quarta-feira, 17 de agosto de 2011

VI (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Tudo entre os dois foi tesão

O anão
baitasar


O anão era um hombre preto, pobre, e atarracado, com um sorriso estranho pendurado abaixo dos seus dois olhos verdes. E ele nem era tão preto assim. Os cabelos não eram de gente preta, mas de cholo, caídos até os ombros. Minha irmã contava que ele enxergava com os olhos fechados. O homem pequeno sentia as dores do mundo, antes do galo cantar e a cachorrada gemer assustada; antes de olhar para o dia que rasga a escuridão e vai escondendo a Via Láctea leitosa; antes de fazer sair do sono qualquer pedacinho de si mesmo, antes de brotar nas cobertas de dormir da mestiça. Via o que não conseguia com os olhos abertos. Cada vez mais, mas somente depois de reunir suas carnes com as carnes amorosas da Blanca, depois de misturarem suas águas, bebidas com desejo veemente, o sono chegava de maneira generosa, fazendo suas raízes rasgarem a esteira e enfiadas no plano simples de la tierra, amanhavam o anão na Montaña. Desde a primeira madrugada, como em tantas outras, ali, longe das lidas no circo, enroscado en las piernas de la chola de mais um amanhecer amareleço, ele se deixava a exaustão pela mandinga da sensualidade da leporina e as forças do chão que agarravam os seus cabelos até transformá-los en raíces que cresciam em direção inversa a la de la cabeza.
Seus segredos entravam na cabeça com cabelos enfiados en la tierra e faziam crescer mais, enquanto os pelos de seu corpo sumiam. O homem ficava lisinho nas virilhas, no rasgo entre as bundas, nos braços, nos peitos. E assim, com o couro cabeludo cheio ao exagero, cabelos pendurados até os pés, o anão perdia o gosto caminante e virava índio, único jeito de se enfiar nas virilhas da Blanca e voltar vivo, gente de todas as gentes. Desaparecia el payaso ensinado a matar con sus dichos o hechos, renascia o homem desmanchado no colo da mãe Blanca. Reaparecia no sono, em seu ventre, com os olhos de enxergar o mundo que veio e já se foi, acordava e não sabia o que viria, apenas o passado do ainda não acontecido. O futuro que já tinha ido sem passado.
E assim ia e vinha de acontecido enxergado e fato atravessado en sus ojos. O milagre daquele feitiço se dava para sus ojos en las piernas mestiças de Blanca, os olhos verdes eram acordados pelo feitiço encantado en las piernas. A ternura daquela paixão tinha mais força que o bruxedo das ervas. Quando entrava en la joven Blanca o mundo do homem pequeno se aquietava, os barulhos da montanha silenciavam as guerras, acabavam as dores que se aproveitavam do medo, os sofrimentos ficavam encantados em uma nuvem cinzenta assoprada pelos espíritos para longe, ao redor do mundo, descobrindo e ouvindo, cantando e sorrindo, assim, quando retornassem, estariam com as feridas cicatrizadas. Não evitou um sorriso irreprimível, um sorriso malicioso.
Carregava sempre na cintura o nariz del payaso. Tinha o capricho na feitura das pinturas coloridas, elas deixavam o seu rosto com jeito triste e tímido. Brincava de risadas, a verdadeira profissão do anão. Depois que acabaram suas tintas, el payaso usava as cores da Blanca descarregadas dos seus líquidos de amor
(Gosto de acordar nos abraços da minha gente.) (No somos tu gente, nosotros crecemos hacia abajo, dentro de la tierra.) (Estou aprendendo o jeito de aprofundar-me dentro de la tierra.)
Blanca tinha razão: éramos feito um povo oculto de criados, invisíveis no serviço natural de servir, acostumados com o proveito de adubo para o milho. Desenterrados de la tierra ficavam os viejos, esqueletos sem dentes ou boca, los ojos de llorar. Os jovens não envelheciam e se envelheciam ficavam mudos, desdentados, enrugados. Estrelas decadentes de un tiempo viejo, desfigurado de humanidade amorosa, esvaziado de pássaros, lírios vermelhos, madressilvas cheirosas, mas repletos de víboras encantadoras com veneno charmoso.
O próprio anão era um desconjuntado. Levantava suas vergonhas antes do amanhecer e saia caminhando entre las construcciones rústicas pequeñas y toscas, cubiertas de ramas, viviendas de gente humilde, povoado de resignação. Na certa, lembrava da sua vila, todas são tão parecidas. Pastores, lavradores, pescadores: pobres mortos todos os dias do mesmo jeito e pela mesma espada. Invisibles a sus amos. Blancos.
As luzes das lamparinas se ofuscavam com as claridades do dia, enfeitiçadas com sua beleza estonteante, resignadas por sua força desumana. Ficava no ar o cheiro do esgoto, vertendo ao léu a teimosia daquele sangue preto, escorrendo pelos trilhos de la tierra até se enfiar chão adentro. Córrego com as imundices humanas sem esperança, mortas no tédio, desprezadas. Cagadas até serem enfiadas chão adentro.
Os cachorros não pareciam cães de guardar vigília. Não, não naquelas horas da madrugada; nem velório; nem arruaça, nem ladrão. Moviam as orelhas e espantavam suas moscas. Flagelavam o rabo, o próprio costado, o azado suplício. Não tinham alma, nem dono, nem patrão, apenas aquelas moscas que nunca fugiam. Acostumadas com os mesmos movimentos: cholos caiporas saindo das suas viviendas de barro como moscas, um a um. Esvoaçando descalços pelo chão de tierra, descalçados, encardidos nas confusões das vozes.
Os moinhos da roda d’água não paravam en las tierras del Coronel estavam siempre girando suas pás rolantes, triturando, machucando os grãos de milho, esfarelando, pero en Piedras Altas o fubá grosso e o mimoso seguiam sendo apertados en las piedras das mãos, as pás eram seus braços. A canjica e a pamonha morna eram fermentadas no fogão com tijolos de barro. O fogo ardia por toda à noite e seguia queimando os gravetos nas claridades do dia, siempre. Tripas cinzentas e miseráveis se erguiam preguiçosas acima da pequena vila, a picumã esfarrapada escapava em pequenos tubos de chaminé e sumia com os assopros tênues dos espíritos da Montaña.
O preto sem tamanho de homem sentia vontades que se cumpriam naquela Montaña. Enfeitiçado por mulher amorosa, permitiu ao espírito do seu corpo pequeno esparramar-se feito o picumã cinzento. Os pequeños assopros em suas virilhas aprontavam suas vontades, sentia que precisava marchar e subir a Montaña para os seus afazeres de viver e morrer.
O circo de lona lhe chegava às memórias como uma baforada quente, mas era o hálito amanhecido daqueles hombres abandonando sus mujeres, sus hijos, subindo e subindo na direção del cielo, no endereço da morte, Montaña acima, que lhe provocava clareza: un hombre cariñoso se realiza en un solo lugar, con su mujer amorosienta.
Virou as costas para os cachorros, moscas e cholos desacordados, andando na missão de morrer pela Montaña do Coronel. Voltou para su mujer amorosa. Entrou pela cortina de bambus protegendo a porta. Caminhava pelo chão de palha entrelaçada, uma trilha sobre la tierra que latejava para ser fecunda, domesticada por los pies, ojos y manos, submetida ao hálito caloroso da boca suspirando
(te amo) (te quiero)
E lá estava Blanca com seus cabelos negros e longos, na volta do milho domesticado. La tierra esperava até ser colhida na haste del maíz, enquanto la mujer cantava e sorria
(¿Por que me miras?) (A inocência da vida.) (¿Qué es esso?)
Não respondeu enquanto se acercava. Os olhos estavam miúdos. Cinzas. Parou ao seu lado, su pierna tocava o ombro esquerdo da joven.  Ela ergueu su cabeza en fuego, ela era o fogo, e enfrentou os olhos daquele hombre empapado em sortilégios. Ele dobrou-se, ficando agachado em frente en la mujer, ergueu as duas mãos e segurou seu rosto apimentado. Estava cheio do desejo e da natividade daquela Montaña. La mujer amorosa era su amor, su Montaña.
O hombre sentou na esteira e esperou Blanca que se aconchegou sobre o colo. Sentia a simplicidade da vida se derramando toda líquida, ela era o pântano das águas. Ele foi empurrado para trás até ficar todo estendido e nu, as ordens de permanecer deitado chegavam pelos dedos mágicos da mulher em reboliço. O pelo emaranhado do cabo roçando na pele avermelhada, fez la joven sorrir de cócegas e mostrar seus dentes brancos com a cera do leite. Talvez ele não merecesse aquela mujer atrevida com suas carnes, talvez ela nunca andasse a cavalo, mas agora que sentia gozo da montaria os olhos do preto chamejavam. Os lábios se enchiam avermelhados e úmidos, como beijos desaforados. Sabia que as cercas só existem para os vivos, colocou a mão do coração nos cabelos daquela mujer, eram negros como a noite da coruja. Ela desgrudou os cabelos da nuca e num movimento para trás se fincou mais fundo, queria que este hombre não sentisse falta da aguardiente nem de subir la Montaña del maíz. Não precisavam escapar-se dali. E como um bicho domado la sonrisa se ensanchó.
Ficavam assim, parados, montados em silêncio, sem medo e alargados. Ele enfiado en la tierra
(¿Qué es?) (A menina corre perigo...) (¿Qué pasa?) — fez silêncio.
Blanca jogou os seus longos cabelos para trás, passou as mãos pelo rosto e juntou todos os fios negros num rabo, deu voltas em si mesmo, o sorriso lhe escapava satisfeito. Ela estava feliz. Os caminhos estranhos, deste mundo, lhe haviam entregue este hombre de cabelos estranhos e que ficava tão bem de sombrero. Não havia como entender tantos mistérios. Por ora, lhe bastava subir em sua montaria de pelo eriçado e galopar entre os milhos de ouro. Braços abertos e os dedos tocando aquelas hastes erguidas de covas rasas Montaña acima. O vento quente queimando seu rosto avermelhado. Suas águas lhe descendo como nunca antes lhe acontecia.
Lembro da primeira noite que o anão passou acampado em nossa casinha. Ali, deitada, assustada, fingindo dormir, espreitava Blanca e seu homem-metade, iluminados por um pequeno toco de vela. Meu coração acelerava até estremecer e sair em galopes por minha garganta. Eu parecia um tambor enfeitiçado, pum, pum, pumpumpum. Meus olhos fingidos de dormidos puderam ver minha irmã se tornando mujer, sentada em cima de seu homem. Escolhendo o jeito, escolhendo o tempo, primeiro ela pareceu fazer um muxoxo de dor, como um desassossego que precisava desvelar, romper, para depois se arredondar num sorriso de confiança e entrega. Nem que passe toda minha vida, irei esquecer a sua voz de contentamento, o seu jeito de entregar, mas querendo tudo
(me enfia te enfia)
Levou as mãos ao fogo e as devolveu aos olhos, manchadas
(Hombre, estoy sangrado.) (Doeu?) (No, me besas de alegría.) (Agora, também temos a nos prender um ao outro... o sangue.) (¿No te causa enfado?) (Estou a beber tuas águas, não me importa a cor.)
Blanca se acomodava na montaria daquele hombracho. As curvas e retas desenham caminhos imaginários de êxtase e movimentos intocáveis de beleza. Ele afundava perdido dentro da mujer entregada, toda arreganhada, numa intimidade que nunca tive em minha vida
(¡Dios mio, no tengo como pagarle!) (O que foi mulher?) (Gemidos, mi hombre, solamente lamentos.)
Jamais sentira assim seu corpo, despojado de todos os líquidos que voltavam e voltavam a se derramar. Todos seus pedacinhos de mujer que este hombre tocava, atiçavam vertigens insuportáveis de prazer que lhe percorriam, queriam escapar. Tremia e pedia que parasse, gemia e suplicava que continuasse. Queria o que não mais podia e se abandonava àquela luxúria de pecados: se for para pecar que o proveito venha sem o remorso de não ter-se aproveitado até a raiz daquele caule de homem, de santo, de pai nosso
(Vaya hombre! No me dejes!)
A montaria empinava e continuava galopando aquela estrada avermelhada. Blanca aparecia e desaparecia do caminho com seus cabelos longos e negros, uma mujer montada em galopes pelos ventos da montanha, com seus vestidos obscenos de sangue e gozo, silêncio e gemidos, súplica e rezas, rejeição e dúvidas
(Gostas assim?)
Dizia que sim sem abrir os lábios. Suas carnes ardiam como aquele fogo de ventos e pântanos. Ele sabia que sim, ela gostava assim, bem fundo e mais lento. Em tudo ele devia estar vigilante, empenhar-se até o seu encantamento, e assim preenchida, subida de pernas abertas, a mujer sentia as mãos atrevidas do anão payaso, apertando a maciez das carnes de suas ancas, afastando e aproximando.
De súbito, aprumada, abria os braços, levava as mãos aos cabelos, abraçava a si mesma e estremecia pela seiva do caule, deixava-se cair deitada sobre o peito desacomodado daquele hombre ofegante. Afogados.
Ficavam-se assim, um dentro do outro, escorrendo e desaparecendo. As águas voltando mansas para o seu curso. O coração corredor retornando manso para dentro da alma da Montaña. Ele se enraizando.
Quando o hombre acordava, Blanca lhe passava pelo corpo um pano úmido, com as lágrimas que lhe vinham dos olhos amendoados
(O que te passa?) (La tristeza de la alegría que se há ido.)
Ficava ali, deitado, o cuerpo adormecido pelas águas derramadas, os olhos fechados, sendo lavado aos pedaços, puesto en la tierra soñando.
Os velhos enrugados, agachados, com seus cigarrinhos de palha na mão ou na boca, esperavam a fumaça lhes encher os pulmões, para depois jogá-la para fora pela boca pequena, quase escondida, quase cerrada. O sombrero enfiado sobre suas cabeças desenhava um círculo de sombra em seus pés. Tinham os olhos parados como um moribundo no deserto, sedentos e desobrigados da própria vida. Entregues ao alquebramento. A falta de esperança é como a água quando se derrama e nos escapa das mãos, entre os dedos. Resultava que os velhos ficavam quietos até que a sede se tornava insuportável, erguiam o corpo até o cocho das mulas e mergulhavam a cabeça na água estocada. Ninguém falava, apenas seguiam seu caminho enquanto os cães ladravam: as galinhas andavam de um lado a outro, esgravatando nervosas, procurando en la tierra algum conforto miserável, até que sem queixas eram degoladas. Os niños brincavam entre alaridos na terra, cresciam olhando sem ver. Jogando bola con sus cabezas cortadas.
A cidade faz o hombre e a mujer perderem o sentido da naturalidade porque seus pés não tocam mais a terra, o húmus suculento está esquecido e abandonado sob toneladas de pedras e construções. As gentes de milho daquela vila, também espiam à vida, não são hombres y mujeres singelos, estão mortos na submissão. Precisam de heróis para empunhar suas espadas de pedra. Não cortam las cabezas, sus gallinas no tiene cabezas.
As mujeres, por aquelas horas, já subiam e desciam com o vasilhame d’ água sobre suas cabeças. Recolhiam das valas e canos refeitos depois da última enxurrada. A pequena vertente na montanha podia se tornar um córrego, depois num rio vigoroso, Montaña abaixo, na estação das chuvas. Nenhuma das mujeres falava, apenas seguiam seu caminho enquanto os niños ladravam e os cães faziam alaridos.
O calor já era quase igual ao fogo que descia dos milhos, não havia muito que fazer, talvez descer a Montaña e caminhar pela cidadela até o mar. Os montanhistas não se sentem bem sem a pura vida da terra sob os pés, perdem a naturalidade da obediência, então não descem. Ficam em silêncio, lá por cima, brotando resignados do chão. Rezando e cantando para os deuses da Montaña. Sacrificando seus jovens para aplacar sua ira ofendida. Sem reclamar ou duvidar das intenções divinas
(Vá até o teu outro hombre e diga que quero a vaca!)
A quietude dos alaridos costumeiros fora estilhaçada, ouviam os reclames de um hombre
(O que é isto, Blanca?) (No te molestes, quedate echado encuanto te limpio.) (Esses gritos...) (Es Jacinto, cobrando su vaca.) (Vaca?)
Ali, na Montaña dos milhos, era costume: se um hombre encontra sua esposa deitada com outro, que a perdoe, mas exija do rival, como castigo, que lhe dê uma vaca
(Blanca, não faça isso comigo, não tenho onde enfiar uma vaca!) (Tonto! Imbécil!)
As ingenuidades da vida são desta maneira, vem e vão com as ocasiões, para aqueles dois se acercavam de novo. Não perdiam tempo com encenações. Estavam de novo abraçados. O anão se acomodava de vez na montaria daquela mujer. Estava montando Montaña acima. Por isso, por essa vontade de comerem um ao outro, o dia de descer ia e vinha sem decisão tomada.
Mesmo depois do tempo passado e seguindo já acostumados um com o outro, o medo se aproximava e escurecia os olhos da minha irmã, sabia que o fim de tudo já estava na estrada, viajando para dar-lhe notícia
(¿Por que mi amante?) (O que foi querida?) (¿Por que te penso e te quero a cada instante?) (Não sei, amor.) (Supongo que ambos deseamos lavar la alma.) (Te amo.) (Tu amor es como um puñal.)
Os espaços de minha meia-irmã Blanca estavam loucos para serem ocupados, o meio-homem dedilhava seu corpo, a canção tocava em seu coração, cantavam palavras amorosas, faziam poesia olhando-se em sorrisos, abraços, carinhos, tudo entre os dois foi tesão.
¿Cómo pueden dos miserables tanto amor? Não sei, minha amiga, não sei. Não é natural. Não é adequado amar tanto entre tanta desgraça.

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