quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

18. A Metamorfose - Fim - Franz Kafka

Franz Kafka


Capítulo 3



18 A Metamorfose - Fim - Franz Kafka




0 Senhor e a Senhora Samsa ergueram-se na cama e, ainda sem perceberem completamente o alcance da exclamação da empregada, experimentaram certa dificuldade em vencer o choque que lhes produzira. A seguir, saltaram da cama, cada um do seu lado. 0 Senhor Samsa pôs um cobertor pelos ombros; a Senhora Samsa saiu de camisa de dormir, tal como estava. E foi neste preparo que entraram no quarto de Gregório. Entretanto, abrira-se também a porta da sala de estar, onde Grete dormia desde a chegada dos hóspedes; estava completamente vestida, como se não tivesse chegado a deitar-se, o que parecia confirmar-se igualmente pela palidez do rosto.

— Morto? 
 perguntou a Senhora Samsa, olhando inquisidoramente para a criada, embora pudesse ter verificado por si própria e o fato fosse de tal modo evidente que dispensava qualquer investigação.

— Parece-me que sim — respondeu a criada, que confirmou a afirmação empurrando o corpo inerte bem para um dos extremos do quarto, com a vassoura. A Senhora Samsa fez um movimento como que para impedi-la, mas logo se deteve. 

— Muito bem — disse o Senhor Samsa —, louvado seja Deus. 

— Persignou-se, gesto que foi repetido pelas três mulheres. Grete, que não conseguia afastar os olhos do cadáver, comentou: — Vejam só como ele estava magro. Há tanto tempo que não comia! Quando se ia buscar à comida, estava exatamente como quando se tinha posto no quarto. — Efetivamente o corpo de Gregório apresentava-se espalmado e seco, agora que se podia ver de perto e sem estar apoiado nas patas. 

— Chega aqui um bocadinho, Grete disse a Senhora Samsa, com um sorriso trêmulo, A filha seguiu-os até ao quarto, sem deixar de voltar-se para ver o cadáver. A empregada fechou a porta e abriu a janela de par em par. Apesar de ser ainda muito cedo, sentia-se um certo calor no ar matinal. No fim de contas, estava-se já no fim de Março.


Emergindo do quarto, os hóspedes admiraram-se de não ver o almoço preparado. Tinham sido esquecidos.

— Onde está o nosso almoço? — perguntou sobranceiramente o hóspede do meio à criada. Esta, porém, levou o indicador aos lábios e, sem uma palavra, indicou-lhes precipitadamente o quarto de Gregório. Para lá se dirigiram e ali ficaram especados, com as mãos nos bolsos dos casacos, em torno do cadáver de Gregório, no quarto agora muito bem iluminado.

Nessa altura abriu-se a porta do quarto dos Samsa e apareceu o pai, fardado, dando uma das mãos à mulher e outra à filha. Aparentavam todos um certo ar de terem chorado e, de vez em quando, Grete escondia o rosto no braço do pai.

— Saiam imediatamente da minha casa! — exclamou o Senhor Samsa, apontando a porta, sem deixar de dar os braços à mulher e à filha. 

— Que quer o senhor dizer com isso? — interrogou-o o hóspede do meio, um tanto apanhado de surpresa, com um débil sorriso. Os outros dois puseram as mãos atrás das costas e começaram a esfregá-las, como se aguardassem, felizes, a concretização de uma disputa da qual haviam de sair vencedores. 

— Quero dizer exatamente o que disse — respondeu o Senhor Samsa, avançando direto para o hóspede, juntamente com as duas mulheres. 0 interlocutor manteve-se no lugar, momentaneamente calado e fitando o chão, como se tivesse havido uma mudança no rumo dos seus pensamentos. 

— Então sairemos, pois, com certeza  respondeu depois, erguendo os olhos para o Senhor Samsa, como se, num súbito acesso de humildade, esperasse que tal decisão fosse novamente ratificada. 0 Senhor Samsa limitou-se a acenar uma ou duas vezes com a cabeça e unia expressão significativa no olhar. Na circunstância, o hóspede encaminhou-se, com largas passadas, para o vesti- bulo. Os dois amigos, que escutavam a troca de palavras e tinham deixado momentaneamente de esfregar as mãos, apressaram-se a segui-lo, como se receassem que o Senhor Samsa chegasse primeiro ao vestíbulo, impedindo-os de se juntarem ao chefe. Chegados ao vestíbulo, recolheram os chapéus e as bengalas, fizeram uma vênia silenciosa e deixaram a casa. Com uma desconfiança que se revelou infundada, o Senhor Samsa e as duas mulheres seguiram-nos até ao patamar; debruçados sobre o corrimão, acompanharam com o olhar a lenta mas decidida progressão, escada abaixo, das três figuras, que ficavam ocultas no patamar de cada andar por que iam passando, logo voltando a aparecer. no instante seguinte. Quanto mais pequenos se tornavam na distância, menor se tornava o interesse com que a família Samsa os seguia. Quando o rapaz do talho, subindo galhardamente as escadas com o tabuleiro à cabeça, se cruzou com eles, o Senhor Samsa e as duas mulheres acabaram por abandonar o patamar e recolher à casa, como se lhes tivessem tirado um peso de cima. Resolveram passar o resto do dia a descansar e dar mais tarde um passeio. Além de merecerem essa pausa no trabalho, necessitavam absolutamente dela. Assim, sentaram-se à mesa e escreveram três cartas de justificação de ausência: o Senhor Samsa à gerência do banco, a Senhora Samsa à dona da loja para quem trabalhava e Grete ao patrão da firma onde estava empregada. Enquanto escreviam, apareceu a empregada e avisou que iria sair naquele momento, pois já tinha acabado o trabalho diário.

A princípio, limitaram-se a acenar afirmativamente, sem sequer levantarem a vista, mas, como ela continuasse ali especada, olharam irritadamente para ela.

— Sim? — disse o Senhor Samsa. A criada sorria no limiar da porta, como se tivesse boas notícias a dar-lhes, mas não estivesse disposta a dizer uma palavra, a menos que fosse diretamente interrogada. A pena de avestruz espetada no chapéu, com que o Senhor Samsa embirrava desde o próprio dia em que a mulher tinha começado a trabalhar lá em casa, agitava-se animadamente em todas as direções. 

— Sim, o que há? — perguntou o Senhor Samsa, que lhe merecia mais respeito do que os outros. 

— Bem — replicou a criada, rindo de tal maneira que não conseguiu prosseguir imediatamente —, era só isto: não é preciso preocuparem-se com a maneira de se verem livres daquilo aqui no quarto ao lado. Eu já tratei de tudo. 

— 0 Senhor Samsa e Grete curvaram-se novamente sobre as cartas, parecendo preocupados.Percebendo que ela estava ansiosa por começar a delatar todos, o Senhor Samsa interrompeu-a com um gesto decisivo.

Não lhe sendo permitido contar a história, a mulher lembrou-se da pressa que tinha e, obviamente ressentida, atirou-lhes um — Bom dia a todos — disse e girou desabridamente nos calcanhares, afastando-se no meio de um assustador bater de portas.

— Hoje à noite vamos despedi-la — disse o Senhor Samsa, mas nem a mulher nem a filha deram qualquer resposta, pois a criada parecia ter perturbado novamente a tranquilidade que mal tinham recuperado. Levantaram-se ambas e foram-se postar à janela, muito agarradas uma à outra. 0 Senhor Samsa voltou-se na cadeira, para as observar durante uns instantes. Depois dirigiu-se a elas: 

— Então, então! 0 que lá vai, lá vai. E podiam dar-me um bocado mais de atenção. — As duas mulheres responderam imediatamente a este apelo, precipitando-se para ele e acarinhando-o, após o que acabaram rapidamente as cartas.

Depois saíram juntos de casa, coisa que não sucedia havia meses, e meteram-se num trem em direção ao campo, nos arredores da cidade. Dentro do trem onde eram os únicos passageiros, sentia-se o calor do sol. Confortavelmente reclinados nos assentos, falaram das perspectivas futuras, que, bem vistas as coisas, não eram más de todo. Discutiram os empregos que tinham, o que nunca tinham feito até então, e chegaram à conclusão de que todos eles eram estupendos e pareciam promissores. A melhor maneira de atingirem uma situação menos apertada era, evidentemente, mudarem-se para uma casa menor, que fosse mas barata, mas também com melhor situação e mais fácil de governar que a anterior, cuja escolha fora feita por Gregório. Enquanto conversavam sobre estes assuntos, o Senhor e a Senhora Samsa notaram, de súbito, quase ao mesmo tempo, a crescente vivacidade de Grete, de que, apesar de todos os desgostos dos últimos tempos, que a haviam tornado pálida, se tinha transformado numa bonita e esbelta menina. 0 reconhecimento desta transformação tranquilizou-os e, quase inconscientemente, trocaram olhares de aprovação total, concluindo que se aproximava a altura de lhe arranjar um bom marido. E quando, terminado o passeio, a filha se pôs de pé antes deles, distendendo o corpo jovem, sentiram, com isso, que aqueles novos sonhos e suas esperançosas intenções haviam de ser realizados.

FIM




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A Metamorfose
de Franz Kafka de Franz Kafka

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