domingo, 27 de novembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 12 – O partido português - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 12 – O partido português




Durante todo o reinado de Pedro I, houve, na política do Brasil, um partido português, e foi com a vitória ostensiva do brio brasileiro (garrafadas) contra os varapaus da portuguesada, que o filho de D. João VI foi obrigado a abandonar o Brasil, tendo compreendido que já não havia lugar a sua pessoa, quando a nação se impunha a tais estrangeiros inimigos. Ao retratar a situação política do Brasil, em 1824-25, Armitage põe em campo dois partidos, bem nítidos – absolutistas portugueses, e constitucionais, “que bem se podem denominar patriotas...”. Páginas adiante, ao analisar a situação política de Pedro I, em 1830, ele deixa a convicção de que ele bem pretendeu repetir o golpe ensaiado em 1823 – a reunião, e que, mais uma vez, teve de desistir, porque os seus não eram bastante fortes para garanti-lo. É nos dias em que Costa Carvalho (Montalegre) dá a fórmula: “O brasileiro é constitucional...” Muito depois, em 1861, Drumond dá a explicação de tudo: O lusitanismo triunfava mas não tinha a coragem de tentar o golpe: “O partido português, já que não podia ligar de novo o Brasil, queria que o Brasil fosse governado absolutamente por portugueses.” Veiga, do primeiro Reinado, chega a uma conclusão análoga: 

O elemento estrangeiro, português, assaz possante para perturbar a paz pública, e para comprometer ainda mais a já tão comprometida lealdade do imperador, era insuficiente e impotente para assegurar o êxito feliz e perdurável de qualquer empresa liberticida e antinacional (pág. 123). A retração covarde de 1831 demonstrou-o cabalmente. Contudo, era com eles, ostensivamente, que Pedro I governava o Brasil. José Bonifácio notava, indignado, nos dias de 1825 – que toda a diplomacia do Brasil estava em mão dos portugueses (Cartas Andradinas, pág. 42).

Desta sorte, a tradicional indisposição contra os reinóis se desenvolveu cada vez mais, à medida que a nação se sentia amesquinhada e sacrificada, sob os interesses portugueses. E vemos que na própria Bahia, onde era tão grande a influência deles, tanto pelo número, como pela riqueza, em 1826, há uma vigorosa reação contra o lusitanismo. O já citado Sr. Antonio Viana, hoje, sem outro intuito que uma elucidação histórica, vem a reconhecer que a permanência de Pedro I no Brasil só teve a significação de conservar o possível, das tradições do passado. Ora, esse passado é Portugal, a sua soberania, e os seus interesses. E tudo justifica o historiador português: todo o período de Pedro I foi o de um príncipe estrangeiro, governando despoticamente contra a nação brasileira. Lembrem-se as palavras de Armitage, e que se completam assim, nas mesmas páginas: “o que perdeu D. Pedro foi... nunca se ter constituído brasileiro... Na época da Independência, lisonjeou o espírito da nacionalidade nascente mas, depois, fez apelo a forças estrangeiras...” E acrescenta:

... o tratado de reconhecimento, a continuada ingerência nos negócios de Portugal... a nomeação de portugueses para os mais altos empregos do Estado, a apontada exclusão dos brasileiros natos, haviam suscitado a suspeita de que o próprio monarca era ainda português de coração... e que procurava apoio em um partido estrangeiro.66

Vemos então que, muito logicamente, ao voltar ao Brasil, em 1826, reintegrado na amizade e confiança do imperador, o conselho de José Bonifácio foi – Reconcilie-se V. M. com a nação

O Brasil de então, que apenas entrevira liberdade e soberania, não perdoava aos que, acolhendo-se nele, serviam para atormentá-lo, afastando-o sempre da sonhada liberdade. Justiniano da Rocha, que foi também da Assembleia oposicionista, dá a fórmula do caso: “Por mais liberal que seja um português na sua terra, no Brasil era profundamente corcunda” – absolutista e antinacional. Este jornalista, fervoroso liberal e nacionalista no primeiro reinado, entrado no ventre do bragantismo de Pedro II, feito, assim, esteio do partido conservador, e seu jornalista oficial, quando quis explicar a evolução que o trouxe ao conservadorismo, em proveito do bragantismo, é explícito: “No Brasil, o nacionalismo, opondo-se ao português, privilegiado, em vez de ser reacionário, retrógrado e conservador, teve que ser – democrata, progressista, mesmo em política econômica, porque eram eles os portugueses, os opressores políticos e econômicos”.67  Na voz de Custódio Dias (Assembleia de 1826), esses portugueses absolutistas eram: “os constantes inimigos do Brasil, três vezes levantados explicitamente contra a nacionalidade”. Sem temor de palavras, ele, Custodio Dias, ergue o epíteto com que pretendem diminuir a


66 Op. cit., pág. 206.

67 Ação, Reação, Transação, pág. 10.


câmara a que pertence, chamando-a de jacobina e sediciosa... Vemos assim como nasceu a aliança jacobino-nacionalista... O francês Ch. Reynaut, pena a serviço do segundo reinado, se de passagem se refere a esse período de Pedro I, não tem meios de esconder a verdade: “A assistência sinistra do partido português, que se dizia protegido pelo príncipe, e porque a ordem pública era perturbada por causa dos portugueses, elevou ao maior grau a impopularidade de D. Pedro”. 

Foi a coisa a ponto que a portuguesada quis ostentar a proteção que recebia, e o apoio que dava. O Imparcial, órgão dos Portugueses, arrotou: “A quase totalidade dos brasileiros naturalizados (leia-se portugueses), e dos estrangeiros, ligam seus interesses a S. M. Imperial, quer ela seja constitucional, quer não”. Nem água, faria mais claro. Até o Sr. Pereira da Silva teve de marcar os portugueses como facção absolutista e antinacional: “... liberais e constitucionais eram em geral todos os cidadãos nascidos no Brasil...” Em seguida, ele fez a sua zumbaia com o pretender que não havia mais republicanos e eram todos dedicados à monarquia com o Bragança, para imediatamente, assinalar: “Existiam absolutistas... a maior força desse partido fundava-se em portugueses de nascimento”.68  A luta que se travou, e que tanto se desenvolveu, entre a Câmara de 1826 e o Senado vitalício, foi, de fato, pelo motivo de que aquela era brasileira, ao passo que este, o Senado dos corcundas e marqueses, era pelo príncipe: “... as eminências dos poderes públicos durante o reinado de Pedro I eram, com raras exceções, restos da disforme, anacrônica e imprestável mobília dos palácios de D. João VI, os carcomidos cangaços do antigo, velho, cruel e ridículo absolutismo português”. Isto se escrevia, ainda com paixão, em 1876. Iam-se os anos, e a situação se agravava. O ministério dos fins do ano de 1830 causou profunda e explícita


68 Segundo Período, págs. 21 e 22.


irritação no público brasileiro – por ser ostensivamente composto de portugueses natos. Então, como sempre, o Bragança transigiu, livre de voltar, em melhor situação, a sua política lusitana:

A falta de popularidade do ministério cresceu a ponto de decidir-se o imperador, no princípio de dezembro (de 1830), a demiti-lo e a substituí-lo por outro composto exclusivamente de brasileiros natos. Clemente Pereira, um dos últimos ministros, era português por nascimento, e a essa circunstância atribuía-se principalmente a conservação da tropa estrangeira, a nomeação de portugueses anticonstitucionais para os empregos públicos, com exclusão dos brasileiros, e a suspeitada coalisão entre o ministério e o gabinete secreto de São Cristóvão.69

O novo ministério foi o de Caldeira Brand (Barbacena), despejado, meses depois, sob a formal acusação de malversão dos dinheiros públicos. Tratava-se do próprio caso do empréstimo, comissão e emprego, em que Pedro I fora sócio. Barbacena retrucou, pois, que tinha segredos a revelar; o outro engoliu a resposta, e tudo só serviu para mais emporcalhar uma política já de si turva, maléfica e nauseante. E como o Brasil era uma realidade, chegaram as coisas ao extremo de tornar necessário desembaraçar explicitamente a nacionalidade da peçonha que a mortificava: depois de nove anos de vida como nação soberana, o Brasil teve de emancipar-se, ainda, à custa de uma crise em guerra civil, e que foi, de fato, de brasileiros contra o lusitanismo renitente. São os sucessos imediatos para o desfecho de 7 de abril de 1831. 

Desses acontecimentos, devem ser retidos, para especial contemplação, as três ordens de fatos: os termos da representação


69 Armitage, op. cit., pág. 189.


levada a Pedro I pelos vinte e três deputados e um senador; o motivo da maior irritação na portuguesada que, entre berros e arrotos festejava o seu imperador; e o recuo covarde das mesmas hostes de varapaus, quando viram os brasileiros em forma, e unidos no laço, como vieram irmanar-se para enfrentá-los. Dizia a representação:

... Senhor, à sombra do vosso Augusto nome, continuam (os portugueses) na execução dos seus tenebrosos planos; os ultrajes crescem, a nacionalidade sofre, e nenhum povo tolera, sem resistir, quando o estrangeiro venha impor-lhe no seu próprio país um jugo ignominioso. De estrangeiros que se honram de ser vassalos de D. Miguel; e de outros súditos de D. Maria II; nós vimos e ouvimos cobrir de baldões o nome brasileiro... Os atentados, contra os quais os abaixo assinados representam, importarão numa declaração de guerra ao povo brasileiro, de que lhe cumpre vingar ele mesmo, por todos os meios, a sua honra e brio, tão indignamente maculados... A ordem pública, o repouso do Estado, o trono mesmo, tudo está ameaçado, se a representação... não for atendida...

E o que se assentava no trono, sem valor real para sair-se dos próprios lances da aventura em que se metera, deu-se por vencido sem arriscar-se aos transes de luta efetiva.70  Com isto, sumiram-se,

70 Não pareça exagero o julgamento sobre o comportamento de Pedro I quando teve de enfrentar a reação brasileira de 1831. Daiser, austríaco, legitimista, que aqui estava e pôde conhecê-lo, aprecia-o em traços inconfundíveis: “... ele, unicamente ele, é a causa da sua desgraça, da sua família, e do país, cujos destinos lhe foram confiados. Que papel teria podido representar com um pouco de prudência, de boa-fé e de força de caráter? De que maneira miserável deixou, abandonou o teatro, no qual só mostrou a incapacidade de nele continuar a aparecer!... D. Pedro tinha uma singular predileção pelos maus e gostava de zombar dos bons; se por acaso acreditava num (bom) podia-se ficar certo de que meditava já o meio de paralisar-lhe a ação... Foi traído, eis a grande palavra com que procuram explicar o último mês do seu reinado. Mas o seu reinado compõe-se de anos, e o último mês é apenas o consectário dos precedentes. Foi abandonado antes do que traído; há alguns anos já a maioria da nação fora induzida a separar-se dele; declaram-no abertamente... D. Pedro nunca teve força bastante para conceber um golpe de Estado, para assumir toda a responsabilidade de um governo... Mas entrincheirado por trás da sua irresponsabilidade, comprazia-se em fazer intrigas, em pôr travas na marcha do governo, em mudar de ministérios, em associar-se às malversações deles, em abandoná-los... no intuito de lavar-se e tornar-se popular... Enquanto tremiam em São Cristóvão, a covardia prevaleceu na Quinta e a coroa perdeu-se... A bordo do Warspite perdeu o pouco de prestígio que ainda o rodeava; não há oficial subalterno que não se tenha indignado com o seu proceder. Quando Rio Pardo, seu antigo ministro da guerra e ajudante-general, fiel até o último momento, e que teve de fugir, porque a sua vida corria perigo, chegou a bordo, D. Pedro soltou grandes gargalhadas e caçoou do fugitivo... A Paranaguá – que queria voltar também para Portugal: “Proíbolhe que faça isto, antes da minha filha estar estabelecida no trono...” – “Mas, meu senhor, que quer que eu faça: tenho ali uma aposentadoria...” – “Faça o que quiser; não é da minha conta: porque não roubou como Barbacena?...” – À Imperatriz, que pedia auxílio para alguns dos seus, disse bastante alto, para que os assistentes ouvissem: “Impossível, não posso fazer nada; nosso casamento só me tem custado dinheiro, e é tudo quanto dele tenho agora...” O imperador leva a ideia de escrever as memórias... haverá algumas verdades, muitas mentiras e fanfarrices... Os pontapés que deu na primeira Imperatriz antes de partir, em 1826, é que apressaram a morte dessa soberana... Neste momento (26 de abril) já poucos se ocupam de D. Pedro I... 

no momento, as veleidades do portuguesismo ostensivo. Partiram os Oliveira Alvares, para continuar a ser português, lá, como já haviam partido os Lapas, Chalaças, e até o Gameiro. Em troca de toda essa boa gente que, com o filho de Carlota Joaquina restituímos a Portugal, recebemos Varnhagem para vir fazer a consagração dos José Clemente, Niemayer, Andreas, Barbudas, Silva Coutinho, Assis Mascarenhas, Vieira de Carvalho, e todo aquele precário de inventário que nos ficou, e para o qual foi bem magra compensação o liberalismo pesadamente sensato de Vergueiro, que só emergiu porque era absoluta a baixa-mar. Sobre a vasa dos 15.000 despejados das naus fujonas de 1808, qualquer estatura de homem devia aparecer; mas foram os parasitas imundos que ganharam a partida. Como legítima vermina proliferaram tanto que, se voltam 4.000 em torno do lorpa asqueroso e mau, não chega a haver diferença de nível no Estado que aqui se implantara, e o Brasil ficou pertencendo, e por longos anos pertencerá, a esses brasileiros de D. João VI, em quem a nacionalidade é iludida, mascarada, traída, deturpada, para miséria do que tem sido sempre a política brasileira. Sinistra vitória do bragantismo, não inscrita nas páginas de desinteressantes mentiras da nossa história, mas que um João Ribeiro soube lobrigar:

... sempre houve nos nossos movimentos de emancipação política, duas correntes liberais separadas: uma dos mamelucos que desde o século XVII almeja em suas revoluções a república, o federalismo e mesmo o abolicionismo; outra da sociedade colonial, latina e portuguesa, que fez o constitucionalismo, o império, e com ele a centralização...




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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