sábado, 3 de dezembro de 2016

Série Filho do Pai e Pai do Filho: A Triste Partida

Luiz Gonzaga





Já tamo em dezembro. Meu Deus, que é de nós? 
Assim fala o pobre do seco Nordeste, 
Com medo da peste, Da fome feroz 












A triste partida* - Patativa do Assaré**



Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.

A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá.

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.

Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!

Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.

Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.

Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.

Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.

O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!

No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, o coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:

- De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!

E a linda pequena, tremendo de medo:
- Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.

E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.

Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.

Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode, só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.

Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!

Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su.







**Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com D. Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel. Patativa do Assaré era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil. Para chegar onde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. "Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão", declamava.


 

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