sábado, 20 de agosto de 2011

VII (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Seu meio-homem parecia querer lutar com as mãos, e pedras, e bagos de touro
Lábio leporino

baitasar 


Dois dias, dois meses, dois anos ou duas madrugadas, o anão nos braços e apertado entre as coxas vermelhas da vila. Os cães vagabundos latindo, assustados com todos que passavam escalando a Montaña para acutilar as covas de maíz. As mujeres vagabundas em cima de seus tamancos assustando los hombres que desciam debulhados pela Montaña, elas cobravam seu preço de homens para continuar gestando o que nunca ficava por ali: o gozo. Vila de mortos-vivos que gozam metidos em fardos para os armazéns da família Moravia.
Os intrometidos dos cães sempre fazendo alaridos, as malditas putas sempre batendo os tamancos nas pedras dos arredores de Piedras Altas.
Quando os homens de milho, cansados daquela barafunda de latidos e suspiros, usavam as forças que lhes restavam para protestar e mandar que se calassem, a maioria enfiava o rabo entre as pernas, os tamancos na sacola, se enroscava em algum canto, lambendo as feridas e mordendo moscas; outros, propensos a recusar obedecer à autoridade legítima daqueles hombres de maíz, precisavam que lhes jogassem pedras para terem alguma calmaria ou enfiassem sabugos em suas sacolas.
Parecia que a gritaria daqueles cachorros só se contentava em deszangar quando a violência lhes fazia ter em conta o perigo que corriam. Disposição para brigar, a ocasião é quem dá.
Depois que se acomodavam, desistidos de ladrar, apareciam as putas com seus passeios sem destino. Cacarejos para cima e para baixo, ciscando e esgravatando com os pés amarelados e unhas de garra, procurando restos, catando vermes e larvas no chão, nas pedras, nos galhos, destroçando baratas, formigas, minhocas, parecendo tontas, andando de um lado para o outro. Sem outro destino que cacarejar e esgravatar. Tagarelavam de maneira indigesta enquanto rasgavam o mármore de terra, parecidas com o anão, um juzé qualquer.
E foi assim, que o anão virou Juzé Qualquer.
Homem sincero com a Blanca, com a Montaña. Passou a subir e descer as carnes daqueles sublimes amores, la tierra con el alma o el alma a la tierra, montanha com noites escuras, alma com relâmpagos nervosos, saltitantes, coléricos: sempre disposto a se mostrar com encantamentos.
Eu continuava olhando aquelas iluminuras de Lua, me pareciam como um mistério de amores e promessas estranhas. Sabia e não sabia o que acontecia enquanto olhava minha irmã mergulhada no arroio apressado daquele homem. Cresci imaginando por onde andaria o meu zé qualquer, não importava como fosse o qualquer José: mas que me descobrisse sem as tiranias da escravidão da alma con la tierra. Sonhava com seu feitio puro e duro de afeto, como um trovão, longe daquela ilha de terra amontoada por cima dos nossos corpos e sonhos. A vida é o que é, o milho é o que é, nós somos o que somos, as coisas não se cambian contra a vontade da Montaña de covas: a poeira quente e cinza continua queimando, se enfiando em nossas gargantas como o punhal do assassino, o ar que se respira é o ar da escravidão. E a escravidão é o que é: apenas escravidão, donde esperança não se tem, dum lado queima e do outro assa.
Não acredito em milagres, acredito nas putas: Sen bejos, sen carños, sen las manos, apenas lo cuerno, que venha o próximo.
As putas se desmancham junto com as primeiras claridades, durante a vigília noturna aguardavam ao redor da fogueira conversando e desconversando aos cochichos. Pareciam sem nenhum destino que esgravatar por alento. As caras redondas e vermelhas assavam como fogo, enquanto os homens lhes subiam e desciam. Todas as manhãs são assim: os homens Montaña acima, os galgos insatisfeitos, as galinhas bebericando a terra, as mujeres no redor do fogo y las putas descidas dos tamancos caminham para su lecho de piedra. Isso não se desmancha do passado, otras mujeres las putas mismo. O paraíso e o destino não mudam para quem dorme em cama de pedra.
As chamas que ardiam nas entranhas da Blanca faziam a revelação do futuro, bastou poucos dias para Juzé Qualquer dizer que aceitava a missão. Foi dada por papá a ordem de buscar e trazer o touro. Uma ordem dirigida ao anão Juzé Qualquer.
O pequenino aceitou a tarefa. Estufou o peito, agradeceu a confiança e anunciou uma reunião de planejamento da missão
(Dom Carmelo, não vamos desapontar as leiteiras.) (Não precisam usar da força.) (Dom Carmelo, não acredito que um touro xucro e indomável...) (Não usem da força, mas do convencimento.)
O anão convocou os assaltadores da missão anterior: José e Jaquín. Ordenou que as mulheres não iriam. Os perigos estavam aumentados e as matrizes da vida ficavam na segurança de Piedras Altas. Não haveria argumentos para convencê-lo ao contrário. A decisão estava tomada: em terra de gavião, galinha não vinga pinto.
Primeiro, tinham missão de reconhecimento para descobrir o lugar de descanso do animal reprodutor
(Vamos prontos para achar o bicho e pôr as mãos.) (Es peligroso.) (Tudo tem perigo, mas se faz tudo na primeira viagem, se der no jeito.)
Quando o esquadrão foi para as despedidas con sus mujeres, minha irmã chamou o pequeno às falas, reclamou que estavam fazendo castelos no ar y el miedo comia por dentro: flor caída não volta ao galho
(Mas eu vou voltar.) (¿Qué es esto?) (Não posso mais desistir.) (No seas loco, te van arrastrar a fuerza.) (Subo a Montaña e não me acham.) (¿Y vamos a vivir a escondidas?) (Sim.) (¿Y por qué eso ahora?)
Blanca sabia que depois do sequestro do touro não bastava ao juzé esconder-se, ela precisava ser asilada. A fúria do exército pelo confisco do touro recairia sobre todos na vila. Nunca mais sairiam daquela Montaña de choros e lamentos, cachorros e galinhas, ratos e baratas, o começo do fim de tudo, naquele chão de latidos e cacarejos. Seu meio-homem parecia querer lutar com as mãos, e pedras, e bagos de touro. As coxas se afrouxaram e não lhe deixaram escapar a umidade despejada. As carnes perderam o interesse
(O que foi Blanca?) (Tienes que volver a tu puesto de amante.) (A vontade não me falta.) (¿Qué esperas de esta montaña?)
Via escapar por entre os dedos a estrada de saída para outro mundo. Um mundo de vestidos novos e cheirosos, água abundante e perfumes, conversas alegres, comida farta na mesa, escolas para os filhos, sem cachorros ou galinhas; uma casa com pisos de madeira e telhados de barro cozido, sem palhas, piolhos. Banheiros de louça branca, sem buracos no chão, longe das mordidas das peçonhas. Calçadas para caminhar no ir e vir do mercado de alimentos. Tanta coisa para ir ao encontro e o outro lhe quer deixar escapar. Sonha em ficar. O sonho dele é o pesadelo para ela. É isso: quem não ficou acorrentado por conta da vontade do seu dono, não dá tamanho de importância à liberdade. Gente assim é um perigo, brinca de faz de conta, jurando que é de verdade porque sempre tem uma escolha que não seja a morte: quem nasceu na liberdade, não lhe sabe o cheiro. O pequeno lhe assegurava que não existe liberdade, todos têm que obedecer um patrão, todos têm um dono. O mais difícil é descobrir isso, pois uma decisão precisa ser tomada: dizer, sim senhor, ou gritar que não tem dono, sair pelo mundo das ruas, ou lutar. Fazer o que estavam fazendo
(O respeito que nunca terei no mundo da brancura, me acreditam pela metade.) (La montaña no respecta a nadie, sólo toma lo que necesita.) (É uma vida mais natural.) (Lo que hay de natural em abonar la tierra con el propio cuerpo.) (Todos vamos adubar, mais cedo ou tarde.) (Por acá, siempre es muy pronto cuando uno sirve de abono.) (Aqui é o paraíso!) (Un paraíso que manca, juega con la vida.)
Para Blanca, isso não era justo, sabia que a Montaña não queria lhe retirar daquele mundo de covas, adubos, tiranias e mortes injustas. Su hombre estava enfraquecido por sonhos encantados. Ela me sussurrava, enquanto cantarolava cantigas para afastar as vozes da Montaña: se pode viver sin la hermosura, la gracia, la simpatía o el talento, mas o encantamento dos sonhos pode enfraquecer a verdade dos dias na Montaña: jamais desmerecer o duro esforço de sobreviver.
Sonhar sem esconder a própria realidade, desinventar a mentira que nos faz enfiadas em tocas, medrosas da própria vida. Somos assim, mariposas noturnas.
Dizia que tinha direito a uma vida, pois esta sua vida ela não reconhecia como vida, reconhecia como um contrabando de vida. Estava desconfortada com sua sorte, seus lamentos ladravam o desilusório com a Montaña de maíz. Uma religião de trabalho e morte. Todos são abafados e asfixiados até que o pescoço se quebra.
Os tempos sempre foram duros aos camponeses, o amor nunca foi deixado em paz por moscas, cachorros, galinhas e putas. A quentura ardente está ali para lembrá-los da sua aparência de raiz e adubo. A poeira quente avisa quando o campo está sendo pintado de cinza, tempo em que o verde das folhas e o amarelo do milho se reduzem a escórias, enquanto são feitos os preparos do plantio. O jeito de cultivar na Montaña é cortar e queimar, deixar a terra no descanso e quando a vida sobrevive sobem para jogar o milho dentro das covas. É das cinzas que renasce a fertilidade das covas.
Minha irmã gostava do companheiro: faz rir e se mete de um jeito que lhe apetecia ficar arriada ao seu lado na esteira, nua, sonhando viver longe da aguardente de milho e dos bailes suados no pátio, mas metia medo aquele jeito de procurar confusão com gente grande. Já bastavam os suores do dia após dia.
A transpiração da Montaña prometia apenas fumaça e morte cinza
(O meu mundo é apenas de aparências.) (¿Qué crees que se pasa por acá?) (As pessoas são mais puras.) (Simple. Simple.) (É mais que isso, são ingênuas e desconhecem a maldade.) (Qué tontería dices, somos calaveras criaturas.)
O anão já estava em pé, parado na porta, olhando para a trilha de águas negras que escorregava entre os cães das galinhas, as crianças dos velhos. Precisava concordar com Blanca, ali não estavam seguros, além dessas garantias de sobrevivência de camponês desnecessário, destes que existem em abundância: nascem às pencas como bananas e não duram tanto.
Juzé desgrudou o ombro da porta e se virou. A penumbra das velas se aliviava com o escurecimento da noite e com a dor da sua descoberta. Seus olhos estavam grudados um ao outro. Caminhou letargicamente para aquela mulher de pele avermelhada, sem pelos escondidos, olhos tristes e desafiadores. Até estar ajoelhado ao seu lado
(Queres mesmo se ir?) (Sí, quién se queda solamente tiene um destino, escalar la montaña.) (Sinto que este é o meu destino.) (No, quizás sea mi destino.) (Quero você.) (Yo también, pero lejos de esta montaña de maíz.)
As estrelas já lhe requentavam as costas. O vozerio de cantoria das mulheres caminhava entre as paredes e o invadia.
Os ratos em correria atravessam os sítios e as palhas correndo, sempre nervosos. Não, Blanca não queria mais aquele jeito de luto: uma vida injusta e carregada com os rastros da sonolência, com suas vozes de colibri. Sonhava com as senhoras finas e delicadas.
O seu homem se foi e quando la escuridade embelleció la tierra, subindo como manchas negras pelas paredes de barro, até transformar homens e mulheres em borrões sombrios, ela se amaldiçoou, mas já estava sozinha
(Imbécil, vive por él, calla y muere.)
Só na saudade, só na solidão. Lutando contra mosquitos que se avivam roubando o sangue dos campesinos para suas barrigas.
As ratazanas, as baratas e as formigas seguiam seus caminhos de rastros. As moscas cansadas das trevas dormiam, ela sonhava com a claridade que sempre retorna. Os seus zumbidos cessaram para retornar com a zoada da pobreza. O descaso da menor valia. O que já é ruim pior ainda fica. Las putas sobem nos tamancos, se aproximam com suas caras redondas e vermelhas para assar junto ao fogo: los dientes amarillos y las uñas corroídas con el color de la tierra. Raparigas roliças, ausentes.
São razões que diziam para Blanca partir daquela morte de agonia.
Las mujeres angustiadas têm os olhos cansados de olhar a Montaña acima, esperando para ver seu homem descendo. Até que caem de joelhos pedindo perdão. E assim, agachadas, agarradas em suas pernas, adormecem de olhos abertos. Oram baixinho, agradecem a benção da volta dos maridos. Estão grudadas naquela terra como as suas pegadas. Amamentam enrugadas enquanto os rastros vão de lá para cá: de um lugar a outro, sem jamais sair da terra. Sabem do seu calor ou do seu frio. Entendem quando a terra adoece, não há o que fazer além de ficar esperando, como sombras que se vão e voltam sobre as próprias pisadas.
Los hombres desciam com os olhos cansados de olhar através da terra a Montaña de maíz, até que caiam de joelhos agradecendo a própria vida miserável. Conformados com o que sempre tiveram. A Montaña é dos ricos e pensa como os ricos, ela é desconfiada como os ricos, ambiciosa como os ricos, têm suspeição que os pobres mais um dia, menos um dia, vão enganar os ricos. Esse é o seu destino: adoecer pelo medo de ser tapeada pelos miseráveis. É prática, não tem idealismo de humanidade, solidariedade, ela é só em sua solidão de avareza. Não se comove com desesperos patéticos.
A luz amarelona da vela iluminava o rosto de Blanca, frente a frente, naquele caco de espelho, o lábio leporino aparecia rasgado pela falha da transparência
(No me gusta las noches de verano.)

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