quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Halloween ou Dia do Saci...

O que comemorar em 31 de outubro?


Violeta Parra Mercedes Sosa

Filho... hoje volto aos 23, como já voltei a los diecisiete


Volver a los diecisiete




Volver a los diecisiete

Volver a los diecisiete
después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a dios
Eso es lo que siento yo en este instante fecundo.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Mi paso retrocedido cuando el de usted es avance
El arca de las alianzas ha penetrado en mi nido
Con todo su colorido se ha paseado por mis venas
Y hasta la dura cadena con que nos ata el destino
Es como un diamante fino que alumbra mi alma serena.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber
Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento
Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente
Nos aleja dulcemente de rencores y violencias
Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

El amor es torbellino de pureza original
Hasta el feroz animal susurra su dulce trino
Detiene a los peregrinos, libera a los prisioneros,
El amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

De par en par la ventana se abrió como por encanto
Entró el amor con su manto como una tibia mañana
Al son de su bella diana hizo brotar el jazmín
Colando cual serafín al cielo le puso aretes
Mis años en diecisiete los convirtió el querubín


Gracias a La Vida


Gracias a la Vida

Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oido que en todo su ancho
graba noche y dia grillos y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abedecedario
con él las palabras que pienso y declaro
madre amigo hermano y luz alumbrando,
la ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
asi yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto.

Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida


Todo Cambia



Todo Cambia

Cambia lo superficial
cambia también lo profundo
cambia el modo de pensar
cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años
cambia el pastor su rebaño
y así como todo cambia
que yo cambie no es extraño

Cambia el mas fino brillante
de mano en mano su brillo
cambia el nido el pajarillo
cambia el sentir un amante

Cambia el rumbo el caminante
aunque esto le cause daño
y así como todo cambia
que yo cambie no extraño

Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia

Cambia el sol en su carrera
cuando la noche subsiste
cambia la planta y se viste
de verde en la primavera

Cambia el pelaje la fiera
Cambia el cabello el anciano
y así como todo cambia
que yo cambie no es extraño

Pero no cambia mi amor
por mas lejos que me encuentre
ni el recuerdo ni el dolor
de mi pueblo y de mi gente

Lo que cambió ayer
tendrá que cambiar mañana
así como cambio yo
en esta tierra lejana

Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia

Pero no cambia mi amor...

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Charlie Chaplin em 1940


Charlie Chaplin em "O grande ditador"




Em tempo de eleições, sempre é bom lembrar que a falta do voto pode gerar monstros...

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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

o carapááálida não entende, mas Mano Brown... explica

Mano Brown: “Eu vim aqui para falar de extermínio…”

23/10/2012

Publicado por Renato Rovai no Blog do Rovai

Tive o prazer de poder participar do encontro de Haddad com artistas de periferia que aconteceu há alguns dias. Foi uma reunião muito mais simbólica do que eleitoral. Um evento fechadão e sem grandes divulgações.

Um papo onde Haddad ficou umas três horas praticamente ouvindo. Falou pouco. Como se quisesse aproveitar ao máximo aquele momento para saber o que pensavam artistas tão importantes. Meu amigo Pedro Alexandre Sanchez fez um excelente relato deste evento e até por isso não vou me alongar aqui.

Na ocasião, uma fala que me impressionou demais foi a de Mano Brown. Ao pegar o microfone, já disse: eu não vim aqui para falar de cultura, vim aqui para falar de extermínio. Ou seja, sabia que para falar de cultura, tinha que falar de cor da pele, de classe social e de território.

O Pense Novo disponibilizou o vídeo com esta fala, vale a pena assistir.



Homem Invisível


O melhor livro de todos os tempos para Charlles Campos

Charlles Campos é médico veterinário, formado em História, e leitor profissional. 
A partir de hoje, diariamente, durante todo o período da Feira do Livro de Porto Alegre — , publicaremos textos a respeito de “melhores livros” na visão de colaboradores e leitores do Sul21. Você também poderá enviar sua colaboração para op@sul21.com.br(Milton Ribeiro)
Homem invisível, de Ralph Ellison, por Charlles Campos
Eu cheguei a Homem Invisível através de uma dessas tantas listas dos dez melhores romances do século XX. Eu conhecia e havia lido boa parte dos outros títulos da lista, os Mann, os Kafka, os Faulkner, os Joyce, mas nunca nem ouvira falar do romance cujo título soava como os de ficção científica e era assinado por um tal de Ralph Ellison que me era um completo desconhecido. Na época eu tinha lá os meus 25 anos e a onisciência disponibilizadora da internet ainda não era uma realidade, de forma que eu não tinha como obter mais informações sobre o livro além de rápidas notas em revistas antigas desencavadas de caixas empoeiradas de bibliotecas públicas e uma coluna de reverência acadêmica de uma enciclopédia que ressaltava ser Ellison o maior escritor negro da América e seu único romance um libelo contra a discriminação racial. Não eram informaçõe s que me despertavam maior interesse pela leitura da obra, devido seu proselitismo e seu acento de correção política que poderia nada ter de real valor literário; parecia uma concessão. A grande sorte é que eu já investira parte de meu tempo no conhecimento dos grandes escritores e sabia que nas mãos deles, até um panfleto se transformava em alta expressão espiritual, e me ajudava saber que a academia e a maçonaria dos professores de letras faziam seu papel de sistematizar ao extremo a leitura até torná-la uma substância temerosa e destituída de prazer, e suas catalogações insípidas de borboletas literárias não escondiam o mérito da obra por sua canonização pelo gosto de leitores sinceros.
Comprei um exemplar de Homem Invisível, o último da livraria, publicado pela Marco Zero, em ótima tradução assinada por uma tal de Márcia Serra. Foi uma das raras aquisições em que a expectativa formada correspondeu milimetricamente ao que o livro tinha para oferecer. Há alguns anos eu dedicara uma semana de umas férias e devorar Os Possessos em uma biblioteca pública, o romance baluarte de Dostoiévski que era quase impossível de se encontrar no mercado editorial brasileiro (a tradução da editora 34 era uma ideia em formação em idos de 1995), e aquele volume duplo português encadernado em vermelho e com pranchas internas mostrando rascunhos do autor com  seus desenhos distraídos de mujiques barbudos na beirada das páginas, mesmo pessimamente traduzido, foi o equivalente a um ferro em brasa gravando em mim a beleza cruel que a ficção era i ncumbida de oferecer em sua elevada concepção da natureza humana, em nada bajuladora, e sua capacidade de ser ainda uma carreadora de primeiro nível da percepção profunda da História e da Filosofia. Então, eu esperava encontrar a mesma natureza sanguínea e violenta, o mesmo turbilhão de olho do furacão, em Homem Invisível, pois a ele era atribuído o panfletarismo libertário que outrora fora equivocadamente atribuído ao romance de Dostoiévski: e sendo que no russo eu descobrira algo tão desoladamente lúcido no lugar da propaganda oficial que se fazia deste seu romance. E lendo Homem Invisível, nos eufóricos três dias intensos em que não consegui fazer mais nada que me lançar nele, deparei-me ali com a mesma falta de pudor de Os Possessos, a mesma ausência absoluta de intenção em agradar, em ser digerível, em ser ameno.
Homem Invisível está tão distante de ser um panfleto de luta racial quanto Os Possessos está de ser uma cartilha marxista sobre a revolução de classe. Ambos podem ser lidos em negativo de tudo que superficialmente são tidos como apologistas de determinados setores formados da exclusão. Homem Invisível, com aqueles primeiros parágrafos antológicos, de enorme beleza, começa por afrontar um tipo de exclusão espiritual que vai muito além das circunvoluções dos conflitos raciais dos Estados Unidos, afundando-se na ferida de que a discriminação violenta tida por sobre uma raça não a distingue como determinada à nobreza do estoicismo ou à dignidade dos mártires. O narrador, contudo, aponta sua invisibilidade social tanto devido à sua cor quanto ao atraso espiritual que o pior crime da discriminação racial determina: a inà ©rcia acomodada de ambos os lados da repressão, que gera a promiscuidade e o animalismo. E no contraste entre tema e tom da narrativa que está a força incomensurável desse livro: a prosa de Homem Invisível é a melhor, a mais bem composta, a mais elevada e nietzschiana, a mais bombástica e musical da exigente prosa norte-americana do século passado. Cada parágrafo é intenso de luz verbal, em uma história movimentada que apresenta dezenas de personagens e situações inusitadas desenhadas no cenário de submundo e de constantes e disparatados movimentos sociais norte-americanos. Dizer sobre o contexto político de uma obra é desmotivar a leitura dela: Homem Invisível é antes um romanção de primeira, de mexer com o leitor na poltrona, de não se conseguir despegá-lo até o fim da leitura, daqueles livros que verdadeiramente nos transformam, e isso nada tem a ver com uma visão específica sobre partidarismo político. Sua carga filosófic a e sua acentuada verdade incondicional é o que sobressai da voz frenética e concentrada do narrador, e depois desta jornada que pouco se dá tempo para a respiração tranquila, o narrador encerra com a mesma poesia magnífica ao anunciar: “quem sabe se, em esferas mais baixas, eu não esteja falando sobre vocês?“.
O mercado editorial nacional, um dos melhores e mais dedicados do mundo, vem cometendo uma grande injustiça com esse romance de Ellison, que deveria ter por aqui uma edição bonita, com ensaios sobre a obra feita por outros autores (o de Saul Bellow, por exemplo), e a promoção devida para diminuir o desconhecimento entre os leitores brasileiros dessa obra capital.
Leia mais:

domingo, 28 de outubro de 2012

Sarau na kitnet


Ensaio 12
baitasar
Uma manhã esplêndida, maravilhosa, e sente um desperdício imenso do seu tempo infame, mentiroso, camas desfeitas que nunca espera tempo suficiente para ver refeitas. Levanta e caminha até a janela, recebe os primeiros raios de sol, aquece os pelos arrepiados. Eleva os braços espreguiçando com um longo bocejo. Leva as mãos aos cabelos e os une num único rabo, amarra os fios negros – quase crespos – e os deixa sobre os ombros. Fecha os olhos verdes que estão fixos na paisagem dos prédios e concretos à sua frente. A paisagem das cidades é cinza. Nenhuma brisa, nenhum alento, apenas uma breve anistia para o tempo que estava chegando. Amanhece e o brilho do neon sai de cena com seus murmúrios de prazer e mistérios, obedecem às claridades de mais um dia. Não têm as cantorias do galo a que Sèzar acostumou escutar, a mãe se mexendo na cozinha enquanto preparava o café dos homens da casa: ele e o pai. Têm o barulho do metrô que começa os trabalhos de ir e vir, partir e chegar carregado daquele gado novo, renovado pelas fábricas, escolas e igrejas, gente decente e trabalhadora, altruístas da vida. Casamentos, filhos, empregos, correrias, carnês, televisão, praia no verão. Vira-se e sente o sol nas costas, passeia lentamente o olhar ao redor do quarto envolto nos cheiros e vozerios daquelas manhãs. Vai até a cama e passa os dedos suavemente no dorso da amiga que aprende a gostar. Toca seu corpo como se pudesse fazer parte daquele silêncio, a harmonia dos livros fechados, o descaso com o caos, surdo para aquela vida de concreto e ferro, mais um pescoço cortado e pendurado por ganchos, escorrendo as águas, ela abre os olhos — Adelaide, você conhece Moriá?
A jovem se vira na cama, tem o sorriso do sono misturado ao olhar do desejo reaquecendo, leva uma das mãos aos olhos, como se esfregando eles pudessem acordar ou acenderem mais rápido — Sim.
Sèzar faz uma cara de espanto — Conhece?
Têm coisas que parecem idiotas e são idiotas, e a ficção não consegue imitar, a realidade se inventa do seu jeito, obedece aos caprichos e vontades de alguma autoria, que quase sempre não é a de ninguém, está sempre inquietos passos à frente de qualquer lápis e papel, se forma pela mistura das vontades de outras vontades com alegria e encanto, antipatia e fúria, esquecimentos e lembretes, não importa qual lado tem razão, às vezes, o melhor é observar os acontecimentos de algum lugar com distância segura  e não querer ter razão — Claro que a conheço, fazemos parte do mesmo círculo do livro, com leituras, trocas de livros, sugestões... mas, por quê?
—        Nada, nada não.
Ainda pensa em Moriá e sente-se misturado ao prazer, ódio e mágoa. Não entende como respirar o masculino e o feminino juntos, num corpo, num desejo. A curiosidade não lhe conferia dignidade, pelo contrário, sentiu arrepios antes mesmo de ouvir a resposta da Adelaide. O tom não foi grave, mas casual — Vou tomar uma ducha fria. — não teve ou não quis vontade de continuar o rumo daquele início de manhã. A realidade também se perde para outras realidades: omissão e covardia. Adelaide parecia se colocar em algum ponto alto, a uma distância segura
—        E eu vou aquecer a água do chimarrão.
Sèzar permaneceu na cama, olhava Adelaide, olhos carregados do desejo a observam se desenroscando dos lençóis — Você está linda, Adelaide. — o amor não respondeu, não queria agradecer nem duvidar daquele olhar de cobiça, têm vezes que mais vale a dúvida que a certeza. E ela, ainda não havia achado a razão da Moriá ter aparecido, antes de abrir os olhos e ganhar um sorriso de bom dia. Sentia-se solitária, mais que Sèzar na piscina da amiga. Parou, uma das mãos na alavanca do trinco, a outra, na altura dos seus ombros, no marco de madeira da porta, virou-se, levemente, Sèzar podia ver um dos seios — Parecem com uma cuia morena...
—        O que foi, Sèzar?
—        Os teus seios me lembram uma poesia...
—        Nada lhe alcança o coração, Sèzar, somente a poesia...
—        Por que diz assim? — ela apenas sabe, olha o amor do seu amor e vê palavras descumpridas. Fica em silêncio e vai para o banho. Não sente os olhos do homem, apenas os olhos do poeta.
Sai do banheiro para o quarto, está pronta para as tarefas de vigiar a vida — Vou tomar café, quer um?
—        Não, agora não. Tenho meu chimarrão.
Entra na cozinha para preparar o café e Sèzar começa cantarolar — Hum, tá fazendo na cozinha, tá cheirando aqui... merda!
Gosta de ouvir essa cantoria do café que aprendeu com a vó Déda, cresceu ouvindo a vó fazendo essa cantoria, na hora do café passado com o saco de pano: ‘Haiti, Haiti, Haiti... está fazendo na cozinha, está cheirando aqui...’. Depois de cantarolar uma única vez, o Sèzar adotou como sua lembrança da infância — O que foi, Sèzar?

—        O Gustavo mandou outro daqueles e-mails cheios da sabedoria raivosa: ‘Corta a esmola que a pobreza acaba!’ Gente egoísta e alucinada. Poderiam escrever, assim: ‘Corta a esmola que o pobre acaba, preciso trocar meus sapatos e carros!’ — os deslumbrados com eles mesmos, individualistas, não sabem mais como ser diferente, tanto faz se dentro de um carro ou no metrô, o gado lá dentro amarrotado, você asfixiado pela pressa, o rádio ao todo do volume que você não suporta mais, as notícias, a música, até que o grito do gol lhe convoca para a luta, uma única causa, onde todos são iguais... não é bem assim, mas que parece, até que parece um sonho de fraternidade, igualdade e amorosidade, quando no meio daquela multidão de uma só cor, alguém levanta e grita: ‘Chuta esse cara!’ ‘Mata, mata!’ ‘Bate, bate!’ ‘Filho-da-puta!’ ‘Juiz ladrão!’... mas é tudo alegórico, é uma guerra de brinquedo, faz de conta, uma catarse do metrô, do carro, do gado amarrotado, do volume, das notícias, do gol contra, da piscina, da Moriá
—        Eu nem abro essa merda toda. É a aposta que o doce veneno do egoísmo pode ser tomado até a embriaguez.
—        Dá um café?
—        Ué... e o chimarrão? — Adelaide está em pé ao lado da porta da cozinha, por ali é tudo muito pequeno, saindo da cozinha entram no quarto, alugam aquele kitnet mobiliado com eletrodomésticos, luz, água e internet com 10 megas, tudo individual, seguro, perto de tudo, vigiado por câmeras 24 horas, local para estacionar o carro da Adelaide e a moto do Sèzar, e o mais importante, estão à meia quadra do estádio novo: a Arena... e economizam suas casas de verdade
—        Perdeu a graça...
—        Interessante.
—        O que é interessante, Adelaide?
—        Você... tão prestimoso e diligente para algumas coisas, ao mesmo tempo, tão descuidado e intolerante com outras.

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Leia também: 
Ensaio 11 - Um sarau na piscina  
Ensaio 13 - Sarau da alma do corpo... e delírios

sábado, 27 de outubro de 2012

Os Girassóis da Rússia


I Girasoli





Os Girassóis da Rússia, uma das mais belas histórias de amor do cinema. Dirigido pelo mestre Vittorio De Sica, este clássico romântico tornou-se um dos maiores sucessos da dupla Sophia Loren e Marcello Mastroianni.



 


Título Original: I girasoli
Gênero: Drama
Ano de Lançamento: 1970
Duração: 102 min
País de Produção: Itália, França, Rússia
Diretor(a): Vittorio De Sica

Sinopse:
Os Girassóis da Rússia, uma das mais belas histórias de amor do cinema. Dirigido pelo mestre Vittorio De Sica, este clássico romântico tornou-se um dos maiores sucessos da dupla Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Emocione-se com a história de um casal separado pela Segunda Guerra. Após anos sem notícias, ela viaja para a Rússia em busca do marido, atravessando cidades e campos de girassóis. Quando enfim ela o encontra, percebe que algo mudou entre eles. Com linda fotografia do grande Giuseppe Rotunno e música inesquecível de Henry Mancini, Os Girassóis da Rússia é um filme indispensável.

Elenco:
Sophia Loren - Giovanna
Marcelo Mastroianni - Antonio
Lyudmila Savelyeva - Mascia
Galina Andreyeva - Valentina
Anna Carena - Mãe de Antonio
Germano Longo - Ettore
Nadya Serednichenko - Mulher no campo de girassóis
Glauco Onorato - Trabalhador italiano na Rússia
Marisa Traversi - Prostituta
Gunars Cilinskis - Ministro Russo
Carlo Ponti, Jr. - Bebê de Giovanna
Pippo Starnazza - Oficial italiano

Haiti é aqui!

Caetano e Gil - Haiti 
Tropicália 2 - São Paulo 1993






Haiti
Caetano e Gil


Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

Composição: Caetano Veloso e Gilberto Gil

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Datemi Un Martello

Rita Pavone





Se a moda pega... hehehehehe



Datemi Un Martello
Rita Pavone


Datemi un martello.
Che cosa ne vuoi fare?
Lo voglio dare in testa
A chi non mi va, sì sì sì,
A quella smorfiosa
Con gli occhi dipinti
Che tutti quanti fan ballare
Lasciandomi a guardare
Che rabbia mi fa
Che rabbia mi fa

Datemi un martello.
Che cosa ne vuoi fare?
Lo voglio dare in testa
A chi non mi va, eh eh eh
A tutti le coppie
Che stano appiccicate,
Che vogliono le luci spente
E le canzoni lente,
Che noia mi dà, che noia mi dà

E datemi un martello.
Che cosa ne vuoi fare?
Per rompere il telefono
L'adopererò perché sì!
Tra pochi minuti
Mi chiamerà la mamma,
Il babbo ormai sta per tornare,
A casa devo andare, ufa,
Che voglia ne ho, no no no, che voglia ne ho

Un colpo sulla testa
A chi non è dei nostri
E così la nostra festa
Più bella sarà.
Saremo noi soli
E saremo tutti amici:
Faremo insieme i nostri balli
Il surf il hully gully
Che forza sarà...

Composição: Bardotti, Mays E Seeger

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Buster Keaton

Nossa Hospitalidade
Como Leis da Hospitalidade - 1923




O ator que dispensava dubles...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um sarau na piscina

Ensaio 11

baitasar



Sèzar está no apartamento de Moriá, combinaram um jogging nas ruas da cidade, e recém haviam percorrido o percurso aleatório que fizeram correndo sem nenhuma estratégia ou planejamento, apenas dar ouvidos ao corpo — Vamos ver até onde vamos. — foi um primeiro encontro, uma primeira corrida juntos — Subidas ou planos? — vão à mesma academia de ginástica para manterem a forma física. Ele subindo e descendo halteres, ela saltitando e alongando na aeróbica — Moriá, tanto faz, mas não podemos esquecer que as descidas são traiçoeiras, nada de tentar acelerar ou travar, os joelhos não aguentam.
Cruzaram os olhares, na primeira vez, através do espelho. Uma academia sem espelhos não sobrevive à vontade dos alunos olharem seus corpos, e espiarem os circunstantes. Espectadores de bundas e barrigas. Glúteos e abdominais. Depois usaram as circunstâncias para conhecerem um ao outro. Quando duas pessoas querem se conhecer não existem impedimentos, nem a distância geográfica ou a distância do tempo, apesar das armadilhas e apostas em tudo que é dito ou deixa de ser — Vocês homens só vão à academia para espiar as bundas. — ela usa um tênis que lhe mereceu todo o cuidado para proteger seus joelhos e tornozelos do impacto das ruas durante a corrida, suas roupas são práticas e confortáveis, de modo que consiga ir tirando facilmente à medida que a sua temperatura corporal aumenta — Até pode ser, com um ou outro, mas somos mais espontâneos e ingênuos do que vocês em nossos comentários sobre as mulheres.
—        Agem como se fossem os primeiros do navio ao gritarem: “Terra à vista!” “Olhem àquela bunda!”
—        Onde?
—        Palhaço... — ela executa Sèzar com um único olhar de indiferença, antes de continuar — ... claro, são comentários que vocês fazem àquelas mulheres que não vivem dos afetos próximos: mãe, filha, namorada...
Enquanto Moriá discursa, ele disfarça, faz que não olha, não quer olhar, mas não consegue evitar, precisa espiar o andar da corredora pelo apartamento — Vocês são menos espontâneas e mais desconfiadas das nossas intenções, por isso dissimulam...
—        Nós somos dissimuladas? Vocês com boas intenções? Vocês, os rapazes fortes, nunca irão entender a mulherada.
—        E os mais francos têm alguma chance?
—        Talvez... — depois das subidas e descidas, curvas e retas, calçadas, buracos, asfalto, carros, buzinas, encontravam disposição para brincar com as palavras — ... sirva-se de água.
—        Você é bonita, gosta de viver bem, não é por falta de pretendentes que continua solteira. — Sèzar estava sentado em uma espécie de banco sem encosto na cozinha do apartamento, as pernas não paravam abertas ou fechadas, apartava e encostava os joelhos, parecia nervoso, ansioso, um sujeito que dissimulava uma vontade ainda não declarada
—        Não julgue as pessoas pelas aparências. — é verdade, simples assim, as pessoas ficam procurando frases bonitas, enfeitadas de alguma sabedoria ou celebridade, esquecem de investir na própria sabedoria, e querem que os outros acreditem
—        Moriá, você tem namorado? — uma pergunta simples, bastava que a resposta fosse simples — Não. Sim. — pronto, pergunta feita, resposta dada. E a vida não continuaria naquele estado de latência, depois do primeiro olhar, e do sorriso com promessas que jamais iriam se cumprir, por medos, antipatias, caprichos ou que a visão do aspecto não lhe ocorria às fantasias. Mas as dúvidas não deveriam congelar a coragem para a outra pergunta que demora e quando sai cobra mais sorrisos, mais promessas, outros dias, outros encontros — Quer ser minha namorada? — pronto, está feita, ele conseguiu dizer da sua vontade, mas não entende o porquê dos risos, foi assim que aprendeu que deveria agir ou falar com uma pretendente, ocasional ou não, homens e mulheres não devem ter mudado tanto assim, desde que resolveu hibernar com Adelaide, naquela relação de casamento e não casamento, amor e não amor, pertencimento e não dominação, prisão e libertação, privação e abundância, ler e escrever — Eu tenho namorada... — talvez tenha demorado demais para se arriscar com aquelas perguntas, ou não tenha percebido algum sinal de que havia algo errado com ela, a moça não tem namorado, mas tem uma namorada. Não entende. É uma desajustada. Ele também tem uma namorada, também, tem uma mulher que lhe faz histórias, mas é um homem, não precisa disfarçar que é macho, ele é um macho que gosta de ter namoradas
—        E você, não tem namorado? — isso tudo já se parece com zombaria, não compreende a pergunta de Moirá, jamais beijaria um homem — Não precisa fingir-se de nada, basta gostar. — nunca pensou num homem com os carinhos que tem com Adelaide - e deseja com Moriá, às vezes, cobiça mais que os carinhos da Adelaide - as mãos, os beijos, a pele macia, delicada, e o gosto que lhe escorre do gozo — Moriá, eu não sou viado!
—        Nem eu, apenas gosto da minha namorada.
—        Eu conheço essa garota? — fez a pergunta com cara de corno, parece que todo homem se sente traído por essas mulheres que gostam de gostar de quem gostam. Como foram ousar deixá-lo de lado, fora das suas camas e das suas fantasias de macho insubstituível — Moriá, não coseguiria ir para cama com um homem.
—        Ir para a cama com quem eu quero é uma libertação.
—        Mocinha, querer não é poder.
—        Por que viver uma vida reles? — ele queria poder explicar que acredita que as pessoas se ajuntam e não perdem a sua humanidade especial, a família cuida dos seus hábitos de usança, tranquiliza os hábitos que são reles de um jeito ou de outro — Na verdade, Sèzar, as pessoas querem a repetição dos costumes, ficam seguras que nada vai mudar.
—        E quem é ela, Moriá? — o rapaz se aproximou da janela, estavam na cobertura, o sol aquecia com seu brilho as águas da piscina, Moriá tirou as roupas e andou até a beirada, antes de mergulhar olhou para trás, encarou Sèzar — E tem alguma importância pra você? — ao percorrer com os olhos o belo corpo de Moriá, num fascínio indescritível e prazer indizível, se deliciava com as curvas suaves. Não lhe tirava os olhos, imaginava dormir abraçado com Moriá. Sentir o perfume dos seus cabelos no rosto. A suavidade da pele nas mãos. O sangue lhe agitava as virilhas. Parecia que perdia o rumo. Inventava movimentos felinos naquele corpo enroscado ao seu — Sei lá, mas você é tão linda... é um desperdício... — ela não lhe responde, saltou nas águas mornas e nadou uma, duas, três, quatro piscinas, contava a ida, nunca contava a volta, sentia os olhos de Sèzar, até que parou e tocou o fundo do lago com os pés, estava mergulhada em pé — Se eu fosse feia não haveria problema?
—        Seria menos doloroso.
—        Sèzar, se você quiser meu conselho, e não gosto de ouvir nem dizer aconselhamentos, mas acho que você é muito macho para namorar mulheres, deveria tentar os homens. — ele olhou firme na direção das águas, ela se deliciava com a provocação e podia ver o rapaz buscando uma resposta educada, sensível, que não lhe afastasse a presa do alcance da sua arma
—        Queria tentar com você...
—        Não vai dar ou não vou dar, tanto faz, você tá com os chifres e o rabo pegando fogo. — era o máximo da provocação que ele poderia aceitar daquele fracasso. Também tirou as roupas e mergulhou naquelas águas ensolaradas. Rasgou as águas com se estivesse abrindo as carnes de Moriá para a sua penetração de penitência. Quando emergiu do mergulho ela já saia das águas
—        Onde você vai?
—        Ligar pra minha namorada... — ele levou as duas mãos ao rosto para afastar as águas que lhe escorriam
—        Redemoinhos, redemoinhos, na futilidade fluida da vida!
—        O que vem a ser isso? — ali estavam os redemoinhos da sua vaidade em pessoa, não entendia como ela não o queria, ele mergulhado naquelas águas aprisionadas, o sol nos olhos, ela nua, esplendida, lhe ocultando a nitidez das formas e o celular em uma das mãos — Fernando Pessoa... — quanto mais Moriá lhe repudiava as investidas, mais vigoroso crescia o sangue nas virilhas, galopava nas veias, enrijecia a espádua — A beleza é a minha debilidade, Moriá.
Ela entrou em seu apartamento, por alguns minutos Sèzar ficou sozinho na piscina com suas vigorosas braçadas, embaraçado com as recusas, imaginando a imaterialidade daquela mulher. Resmungava algo parecido com as mulheres serem demoníacas. Quando ela retornou à piscina vestia um roupão branco com as suas iniciais bordadas em rosa — Bem feminino esse roupão... para quem tem namoradas.
—        Meu Deus! Vocês homens são tão transparentes na sua estupidez que acho melhor ter pena do que amá-los.
—        Foi por isso que mergulhou nua na piscina... para provar que sou tolo?
—        Isso, você não tem como saber... enrole-se nessa toalha.
Ele obedeceu, sempre obedece
—        Venha aqui. — resignadamente a seguiu até o deck de madeira que parecia trazer vida e beleza à área das mesas, entre a água, o verde dos jardins e os prédios do entorno. Pareciam encomendados sob medida para aquele jardim. Moriá parou ao lado de um vaso quase raso, com uma arvora pequena, uma árvore anã
—        Este é um bonsai do Baobá.
Sèzar olhou para aquela miniatura de árvore e ficou maravilhado. Um tronco que parecia juntar várias outras árvores entrelaçadas, imenso, gordo, fortão, e acima, suas galhadas, na maior parte do tempo, peladas — Essa é uma árvore com a cara da África, a árvore dos mil anos, o diâmetro do seu tronco pode atingir cerca de vinte e cinco metros e trinta metros de altura.
—        A sua árvore é um Baobá anão.
—        Que se liga com os espíritos. Venha cá.
Ele sempre obedeceu
—        Sèzar, passe em volta do Baobá, vinte vezes.
—        Por quê?
—        Era o ritual do esquecimento dos escravos, obrigados a apagar da lembrança as suas origens de raiz, língua, família, identidade.
—        Mas eu não sou nenhum escravo.
Ela lhe investe um sorriso de compreensão
—        Um escravo da espada, essa pendurada entre as pernas.

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Leia também: 
Ensaio 10 - Mexendo comigo, mexendo em mim... 
Ensaio 12 - Sarau na kitnet


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sarau do Brasil Nunca Mais

Becos sem saída - Penumbras e Descartes



VI
baitasar
Andam por ruelas vazias e escuras, mal iluminadas. Ficamos escondidos. A falta da luz esconde o gato, desaparece com essa gente empurrada para o esquecimento, a infinita privação de tudo, menos do cheiro podre da morte. O Velho e a menina - que continua a me carregar por esquecimento - se apoiam aos pulos e sobressaltos em caminhos retorcidos, enferrujados, malcheiroso de beco, sem saídas para a vida com pretensão de vida. Tudo muito velho e triste, e podre. Caminham subindo ou descendo, quase caindo param no brilho cego do único poste iluminante, enfeitado por feitios inconstantes e perplexos fios que carregam a ligação da luz para as casas de papelão, com remendos de madeira — Vem menina, vamos indo pelo beco, em algum lugar haveremos de sair.
O Velho sabe que ficar por ali era ter o perigo do encontro com a mulher fantasma. Não quer conversa com aquela dama de assombração, mulher estranha, imagem ilusória da piriguara manchada de negro, medindo pouco mais de meio metro de comprimento, com buracos pelo couro e a foice curva de cortar as espigas maduras — Nunca se sabe de onde vem o inimigo. Vamos! — enquanto diz, já tem a moçoinha pela mão e nos carrega pelo beco. Ela ainda tem o tempo de virar atrás, tem os olhos da curiosidade no poste público de luz, único sinal de algum esforço das gentes de longe
—        Como é que chegamos aqui?
—        Enganos a piriguara, menina, mas enfim, mais uma menos um, não faz diferença.
—        Lugar de gente sem saída... igual a nóis.
—        Lugar de sonhos.
—        Gente nascida morta. — já de longe, flutuando, que não tem os pés no chão, vê o malandro de joelhos, sem máscaras. O malandro flutua na luz da encruzilhada dos becos, pertence mais que todos àquele lugar, mas não afeiçoou de tudo, vai tomando o costume de ser morto. Tem os olhos arregalados e parece querer dizer algo, penso que já é muito tarde. A moçoinha toma jeito de pedir — Vai devagar, até parece que o Velho quer chegar antes desta menina. — ela fala sem gritar, sem nenhum rosto, desanuviado de alguma máscara de esgrima ou molde em geléia cosmética, tem, na verdade, o mesmo talhe em gesso retirado dos cadáveres, uma fisionomia desbotada
—        Olha guria, por vez, a alma precisa se acomodar ao corpo da vida.
—        Quando choras é por quê?
—        Por muitas vezes, necessito ensurdecer aos teus lamentos. — ainda não entende os medos da vida, mas, enfim, se deixa levar outra das tantas vezes. Deixam para trás o flutuador que aprende de ser morto, que pra tudo se precisa acostumar neste mundo e no outro, até de ser morto. Ele com o seu destino, eles com a própria sorte. Não têm precisão de sair do anonimato, por ora, vão desse jeito, aos puxões pelas ruelas. Almas vivas não se encontram por elas. Almas mortas espreitam pelos buracos de escuridão. Tudo tão estreito e sujo e escuro.
A menina Alma que já foi Maria Futuro, gosta do apelido que carrega, Alma, não tem o medo da outra não-vida, não é medrica como o Velho, mas estar no labirinto das malocas a sufoca. Fecha os olhos, encolhe uma das pernas e se deixa ir pela mão, em saltos ligeiros de ponta em ponta, foge aos pulos do claustro de pobreza e abandono, não consegue fazer gestos de reconhecer nos outros a bondade de se tornarem gente de verdade. A moçoinha Alma olha no contorno da ruela sem iluminuras e deixa a mão agarrada na tira de pano na cintura do Velho.  Ajeita a ponta do nariz para o cavalete logo à frente dos olhos, aperta-os para procurar algum feitio de gente entre as sombras. A moçoinha não teme por ela, mas o Velho já perdeu muito das atitudes de ataque e defesa, tá sadio, mas sem robustez. A moça-d’alma tem vontade de pegar-lhe pela mão e saírem, mas não movimenta, sabe que o corpo do Velho se entrega em vigília. Existiu um tempo em que falava dos sonhos e comentava do brilho das estrelas. O medo que também empurra, agora invade na intenção de dominar, fazer bonecos de trapo ou de louça. Bonecos de engonço puxados pelo cordel ameaçador das caretas
—        Envelheci nestes anos em que devíamos ter nos reconhecido, enquanto me tornava velho parecendo velho. — um tempo perdido na vida desses dois, hoje e passado não faz caso, e o depois de hoje não tem vivência. A menina tenta se afastar para oferecer intimidades ao velho —         Onde vais, quer saber o Velho
—        Cuido de te deixar a sós, enquanto comes a ti mesmo com as mãos.
—        Não uso as mãos em mim. — a menina dá de ombros e se afasta. Venceu, por ora, o apetite desastrado do amor, quase louco de tão perfeito e ali, no escuro fedorento, possui aquela linda imagem sem dentes, roída, descorada e porosa, uma imagem ácida — Mulher vaga-lume, não me deixa.
A mulher vaga-lume tem nome, Velha Solidão, e sem dentes sorri para a linda imagem de si, enquanto se abraça na mão do corpo trêmulo e quente do velho. Não sabem quem se mantém em pé, gemendo feliz. Não precisam saber além do sentido. Querem estar ali, a efígie e o corpo, fingem que ainda têm sonhos e pesadelos — Velha Solidão, por que fica a te dar por estas estradas escuras e sujas?
—        Velho, quem haveria de me querer nas claridades da belezaria?
—        Não sei.
—        É preciso saber sobreviver...
—        Droga de vida essa que obriga aos escuros.
—        É pura ilusão essa coisa de brigar com a vida.
—        Faz o quê?
—        Continuar caminhando. — diz apontando para o Velho, já composto das carnes moles, acertando botão a botão em cada botoeira da portinhola na calça maltrapilha — Já podes continuar a caminhada?
—        Por quê?
—        Quero saber se já estás seguro da perna. — o amor está onde sempre têm que estar, no inesperado, sem razão de aparência, necessita de um sorriso como do gosto que toma entre lambidas e suspiros. Não são diferentes ou iguais sem razão, apenas precisam estar próximos, longe da solidão. Desistiram de entender essa bagunça de esgoto e paraíso. O Velho não responde, levanta e sai mancando do gramado dos pedalinhos. Para perto de um abacateiro — Esse foi teu pai que plantou. — a menina abraça o abacateiro. Não lembra o abraço de um pai, precisava que aquele abacateiro tivesse braços
—        Qual a serventia de guardar papel velho?
—        É a tua história!
—        A nossa, Velho. É a nossa vida!
—        Tenho vergonha de não ter ficado junto da nossa gente... Pra qual serventia? Desaparecer, também? Talvez, não sei, guria.
—        Quero encontrar esse meu gêmeo.
—        Vai precisar de ajuda. Você sabe por onde a gente começa? Parece que o guri foi mandado pra África...
—        É longe?
—        Nem tanto... nem tanto. — os aclaramentos acabam. Tudo sempre acaba, é inevitável. Agora é a menina que carrega o rolo amarelado, restos de uma história escondida e mantida impune. Arrancada da memória. Os dois seguem na caminhada pelos cantos e refugos dos cantos. Vou aos saltos. Sobem escadarias, passam sob o iluminado passeio do luar, penumbras sem namorados e sem amantes, não têm vista de supositício vivo. A menina vai calada. A cada pouco que caminha é abafada por esse choro de criança abandonada. As gotas no olhar não vêm por fraqueza, estão ali, onde sempre estiveram penduradas. Um choro que não reclama, desce seco. Inconformado — Silêncio, resmunga o Velho, esquecido que não se impõe silêncio a alma
—        O que foi?
—        Quieta, sussurra impaciente, levando o indicador da mão direta aos lábios
—        Quem vai ou vem de lá, pergunta a guria, já impaciente com aquela encenação do Velho
—        Um cavalo... — cavalo não fala, não pensa, apenas carrega a carga pendurada na canga. Mas pela finura da voz do bicho, esse cavalo é uma égua madrinha — Então, sou uma madrinha que fala.
—        Mentira, se dê a conhecer.
—        Menina, vou aos poucos por aqui, por aí, pelo peso que carrego.
—        Ah, uma miserável puxadora de carrinho. — papeleira, soldada catadora do lixo! Mas o que têm a dizer dela um miserável velho perneta e uma guria esfarelada
—        Esse cavalo de carga tem nome?
—        Marijoana...
—        Dona Marijoana, vai indo cedo pra lida.
—        Indo cedo vou longe, vindo de longe, venho me carregando...
—        A senhora trota sozinha?
—        Quem mais haveria de ficar em andadura puxando carroça?
—        Sei lá, alguma alma penada.
—        Essa deixo em casa nos cuidados das crianças.
—        A senhora cavalgadura tem filhos?
—        E por que não?
—        A vida anda muito ruim com todos.
—        Com uns... bem mais do que com outros... ter filhos e filhas e homem nenhum, nesta vida de cavalo e carroceira, só tem a aumentar a miséria, mas tenho fé que tudo tem jeito. — a mulher-cavalo vira-lhes o costado e sai a passo, nada mais a dizer. Vai solitária por desvios escurecidos. Afasta a cada passo no sentido contrário o desenho em sombras do seu corpo mergulhando, já vai entrando na escuridão do não amanhecido. A menina Alma sem futuro cisma com sua parte espiritual e iluminada — Ei!
—        O que foi? — a guria me põe nas mãos, dá uma olhadela de despedida, não tem remorso nem saudade — Pega isto... — e me atira. Sou arremessado ao ar. Flutuo pela escuridão do amanhecer. Resolvo procurar outra ciência que aquela que poderia ser encontrada em mim mesmo ou no grande livro do mundo, emprego o resto de minha juventude em viajar, em ver monarcas e exércitos, pessoas de diversos temperamentos e condições, assim, tombo em pé, recostado na boleia quase vazia, cabine do motorista. A mulher-cavalo vai se indo e me leva, somos engolidos pelo escuro. Num canto, do outro lado vai às caronas outro conhecido, lhe digo em cortesia — Bom dia, senhor.
—        Bom dia. — a velha cavalgadura vai abocada pela barriga de fome, mas agradece o oferecimento — Mais um livro... obrigada, menina.
—        Tem outros?
—        Busquei na escola das crianças, fizeram uma limpa por lá. — a escuridão nunca está vazia de todo. Muitos olhos, muitas bocas e orelhas estão metidas aqui dentro. Então não é justo ter medo do escuro. Continuo minha viaje nas caronas, gosto de companhia. Declaro-me menos um ator do que um espectador, ali ao meu lado, viaja outro companheiro, apanhado por algum descarte estúpido. Chamamos-nos pelo nome, nossa reverência pelos desaparecimentos
—        Boa viagem, senhor Brasil Nunca Mais.
—        Será, senhor Descartes... — desço em socorro da Marijoana e empurro o carrinho. Uma gurizada também desce e ajuda, outros discursam de cima da boleia... jogam panfletos ao vento...

—        Acabou!
Os monstros da história se repetem... tomara que não, mas as próximas gerações precisam lutar para conquistar a própria liberdade... a luta nunca acaba!


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Leia também:

46 - Sarau com palavras e fotos

Os Três Patetas

Quando a Farda é um Fardo




Episódio de 1936 com: Moe, Larry e Curley.

Título original: The Three Stooges - Half Shot Shooters

Dublado PT-BR (Preto & Branco)

Sinopse: Em 1918, os Três Patetas são soldados aliados durante a última batalha da Primeira Guerra Mundial. Apesar do pesado bombardeio, os três dormiam a sono solto quando o sargento comandante MacGillicuddy os encontra para avisar que a guerra tinha acabado. Ele os acorda e os espanca e com as contusões sofridas os Patetas acabam sendo condecorados como "feridos em ação". Depois da baixa eles voltam a se encontrar com o sargento e o surram à sua maneira atrapalhada e o homem promete se vingar.


domingo, 21 de outubro de 2012

um pouco de desenvoltura ou simples atrevimento ou uma boa dose de amigos(sic)


Lídia Jorge: “A fama tornou-se um processo de escolha aleatória”

Em seu novo livro, publicado agora no Brasil, a renomada escritora portuguesa trata da busca pelo sucesso e pela idolatria.
Fernando de Oliveira no SUL 21
Diário Regional
Foto: Bruno Alencastro/Divulgação

Lançado em Portugal no início de 2011, o novo romance da escritora Lídia Jorge, o instigante e psicológico A Noite das Mulheres Cantoras, finalmente dá o ar da graça no Brasil ao ser lançado pela editora Leya.
Transcorrido no universo competitivo do show business da década de 80 do século passado, o livro narra a trajetória de um grupo musical formado por cinco mulheres a partir das memórias de uma delas, Solange de Matos, para tratar de temas pertinentes de nossa época, como a busca pela fama e idolatria.
“Hoje a fama não está mais necessariamente relacionada com um feito válido ou um comportamento especial que implique coragem, magnanimidade ou distinção nos campos da Arte e do Saber”, diz Lídia Jorge, celebrada como uma das mais importantes e premiadas ficcionistas portuguesas, nesta entrevista exclusiva ao Diário, concedida de sua casa em Lisboa.
“A fama tornou-se um processo de escolha aleatória. Para a pessoa se distinguir basta ter um pouco de desenvoltura ou simples atrevimento. E assim criamos um mundo vão atrás do biombo da grande exposição”, acrescenta a autora.
Livro de Lidia Jorge
Diário Regional – Como surgiu a história de A Noite das Mulheres Cantoras?
Lídia Jorge - É difícil reconstituir, mas a história principal nasceu sem dúvida do contato com figuras do meio, pessoas com experiências muito fortes nos anos oitenta, e que entretanto viveram o suficiente para poderem avaliar quantos  dos seus sonhos se realizaram e quantos ficaram aquém. Através desse contato percebi que ao fazerem um balanço de caráter pessoal, faziam também um inventário da História recente. Sendo a música e o canto ligeiros campos férteis em sinais da mudança pela grande volatilidade a que estão sujeitos, a narrativa provinha diretamente do espaço real. Mas escrever não é imitar, é transfigurar.
DR – Seu romance trata de temas como a busca pela fama e idolatria, que hoje se tornou algo banal em razão, sobretudo, de programas de televisão diários que transformam pessoas anônimas em celebridades…
Lídia - A busca da fama corresponde a um instinto de sobrevivência natural. Trate-se de uma forma de negarmos a finitude da vida. É assim desde o tempo dos faraós. Hoje, contudo, a fama não está mais necessariamente relacionada com um feito válido ou um comportamento especial que implique coragem, magnanimidade ou distinção nos campos da Arte e do Saber. A fama tornou-se um processo de escolha aleatória. Para a pessoa se distinguir basta ter um pouco de desenvoltura ou simples atrevimento. E assim criamos um mundo vão atrás do biombo da grande exposição. Nesse logro de dois sentidos, há quem se esforce até ao esvaimento para atingir o patamar da celebridade.  Mas a celebridade é por nada. Tudo isto dá que pensar e é muito ficcional. Onde existe um lado de perturbação do humano, entra o ficcional.
DR – Por que escolheu a personagem Solange de Matos como narradora do livro? O que procurou dizer através dela?
Lídia - Solange de Matos elabora uma espécie de longo monóculo recordando o que se passou quando apenas contava dezenove anos, e como passaram vinte e um, ela tem dois olhares: o olhar da aprendiz da vida, de quando era jovem, e o olhar da mulher adulta que sabe interpretar o que se passou. Ela é a figura ideal para explicar como a versão que se quer fazer passar no presente, para se obter a fama através da impostura televisiva, assenta num falso relato sobre o que aconteceu no passado. Além disso, ela tem experiências fundas com as quais tenta salvar o presente. Gosto em Solange de Matos, particularmente, a forma como encara a História e lida com o amor.
DR – Concorda que A Noite das Mulheres Cantoras é um dos seus romances mais psicológicos, quiçá o mais?
Lídia - É possível que sim, mas não tanto que conduza os leitores para dentro do pensamento sem cor ou sem exterior. Nem sequer o movimento psicológico se traduz na lentidão própria desse tipo de texto, quando classificado em termos de clichê. Este livro contém o relato de uma memória de fatos ocorridos, como disse, vários anos atrás. É uma memória formulada depois do choque provocado pelo encontro com as antigas companheiras e um coreógrafo, todos eles alterados pela força das circunstâncias. Demasiado mudados. De onde a memória da personagem ser um discurso feito em estado de choque, e logo com passagens onde existe um elemento de alucinação. Rótulo por rótulo, concordo, por isso, mais com a designação de “romance de formação” do que de romance psicológico.
Lidia Jorge
DR – Como começa a construir seus romances: pelo personagem ou pelo tema?
Lídia - Começo a partir de personagens, o tema vem depois. No início surgem figuras que se parecem com gente que tem um discurso. Esse discurso é que comanda tudo. O tema é um entrelaçar dos vários discursos. Só em determinado momento compreendo para onde caminha a intriga, o que é que ela quer dizer e tudo o mais. Escrever ficção é trabalhar entre o claro e o escuro. E mesmo quando se quer explicar o processo o que surge há sempre penumbra. Atraente penumbra, mas penumbra, apesar de tudo.
DR – Por que prefere a ficção?     
Lídia - Precisamente porque a ficção lida com personagens. Significa que tem vozes, perguntas e respostas, ação, espaço habitado, um discurso que permite dar a ideia do correr do tempo o que conduz a uma demonstração sob o olhar. Esse imenso teatro feito em silêncio é poderoso. A certa altura o ficcionista dá-se conta de que criou uma população inteira formada pelo conjunto das suas personagens. Preciso dessa gente para viver.
DR – Numa entrevista concedida na década de 80, a senhora disse que sentia a literatura brasileira como uma irmã gêmea. Ainda pensa assim?
Lídia - Sim, ainda penso. Cada vez mais penso. É curioso perceber como o grande modelo da ficção brasileira tende a seguir o modelo de eficácia típico da narrativa anglo-saxônica, mas depois os melhores escritores, ou pelo menos aqueles que melhor falam da intimidade dos seres humanos repartem com os portugueses a mesma escrita detalhada, solene e meio crística. Crística até mesmo no erotismo.
DR – Que escritores brasileiros considera fundamentais?
Lídia - Referindo-me à prosa, os grandes mestres são Machado de Assis, Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Mas depois existem imensas vozes importantes, algumas delas até do Rio Grande do Sul. E se me permitem, destaco Moacyr Scliar, porque ainda não acredito na ideia de que já tenha encerrado a sua obra. Eu amava-o muito. Os seus livros estão aí, mas a sua obra está incompleta.
DR – A Literatura pode ajudar a criar uma humanidade melhor?
Lídia - A literatura responde à nossa ansiedade porque o mundo não termina aqui, nos confins onde nos encontramos. Se ela é importante para sermos melhores, não sei. Nunca se fez a prova de como seria os homens viverem sem ela porque desde o alvorecer da humanidade que a poesia e a narrativa existem. O que sei é que se a expulsarem da vida, a humanidade será outra, e eu não posso imaginar sequer como seria. Talvez padeça de contemporâneo- centrismo, mas sinceramente acho que nem seríamos.
Lidia Jorge
DR – O que mudou na literatura portuguesa depois da morte de José Saramago, de quem a senhora era muito amiga?
Lídia - Deixamos de poder ler novas parábolas sobre a vida como as que ele nos ofereceu ao longo dos últimos anos, sempre jovem, sempre novo. E deixamos de ter o seu aviso público sobre o desnorte europeu de que tanto falou.  Dou por mim a pensar o que diria José Saramago sobre isto e aquilo, se ainda escrevesse o seu blog, se ainda desse entrevistas. O tom não é difícil de imaginar, e muitos falam a partir de semelhante ponto de vista. Mas a forma como o fazia era única, e essa forma faz-nos falta.
DR – A propósito, como avalia a atual crise econômica na Europa, que também afetou profundamente o povo português?
Lídia - Trata-se de uma crise muito grave que afeta todos, mas atinge principalmente a classe média que está a ser espoliada a cada noticiário que passa. Entrava pelos olhos dentro que havia um erro na aplicação dos tratados que foram engendrados pelos países mais ricos da Europa, em detrimento dos interesses dos países pobres. Os pobres, porém, podiam ser enganados porque tínhamos  a possibilidade de nos endividarmos. Agora o jogo abriu-se e a nudez ficou à vista. Para além do problema da globalização que põem a economia do mundo à prova, no caso europeu trata-se de falta de solidariedade e velhacaria.  Ou isto muda nos próximos meses ou a mais bela utopia política de que há memória, a criação de um espaço político comum sem guerra, construído por entendimento pacífico, irá por água abaixo.
DR – Os escritores devem ser politizados?
Lídia - Só podem ser politizados. Há, porém, aqueles que falam do assunto e intervêm e os que não gostam de falar das suas posições pessoais.
DR – Como surgiu seu interesse por literatura? Por que a senhora escreve?

Lidia Jorge

Lídia - Os livros fizeram-me companhia quando era criança. Eles ajudaram a ultrapassar a solidão por não ter irmãos. Li muito para não estar sozinha, foi assim que comecei a escrever, e ainda hoje escrevo para manter esse diálogo com pessoas imaginadas e reais. Talvez por isso a instância da personagem tenha tanta importância. São simulacros de pessoas diversas, umas vezes detestáveis, outras vezes queridas, mas sempre configuradas perto de gente viva. Acho que escrevo por isso.
DR – Tendo completado 30 anos de carreira literária, como avalia sua trajetória?
Lídia - Ainda não avalio, acho que ainda estou a imaginar livros que uma vez escritos podem dar uma outra interpretação  sobre o que escrevi até aqui. Não quero dizer que alterem o que fiz, mas esclarecer-me-ão melhor na hora dos balanços.
DR – Deseja ganhar o Nobel?
Lídia - Não desejo ganhar coisa nenhuma. Olho para a Literatura como para a vida, o local onde respiro. Prêmios? Importantes quando nos dão. O Nobel é um prêmio que não deve ser desejado por ninguém. Ele é, e sempre será, um prêmio impossível. Em cada ano há dez ou quinze escritores que o merecem, e depois um ganha a sorte grande e mais nada.  Mas ainda bem que existe porque se tem a possibilidade de fazer uma festa à Literatura e isso não acontece todos os dias. Em Portugal, país de futebolistas, o Prêmio atribuído ao Saramago, por exemplo, alterou a percepção da importância da leitura. Mas em termos de justiça, eu não acredito numa Academia que ainda não deu o Prêmio Nobel a Milan Kundera.