sábado, 5 de maio de 2018

histórias de avoinha: o sapatêro e amuié qui chorava estrela

Abayomi, um encontro precioso

amuié, um vestido, um bolso, a boneca


baitasar



o sapatêro sentado na loja do conserto dos sapato

a caneca do café secô e encheu

amuié contagotas reta, os pé fincado no chão taboado, os dedo dos pé enraizado. os pé dos dois descalço

os assunto foi e voltô da boca da muié pru hômi inté chegá no silêncio

nehum queria tá, mais ia ficá. o bule amornado nas mão. as vista ôca. sem gosto pra oiá pra frente, com munta tristeza pra oiá lá atráis. em silêncio. um vestido de linho grosso perdido da brancura ia inté as canela preta da muié. um turbante amarelo. gostava de mudá a cô qui carregava na cabeça. num era muié com distração nela mesma. num parecia tê entusiasmo, mais tinha capricho. a cintura tava fina, a garupa larga e redonda. o feitio de oiá era da tristeza qui carrega munta sudade

no vestido tinha um bolso

os tapado de pano qui ela trajava sempre tinha um bolso. o vestido, o bolso, amuié. um pano costurado no vestido. acordava pra colocá as veste do dia qui só mudava da cô branca pra cô amarelada quando a cô num tinha mais conserto

os dois acordava junto: o pretu sapatêro e a preta muié preciosa

o sapatêro gostava de ficá com as vista grudada na contagotas. ela saia nua da cama e subia os braço com o linho grosso nas mão. num gostava de durumí escondida nos pano véio e retorcido. usava as estampa qui carregava na pele. enfiava a cabeça nos pano do dia e deixava ele descê as vista inté lhe cobrí toda

o hômi. amuié. o vestido e o bolso

depois, ela pegava uma boneca de pano qui ficava num lugá de mesmo costume, beijava e colocava no bolso do vestido. teve tempo qui oiava a boneca de pano e chorava, teve otro tempo qui sorria e cantava, mais nunca teve tempo qui esqueceu a sua boneca de pano, Contagotas...

Uqui é, Sapatêro?

Nunca fiz purugunta descabida, fiz?

Num posso se alembrá e se num posso se alembrá... num fez.

ela ficô do jeito qui ficô. oiava o hômi no escuro do quarto. um escuro acinzentado com a claridade qui parecia num conseguí entrá nas fresta. ele deitado. as mão atráis da cabeça. os óio de gula, Nunca fiz nehum desacerto no seu corpo de muié, fiz?

Num posso lembrá, mais eu num ia deixá... se deixei foi pruqui quis deixá.

o sapatêro se tomô de valentia pra pruguntá, Qui razão tem ocê pra sempre levá essa boneca de pano?

o escuro nublado do quarto num pode escondê a brilhatura do oiá da contagotas, parecia um céu qui chovia as estrela mais brilhante com um conta-gotas. num tinha anuviamento de chuva, mais as água descia dos óio como chuva. num dava pra sabê pruqui chovia sem anuviamento

ela num respondeu

ele voltô pruguntá, Qui razão tem ocê, minha preta, pra sempre levá essa boneca de pano?

As lembrança da mâinha.

Ela qui lhe deu?

Mãinha qui fez...

Num sabia qui ocê conheceu sua mãinha.

Vim com mãinha no tumbêro. Amontoadas na caverna do tumbêro. Agachadas. Curvadas. Exaustas. Acorrentadas.

o sapatêro era preto nascido na villa. criolo. num tinha atravessado a longa jornada dos pretu africano pra escravidão. nasceu na escravidão da villa. nunca conheceu liberdade. nunca subiu no tumbêro nem sentiu a imensa dô daquela miséria qui a sua muié lhe mostrava, Meu pretu, era preciso rastejá inté a água. Muntus rastejava e num consegui voltá. Ficava deitado ao redó da tina d’água. Encovado. Pele e osso. Inté qui ele era jogado nas água daquela estrada. Os pretu esquálido jogado como morto pelo caminho das água.

o sapatêro oiava amuié qui chorava estrela

depois oiava pra fora pelas fresta e pensava no jeito estranho desses branco vivê na villa. eles gosta de vivê num lugá de escravo. eles gosta de prendê os pretu e cativá com as corrente. eles aprende desde muriquinhu como faz pra dominá, maltratá e explorá, assim eles tem vida sem trabáio e reina na riqueza usando da força das lei qui ele mesmo pensa, cria e executa. uma villa sem povo é um lugá de escravo abusado pelas pulícia armada, tudo feito em nome da segurança da villa sem povo. as pulícia marcha muntu à vontade sobre os defunto pretu em nome da gente de bem da villa sem povo

no bolso, uma boneca feita com trêis tira do vestido da mãinha

panos rasgado. uma boneca feita com nó. sete nó, Foi o jeito qui mãinha encontrô pra brincá com as lembrança. Ela rasgô pedaço do linho qui lhe cobria pra fazê a boneca. Cada nó uma afeição, um envolvimento, uma laçada da vida, um encontro precioso da mãinha com a fia. Uma lembrança pra durá nos qui vem depois. Uma Abayomi qui faz lembrá a terra do antes. Carrego comigo todo dia pra nunca esquecê.

Abayomi...

repetiu o sapatêro da muié qui fez a travessia. ela tava ali, na frente das vista, as ferida aberta. os pulso e as canela marcada. os branco sempre escondeu e vai continuá escondendo a verdade. as história do passado contada é as história escrita dos branco. as história dos pretu contada e cantada pelos pretu num tá escrita nos escrito dos branco, ela tá na memória dos pretu, E a sua mãinha, Contagotas?

Ficô nas água...

é munta dô pra desfazê

nas vista dos dois chovia estrela

amuié tinha um vestido, o vestido tinha um bolso, o bolso tinha uma boneca de pano, a boneca tinha uma mãinha




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