama, a alucinação de cagar bosta cheirosa. Morrer é permanecer esperando o que não começa, o que não tem fim.
Os miseráveis parecem que nunca se colocam em posição de mandar, na verdade, são esses da abastança - que cagan mierda mal oliente - que jamais se deixarão ficar no costume de obedecer. Aos miseráveis resta submissão e empobrecimento ao criador. É tudo uma questão de dinheiro e pólvora. Eles sabem que não duram porque escutam desde a pia do batismo que não existem, a não ser para o Senhor. Isso é tão normal e natural, como encontrar nas areias a praia.
Um anão sem parentes, sem casa pra morar, sem dinheiro, sem armas, sem vidas para viver, nunca existiu. Um palhaço. Um exército de miseráveis.
A extinta comissão caminhava longo trecho da estrada. Voltaram a ser o silêncio. Foi um dia cheio de contrariedades. Os pensamentos pareciam ficar ali, esquecidos em seus rastros. O anão era o último daquela patrulha de retirada. Fechava com seu pequeno corpo de escoteiro na última posição, sem nenhuma intenção de manter a ordem ou evitar surpresas pela retaguarda, apenas faltava-lhe comprimento nas pernas. Existem coisas que já nascem com a solução, nem lhes adianta reclamação: se não têm casa pra morar, bastam os acasos e o lhano da Montaña.
José e Maria seguiam mais à frente, tinham mais experiência com trilhas na escuridão, conheciam o caminho através das estrelas. O caminho da estrela guia indicava o rumo de chegada. Vez que outra, a Maria dos cânticos entoava uma delicada cantiga de ninar. José assoprava lo viento com seus lábios e a suavidade da mãe saltitava sobre piedras y bosques, até que chegava bem de mansinho nas crianças. Um abraço de alívio, um aviso afinado de refluxo. Acalmavam seus corações
(Estamos voltando.)
Jaquín e Carmelita não tinham passo tão aligeirado. Iam de mãos agarradas, uma na outra. O filho não estava no quarto, carregavam a criança em sua barriga de mãe. Jaquín vez que outra alisava a barriga de sua esposa e lhe sussurrava ao ouvido a beleza do seu amor
(Tú és muy linda.)
Carmelita apretaba su mano y aproximaba su cuerpo redondo al de su hombre. Não queria brigas, lutas, batalhas ou guerras, mas faria o necessário para ter o leite de su hijo. É a obrigação de qualquer mãe, seja ela uma boa ou má mujer.
O anão parou para colocar ar nos pulmões, sentou sobre una piedra mais alta que ele
(Esperem!)
José não parou, apenas virou a cabeça e respondeu
(Não temos tiempo para confortos.)
El hombre pequeño ficou em pé na escuridão e, sem abandonar os seus propósitos inconformados, procurou dar insistência de calma a sua voz
(Isso não pode ficar assim.)
Jaquín preocupado com os desconfortos daqueles caminhos para sua Carmelita y su cuerpo redondo, interpelou o anão sem conseguir esconder sua irritação
(Assim? Como assim?)
Maria envolta en su cuadro de cabelos e estrelas derramou sua esperança cuidadora de mãe
 (Hombre pequeño... não basta que estamos vivos?) (Escutem os quatro...) (Fale logo, temos precisão de chegar.)
Sem firulas de sermão e palavras explosivas para arrastar a vítima à sua vontade salvadora, ergueu as duas mãos e uma voz silenciosa cresceu entre las piedras
(O momento não é para desalentos...)
José iniciava a deixar escapar um palavrão. A palavra obscena já se formava nas cordas do violão da sua garganta; o anão desperturbado seguia seu pronunciamento adiante
(... encontrei a solução.)
O sangue ferveu nas facetas do palhaço, a boa escuridão o protegia. Agora, tinha atenção atenciosa de todos da tropa. Ali, metidos naquela escuridão de destino sem portas, sem recursos, sem bem-feitores, sem tierras próprias, enganados pela vida de mierda, acostumados de escutar que valiam pela força da enxada carregada en sus manos, talvez encontrassem o seu destino
(Solução para o quê?) (Habla, mitad de hombre.)
Ele se fez de surdo, era um hábito antigo fazer de conta que não escutou o que havia escutado, farejava a curiosidade nervosa dos outros, meneou a cabeça como se alguém pudesse vê-lo. Estava de volta ao picadeiro, os olhares da plateia não desgrudavam, não queriam perder as brincadeiras grotescas, as pilhérias e graças, a fantasia del payaso
(Precisamos casar as nossas vacas.)
O silêncio foi muito importante, deu para sentir todos pensando e calculando as chances de acontecer um casamento com as vacas de Piedras Altas. Jaquín foi o primeiro a se recompor do susto
(Hablar es una cosa… hacer… otra.)
Carmelita sentou en una de las piedras do caminho. A barriga, o leite, a fome e o sono começavam a pesar - fazendo do caminho de regresso uma pequena via de sacrifícios. Olhou no escuro, para onde achava que deveriam estar os olhos do anão - reclinou o queixo e perguntou com calma - con miedo da resposta do pequeño menudo
(¿Emparejar con quien?)
O anão desceu da piedra con un pequeño salto, resmungando que esse era assunto para mais à frente
(Precisamos sacrificar os romantismos.) (Como se as nossas leiteiras fossem experientes em ilusões do amor.) – retrucou a bela Maria, envolta em su cuadro de cabelos e estrelas.
Retomaram o caminho para Piedras Altas.
Quando a comissão abandonou os seus propósitos de viagem, perdeu suas razões para existir, foi desfeita sem cerimônias de agradecimento, estavam curvados sob o peso daquele transe fúnebre e cheiro de bosta.
José e Maria foram acarinhar os filhos. O frio daquela madrugada estava cortante.
Jaquín pediu permissão para acomodar sua Carmelita na cabaña de uso dos dois, estava preocupado com sua jovem esposa, quase no ponto de fazer nascer o primeiro filho daquela parelha.
Ficou acertado que o assunto recomeçava na volta de todos do seu descanso.
Vi minha irmã Blanca arrancar o anão do aglomerado, apenas com os olhos. O menudo foi puxado para um canto
(Estava preocupada.) (Se havia razão, agora já não há mais.) (Tuas mãos ainda ardem em mim.) (Elas não saem de ti.) (Hoje, quero adormecer em teus calores...)
Minha irmã conversava de cócoras com o homenzinho. Papá já se acomodava na volta da fogueira. As conversas de importância com os velhos sempre se dão na volta do fogo. Parece iluminar e aquecer o caminho para os espíritos antigos
(Os dois podem vir conversar por aqui?)
Retornaram para perto da fogueira. O chamado de papá se pareceu com uma ordem. Sou desnecessária e não me chamam, mas fico deitada nas sombras, espreitando a conversação sobre aquela viagem. Ali, acordada, de bruços, o queixo apoiado em meus braços, dobrados em ‘xis’, olhava para cima e via as sombras daquela conspiração dançando nas paredes. Jamais vi os espíritos antigos, papá dizia que ouvia e rezava junto com os ancestrais. Eu não precisava ouvi-los, me bastava saber que estavam ali
(¿Emparejar con quien?)
Com um touro era lógico, com quem mais haveria de ser, senão com sua própria natureza
(Não temos touros, nem mesmo bois.) (Nossas vaquinhas só conhecem as carícias de Don Carmelo.)
Lembro que repassaram todos os lugarejos desde o Povoado da Areia, não encontravam nenhum animal capaz de fazer cobertura de cria nas vaquinhas. Todos foram envelhecendo e perdendo o jeito de montar nas gurias. E depois de perdido o jeito existe o risco de submergir a vontade ao sono, perdendo o destino para o medo: desgraçar-se com a falta de sorte.
A velhice chega ao galope, quando menos se espera está alojada em nosso corpo.
Aquela foi uma noite longa. Todos da comissão, inclusive os antepassados, procuravam um nome, um reprodutor com serventia de ajudar nossas vaquinhas. Repassaram povoados e vilas, nenhuma estava adornada de um touro, só tinham naqueles arredores campesinos de bois frustrados, capados das suas bolas, impedidos da sua aparência plena de macho.
Haveria de ter algum significado aquele sumiço dos touros entre os campesinos.
Nunca antes desta noite, houvera algum sentido pensar em seus touros, castrados ainda na puberdade; emasculados, os castrati da Montaña conservavam o registro soprano ou contralto em seus mugidos, combinados com a força da emissão e o volume dos berros de touros adultos, soltos no pasto... bem mansinhos e obedientes.
O atrevido pequeninho não aceitava que em tantos povoados não houvesse um boi reprodutor
(O anão é novo, por aqui.) (Compramos nossas leiteiras do coronel.) (Não acho possível ser verdade, em algum sítio há de existir um macho garanhão se derramando pelas vaquinhas.)
Papá ergueu-se e esperou o silêncio daquelas vozes nervosas, queria ouvir os antepassados. Mantinha os olhos fechados, movia os lábios e parecia conversar e rezar. Aquela nudez desconcertava a todos. Levava as mãos até o fogo e parecia conduzir o vapor daquela fuligem para si. Arrastava e retirava as mãos do fogo. Aceitava o oferecimento dos espíritos ancestrais. Ali, o já morto era sentido de novo.
Yo escuchaba os sussurros cantados de mi madre ao pé do ouvido. Uma quentura me juntava do chão e me carregava em seus braços macios e quentes. Oferecia seus bicos derramados de leite, alimentava minha fome e saciava minha saudade. As lágrimas molhavam seu peito e inundavam sua camiseta toda branca, solta em seu corpo redondo, quente e perfumado
(Muitas saudades, mi madre.) (São muitas ausências… mi hija de los ojos calientes.)
Mi madre se parou aquietada como se escutasse um pedido de silêncio. Levou um dos dedos à boca, gesticulou como um psiu que convida para deixar de tagarelar. Minha boca se fechou e meus olhos silenciaram. Mi papá conversava com todos
(Muito pouco nos adianta ficar pensando onde pode estar o audacioso que necessitamos para as nossas leiteiras porque eso implica trabajo de caminhar. El macho de la vaca es el toro, entonces precisamos ir atrás do não castrado. Ele não virá até o cercado.) (Don Carmelo pensou em algum animal esquecido por nós?) (O touro do coronel...)
Levei susto de soltar gemido
(Que assim seja.) — respondeu o anão.
Esse anão... no tiene dinero, sin armas, no tiene tamaño de las personas, solamente tiene ideas por la mitad y el nariz del payaso.

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