quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um sarau na piscina

Ensaio 11

baitasar



Sèzar está no apartamento de Moriá, combinaram um jogging nas ruas da cidade, e recém haviam percorrido o percurso aleatório que fizeram correndo sem nenhuma estratégia ou planejamento, apenas dar ouvidos ao corpo — Vamos ver até onde vamos. — foi um primeiro encontro, uma primeira corrida juntos — Subidas ou planos? — vão à mesma academia de ginástica para manterem a forma física. Ele subindo e descendo halteres, ela saltitando e alongando na aeróbica — Moriá, tanto faz, mas não podemos esquecer que as descidas são traiçoeiras, nada de tentar acelerar ou travar, os joelhos não aguentam.
Cruzaram os olhares, na primeira vez, através do espelho. Uma academia sem espelhos não sobrevive à vontade dos alunos olharem seus corpos, e espiarem os circunstantes. Espectadores de bundas e barrigas. Glúteos e abdominais. Depois usaram as circunstâncias para conhecerem um ao outro. Quando duas pessoas querem se conhecer não existem impedimentos, nem a distância geográfica ou a distância do tempo, apesar das armadilhas e apostas em tudo que é dito ou deixa de ser — Vocês homens só vão à academia para espiar as bundas. — ela usa um tênis que lhe mereceu todo o cuidado para proteger seus joelhos e tornozelos do impacto das ruas durante a corrida, suas roupas são práticas e confortáveis, de modo que consiga ir tirando facilmente à medida que a sua temperatura corporal aumenta — Até pode ser, com um ou outro, mas somos mais espontâneos e ingênuos do que vocês em nossos comentários sobre as mulheres.
—        Agem como se fossem os primeiros do navio ao gritarem: “Terra à vista!” “Olhem àquela bunda!”
—        Onde?
—        Palhaço... — ela executa Sèzar com um único olhar de indiferença, antes de continuar — ... claro, são comentários que vocês fazem àquelas mulheres que não vivem dos afetos próximos: mãe, filha, namorada...
Enquanto Moriá discursa, ele disfarça, faz que não olha, não quer olhar, mas não consegue evitar, precisa espiar o andar da corredora pelo apartamento — Vocês são menos espontâneas e mais desconfiadas das nossas intenções, por isso dissimulam...
—        Nós somos dissimuladas? Vocês com boas intenções? Vocês, os rapazes fortes, nunca irão entender a mulherada.
—        E os mais francos têm alguma chance?
—        Talvez... — depois das subidas e descidas, curvas e retas, calçadas, buracos, asfalto, carros, buzinas, encontravam disposição para brincar com as palavras — ... sirva-se de água.
—        Você é bonita, gosta de viver bem, não é por falta de pretendentes que continua solteira. — Sèzar estava sentado em uma espécie de banco sem encosto na cozinha do apartamento, as pernas não paravam abertas ou fechadas, apartava e encostava os joelhos, parecia nervoso, ansioso, um sujeito que dissimulava uma vontade ainda não declarada
—        Não julgue as pessoas pelas aparências. — é verdade, simples assim, as pessoas ficam procurando frases bonitas, enfeitadas de alguma sabedoria ou celebridade, esquecem de investir na própria sabedoria, e querem que os outros acreditem
—        Moriá, você tem namorado? — uma pergunta simples, bastava que a resposta fosse simples — Não. Sim. — pronto, pergunta feita, resposta dada. E a vida não continuaria naquele estado de latência, depois do primeiro olhar, e do sorriso com promessas que jamais iriam se cumprir, por medos, antipatias, caprichos ou que a visão do aspecto não lhe ocorria às fantasias. Mas as dúvidas não deveriam congelar a coragem para a outra pergunta que demora e quando sai cobra mais sorrisos, mais promessas, outros dias, outros encontros — Quer ser minha namorada? — pronto, está feita, ele conseguiu dizer da sua vontade, mas não entende o porquê dos risos, foi assim que aprendeu que deveria agir ou falar com uma pretendente, ocasional ou não, homens e mulheres não devem ter mudado tanto assim, desde que resolveu hibernar com Adelaide, naquela relação de casamento e não casamento, amor e não amor, pertencimento e não dominação, prisão e libertação, privação e abundância, ler e escrever — Eu tenho namorada... — talvez tenha demorado demais para se arriscar com aquelas perguntas, ou não tenha percebido algum sinal de que havia algo errado com ela, a moça não tem namorado, mas tem uma namorada. Não entende. É uma desajustada. Ele também tem uma namorada, também, tem uma mulher que lhe faz histórias, mas é um homem, não precisa disfarçar que é macho, ele é um macho que gosta de ter namoradas
—        E você, não tem namorado? — isso tudo já se parece com zombaria, não compreende a pergunta de Moirá, jamais beijaria um homem — Não precisa fingir-se de nada, basta gostar. — nunca pensou num homem com os carinhos que tem com Adelaide - e deseja com Moriá, às vezes, cobiça mais que os carinhos da Adelaide - as mãos, os beijos, a pele macia, delicada, e o gosto que lhe escorre do gozo — Moriá, eu não sou viado!
—        Nem eu, apenas gosto da minha namorada.
—        Eu conheço essa garota? — fez a pergunta com cara de corno, parece que todo homem se sente traído por essas mulheres que gostam de gostar de quem gostam. Como foram ousar deixá-lo de lado, fora das suas camas e das suas fantasias de macho insubstituível — Moriá, não coseguiria ir para cama com um homem.
—        Ir para a cama com quem eu quero é uma libertação.
—        Mocinha, querer não é poder.
—        Por que viver uma vida reles? — ele queria poder explicar que acredita que as pessoas se ajuntam e não perdem a sua humanidade especial, a família cuida dos seus hábitos de usança, tranquiliza os hábitos que são reles de um jeito ou de outro — Na verdade, Sèzar, as pessoas querem a repetição dos costumes, ficam seguras que nada vai mudar.
—        E quem é ela, Moriá? — o rapaz se aproximou da janela, estavam na cobertura, o sol aquecia com seu brilho as águas da piscina, Moriá tirou as roupas e andou até a beirada, antes de mergulhar olhou para trás, encarou Sèzar — E tem alguma importância pra você? — ao percorrer com os olhos o belo corpo de Moriá, num fascínio indescritível e prazer indizível, se deliciava com as curvas suaves. Não lhe tirava os olhos, imaginava dormir abraçado com Moriá. Sentir o perfume dos seus cabelos no rosto. A suavidade da pele nas mãos. O sangue lhe agitava as virilhas. Parecia que perdia o rumo. Inventava movimentos felinos naquele corpo enroscado ao seu — Sei lá, mas você é tão linda... é um desperdício... — ela não lhe responde, saltou nas águas mornas e nadou uma, duas, três, quatro piscinas, contava a ida, nunca contava a volta, sentia os olhos de Sèzar, até que parou e tocou o fundo do lago com os pés, estava mergulhada em pé — Se eu fosse feia não haveria problema?
—        Seria menos doloroso.
—        Sèzar, se você quiser meu conselho, e não gosto de ouvir nem dizer aconselhamentos, mas acho que você é muito macho para namorar mulheres, deveria tentar os homens. — ele olhou firme na direção das águas, ela se deliciava com a provocação e podia ver o rapaz buscando uma resposta educada, sensível, que não lhe afastasse a presa do alcance da sua arma
—        Queria tentar com você...
—        Não vai dar ou não vou dar, tanto faz, você tá com os chifres e o rabo pegando fogo. — era o máximo da provocação que ele poderia aceitar daquele fracasso. Também tirou as roupas e mergulhou naquelas águas ensolaradas. Rasgou as águas com se estivesse abrindo as carnes de Moriá para a sua penetração de penitência. Quando emergiu do mergulho ela já saia das águas
—        Onde você vai?
—        Ligar pra minha namorada... — ele levou as duas mãos ao rosto para afastar as águas que lhe escorriam
—        Redemoinhos, redemoinhos, na futilidade fluida da vida!
—        O que vem a ser isso? — ali estavam os redemoinhos da sua vaidade em pessoa, não entendia como ela não o queria, ele mergulhado naquelas águas aprisionadas, o sol nos olhos, ela nua, esplendida, lhe ocultando a nitidez das formas e o celular em uma das mãos — Fernando Pessoa... — quanto mais Moriá lhe repudiava as investidas, mais vigoroso crescia o sangue nas virilhas, galopava nas veias, enrijecia a espádua — A beleza é a minha debilidade, Moriá.
Ela entrou em seu apartamento, por alguns minutos Sèzar ficou sozinho na piscina com suas vigorosas braçadas, embaraçado com as recusas, imaginando a imaterialidade daquela mulher. Resmungava algo parecido com as mulheres serem demoníacas. Quando ela retornou à piscina vestia um roupão branco com as suas iniciais bordadas em rosa — Bem feminino esse roupão... para quem tem namoradas.
—        Meu Deus! Vocês homens são tão transparentes na sua estupidez que acho melhor ter pena do que amá-los.
—        Foi por isso que mergulhou nua na piscina... para provar que sou tolo?
—        Isso, você não tem como saber... enrole-se nessa toalha.
Ele obedeceu, sempre obedece
—        Venha aqui. — resignadamente a seguiu até o deck de madeira que parecia trazer vida e beleza à área das mesas, entre a água, o verde dos jardins e os prédios do entorno. Pareciam encomendados sob medida para aquele jardim. Moriá parou ao lado de um vaso quase raso, com uma arvora pequena, uma árvore anã
—        Este é um bonsai do Baobá.
Sèzar olhou para aquela miniatura de árvore e ficou maravilhado. Um tronco que parecia juntar várias outras árvores entrelaçadas, imenso, gordo, fortão, e acima, suas galhadas, na maior parte do tempo, peladas — Essa é uma árvore com a cara da África, a árvore dos mil anos, o diâmetro do seu tronco pode atingir cerca de vinte e cinco metros e trinta metros de altura.
—        A sua árvore é um Baobá anão.
—        Que se liga com os espíritos. Venha cá.
Ele sempre obedeceu
—        Sèzar, passe em volta do Baobá, vinte vezes.
—        Por quê?
—        Era o ritual do esquecimento dos escravos, obrigados a apagar da lembrança as suas origens de raiz, língua, família, identidade.
—        Mas eu não sou nenhum escravo.
Ela lhe investe um sorriso de compreensão
—        Um escravo da espada, essa pendurada entre as pernas.

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