domingo, 6 de novembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 6 – Desvenda-se o plano... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 1 
os frutos do 7 de setembro




§ 6 – Desvenda-se o plano... 




Bem inteirado nos processos e nos efeitos da política de 1823, Homem de Melo não pôde calar os conceitos: 

O ato violento da dissolução repercutiu dolorosamente em todo o reinado do primeiro imperador. As prisões e o degredo, as devassas... as execuções militares... a consternação geral que assaltou a nação, podiam ser poupados. Nunca mais se atou o laço rompido da confiança nacional. Os acontecimentos têm uma lógica fatal e tirânica: 7 de Abril é o resultado de 12 de novembro... A geração da independência estava reabilitada. Ainda uma vez, a magnanimidade da índole brasileira obteve este desenlace consolador nessa grande crise do nosso passado. 29

É um juízo em abstrato. Os aspectos concretos da política, assim condenada, foram deixados em silêncio. Homem de Melo não quis ver o ostensivo triunfo do lusitanismo a quem se entregava, então, a Nação brasileira, como não quis ver o plano delineado de riscar o 7 de Setembro, fazendo-se a formal reunião com Portugal. A verdade é que, com o golpe de 12 de novembro, o ânimo brasileiro estremeceu, na perspectiva de restabelecer-se o absolutismo, e fazer-se a junção com a antiga metrópole. Falava-se abertamente numa coisa e noutra. “Desde 1824, quando os absolutistas recebiam franca proteção, principiou no público o receio...” Armitage,


29  Op. cit., pág. 49.


traslada, nestes termos, o que no seu tempo se dizia quanto aos patentes intuitos de Pedro I. E continua: “... os portugueses do Rio de Janeiro, tanto os realistas como os sectários das extintas cortes, exultaram com a dissolução. Eles haviam contemplado com desgosto a convocação da Assembleia, e aplaudiram a sua dissolução”.30  

Cortistas ou não, o momento era deles, e a política ostensiva se fazia como o retrocesso ao lusitanismo explicitamente manifestado no pessoal que a aplaudia e com ela se identificava. Cometida a grande proeza da dissolução, os portugueses notórios embandeiraram as fachadas e deitaram luminárias, em cujos reflexos, nas noites de 12, 13 e 14 de novembro, os varapaus derramaram-se pelas ruas a pedir a cabeça dos brasileiros apontados como amigos do Brasil. Para completar a obra contra os Andradas e os seus amigos, abriu-se uma devassa, na qual foram ouvidas 81 testemunhas, sendo brasileiras apenas 16. Até esse momento, havia ainda um grande número de portugueses que não tinham aceitado a Independência; mas com o gesto contra a Constituinte convenceram-se de que não tinham motivos para continuarem de lado, e aderiram francamente a Pedro I. De 1822 para 23, a política de personalismos, embustes e transigências deixara o Brasil desarmado para uma reação imediata. Apesar disto, o imperador se sentiu de tal modo fora da corrente nacional, e tão incompatibilizado com a Nação, que teve de se fechar inteiramente na portuguesada. Drumond atesta: “A política imperial consistia em armar Portugueses e desarmar Brasileiros.” E Armitage comenta


30  Op. cit., págs. 60, 66 e 70. Drumond, op. cit. págs. 23, 83, 41, e 97. Armitage, contemporâneo dos acontecimentos, e todos os outros publicistas da época, inclusive Justiniano (biografia de Nogueira da Gama, Marquês de Baependi), desse modo explicam a retirada dos ministros no ato da dissolução. O caso passou em julgado, e o próprio Varnhagen assim o conta: “Carneiro de Campos e Nogueira da Gama, desanimaram, e pediram demissão, no dia 10 (de novembro)... Os ministros da Marinha e da Justiça resistiram em assinar o decreto da dissolução...” (História da Independência, págs. 289 e 297).



o fato: “O engajamento de portugueses naturalmente suscitou a desconfiança dos patriotas”. Era bem vivo, ainda, na generalidade dos brasileiros, esse ânimo patriótico, tanto que, no momento de dar o golpe, os Carneiro de Campos e Nogueira da Gama, apesar de serem feituras do Estado português, não tiveram coragem de afrontar os brios nacionais, e preferiram deixar a vez a Vilela Barbosa, de quem o lusitanismo tudo podia esperar: “O imperador logo se lembrou de Vilela Barbosa...” diz Varnhagem, com toda a boa intenção. Ficou, para fazer companhia ao futuro Paranaguá a desfaçatez de Ferreira França, que, com o português Oliveira Barbosa, já havia referendado o decreto de dissolução. 

Vilela Barbosa, o meirinho da dissolução, já o notamos, era a criatura que, mesmo depois de 7 de setembro, mesmo depois de declarada a guerra entre o Brasil e Portugal, preferira ficar em Lisboa, vivendo dos cargos que ali tinha; criatura que só em agosto de 1823, na qualidade de servidor do Estado português, aceitara de vir ao Rio de Janeiro secundar a ação do Conde do Rio Maior – promover a reconciliação oficial dos dois Braganças, e realizar a decorrente reunião dos dois Estados. Foi o que se disse francamente na ocasião, pois que não se achava explicação para a vinda do renegado,31  cuja presença no Rio de Janeiro despertou viva animosidade nos patriotas que o conheciam de Lisboa. Drumond, escrevendo em 1861, quando nada mais restava da situação viva em 1823, mas em plena pujança da política refeita com o mesmo Vilela Barbosa em 1840; Drumond refere que, por si mesmo, não queria acreditar nos intuitos imputados ao executor da dissolução:


31 “Nas cortes, Vilela Barbosa não se distinguiu senão pela oposição que fez aos projetos de separação do Brasil, e pela defesa de Portugal, pretendendo recolonizar e tiranizar o Brasil. Chegou ao excesso de dizer num discurso – que tinha vergonha de ter nascido no Brasil, e que tal era a sua raiva que estava pronto, ainda que velho, a marchar, ainda que fosse a nado com a espada na boca para castigar os degenerados brasileiros que queriam a separação, e obrigá-los a voltarem à salutar união com Portugal...” (Anotações, Drumond, pág. 71).


Mas em Lisboa, Manoel José Maria da Costa e Sá, na confidência da amizade, certificou-me do contrário, mostrou-me cartas de Vilela Barbosa escritas do Rio de Janeiro, dando conta das entrevistas que tivera com o Imperador, José Egídio, Barão de Santo Antonio, Luiz José de Carvalho e Melo, e outros, e da dissolução da constituinte, que me tiraram todas as dúvidas que eu queria nutrir a respeito de Vilela Barbosa. 32

A verdade está com os conceitos de Drumond. A viagem-missão de Vilela Barbosa coincide com a de Francisco José Vieira e o Conde do Rio Maior, enviados ao Brasil, por D. João VI, em deputação oficial, para fazer a reconciliação com o filho, na fórmula do sonhado Império Luso-brasileiro. O primeiro dos deputados fora ministro de Estado, do Brasil, com D. Pedro quando regente; o segundo servira, muito tempo, como camareiro, do Príncipe Real, e era tido por criatura de confiança. O Bragança de Portugal já estava integrado no absolutismo: haviam desaparecido as cortes, execradas e malsinadas por D. Pedro, pelo que acreditaram, lá, que a reconciliação seria muito fácil. Mas a pressão da opinião brasileira foi tal, que o imperador não teve coragem de receber oficialmente os emissários portugueses; pro-fórmula, foi deixada fechada a correspondência. Mas, toda gente o soube, e Armitage o repete: Pedro I teve conferências secretas com o seu antigo camareiro. Era Ministro Carneiro de Campos, que se inspirava, no caso, nos conselhos de José Bonifácio; não havia, ainda, um ano de Independência, e foi preciso contemporizar: D. Pedro fingiu que repelia o recado... Um ano depois, o seu confidente de então o prestimoso Barbacena, dizia ao amigo Corte-Real: “O imperador fazia tudo o que D. João VI desejava (pois era evidente que conservava a plenitude dos seus direitos, mas reconhecia que 



32  Op. cit., págs. 67 a 72.



não o podia fazer para vender o Brasil para sempre”.33  Esse mesmo Barbacena, apesar de todas as suas taras, afirmava que – entrando para o governo depois da dissolução salvara a Independência. 34  Para completa demonstração da insídia, há o fato de que, coincidindo com a missão Vilela-Rio Maior, vários políticos brasileiros receberam cartas de certos personagens da política portuguesa – empenhando-se por que se fizesse a sonhada reunião. Havia, por exemplo, em Lisboa, um parelha de Vilela Barbosa, o Dr. Aguiar, natural do Rio de Janeiro, mas que voltara com o rei, e estava inteiramente feito com os interesses portugueses (tão entrado neles, que, dizem, foi quem envenenou D. João VI); o Dr. Aguiar, antigo amigo do Conde da Barca, muito da confiança do Barão de Santo Amaro, escreveu a todos os seus amigos, grandes e influentes, no Rio de Janeiro, a favor da reunião. Foram, tais amigos, os mesmos – Santo Amaro, Carvalho e Melo, e outros das entrevistas e conferências de Vilela Barbosa. Finalmente, o Aguiar também veio ao Rio, logo depois da dissolução. Por tudo isto, admite Armitage que, em certos momentos (1824), a Independência pareceu perdida, ou vão simulacro. Os próprios historiadores portugueses (um senhor Souza Monteiro) reconhecem que, nessa crise, a política de D. Pedro era a da reconciliação com o pai e os portugueses.35  A mais legítima expressão dessa política, em que se amesquinhava o Brasil, nós a temos na carta de D. João VI, ao filho, imperador do Brasil, apresentando-lhe o inglês Stuart, que, finalmente, ditou a fórmula da reconciliação,


33  Biker, Tratados, t. XII, 241. Palmela também atesta – que D. Pedro “faria tudo, quanto dele dependesse, para aceder às vistas do seu augusto pai, mas os brasileiros, não lho consentiam.” (Despachos, t. I. 278). Barbacena é formal: “Bastaria que os brasileiros se convencessem de que o imperador inclinava para Portugal, e se subtrairiam ao seu domínio.”

34  Drumond (Annt.) afirmou que recebeu de Barbacena essa confidência. Ele a publicou, sem que o contestassem.

35  História, t. VIII, 38.



consagrada no tratado de reconhecimento: “Confio, pois, que conhecendo os teus verdadeiros interesses e aqueles dos povos sujeitos à coroa de que és legitimo sucessor, não desprezes esse oportuno meio de pôr termo às dissenções que tantos infortúnios têm produzido e não menos dano.” Foi – dito e feito: D. Pedro I aproveitou o oportuno meio oferecido; fez as pazes de reconhecimento: dando ao pai o que esse lhe pedia; recebendo dele, solenemente a soberania sobre o Brasil, que os ingênuos brasileiros lha haviam dado a reinar; pagando a seu augusto pai, a bom preço, a independência que o ânimo dos brasileiros havia tornado irrevogável.




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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