sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 15 – O governo da marquesada... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 2
a reação da nacionalidade




§ 15 – O governo da marquesada... 




Referindo-se à administração dos negócios do Império, por todo o período 1823-31, o insuspeito Armitage não encontra um motivo para elogios. Num certo momento, taxa a gestão financeira de – péssima; noutro, qualifica de despótica a política; noutro, de inepta a administração. Finalmente, generaliza: “... a notória imbecilidade da administração...”86  Depois: “Os ministros de 1827 


86 Op. cit., pág. 136.


excederam os outros em incapacidade administrativa...” Ora, esses outros são aqueles que ele qualificara nos termos transcritos. A seguir, até 1831, as incapacidades se acentuam. Em 1829, podia a Aurora resumir assim os seus moderados ataques: “Em seis anos, os ministros de Pedro I conseguiram o que os ineptos ministros de D. João não puderam fazer em doze – elevar a mais de 140 milhões a dívida pública”. Impulsivo e dissimulado, D. Pedro dava os seus ímpetos feios de malcriação, e os tresvarios de inconsequente, para veículo da estúpida maldade dos seus ministros. Ao abrir a sessão de 1829, confessa, com o desembaraço do irresponsável – duplamente irresponsável, que o estado do país era calamitoso: “... de um golpe, destrua a Assembleia, a calamidade, e melhore as desgraçadas circunstâncias do Império...” No fim da sessão, sem modos, e sem espírito, pensa afrontar a Assembleia com a despedida lacônica: “Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação Brasileira. Está encerrada a sessão”. Se ele pudesse compreender, se algum dos seus marqueses lhe soubesse fazer a lição do quanto se amesquinha um poder, no uso de tais recursos!... O inglês, testemunha de vista, sintetiza o conjunto da situação: “A administração e o chefe do poder executivo caíram em tal descrédito, que as insígnias honoríficas concedidas pelo imperador eram olhadas, mesmo pelo partido moderado, mais como objeto de opróbrio, que como distinção invejada”. 


Não havia remédio possível, para o Brasil do império de Pedro I. José Bonifácio, em renovada dedicação pelo filho de D. João VI, aconselhou-lhe a formação do gabinete parlamentar-nacional – de Barbacena, Calmon, Caravelas... Essa gente, porém, não seria capaz de corresponder às verdadeiras necessidades do Brasil, nem mesmo para calmar os zelos da nacionalidade maltratada. É o próprio andradista Drumond quem informa: “... apesar de todos os esforços, o ministro não pode gozar da confiança pública, nem da maioria da Câmara dos deputados”. A prova de que Drumond tinha razão está em que, pouco depois, pôde o imperador despejar, acintosamente, o maioral deles, Barbacena, sem que a situação de confiança se alterasse, em nenhum sentido. Pedro I voltou, então, aos seus marqueses, no mais genuíno deles, Vilela Barbosa, formando o royal street – Paranaguá, Baependi, Aracati, Conde de Lages, Visconde de Alcântara... irritante emético, para uma náusea que só terminou a 7 de abril. 

Nunca será demasiado insistir: a política, a administração e as finanças do Brasil eram as daquele Estado implantado, aqui, pelo filho de D. Maria, a louca. Ele o criara, como criou o célebre banco, a que, em poucos anos, a nação veio a dever mais do que o capital instituído para todo o giro. Com o tempo, as finanças se desenvolveram, nessa mesma proporção. José Bonifácio, para honra sua, e do irmão, foi, intransigentemente, infenso a tais finanças – “Nem empréstimos externos, nem mais dívida ao Banco”. E o faustuoso filho de Carlota Joaquina teve mais esse motivo para desterrá-lo: ficar livre, para usar das finanças do Brasil. Em 1824, “... um empréstimo de 4. 000. 000, a 85%, havia sido todo despendido, e mais seis milhões de cruzados de moedas de cobre, cunhadas pelo quádruplo do valor, e 10. 000. 000 de cruzados de notas do banco, tomadas por empréstimo”. São dados havidos do relatório do Marquês de Baependi, ministro de então. Para que a estupidez fosse completa, o governo, em vez emitir diretamente, pedia ao banco, emprestadas notas sem lastro, por ele emitidas, e pagava juros. Nesse andar, em 1828, o governo devia ao banco mais de 19. 000:000$000: quase o triplo da receita anual do Império. Aliás, ninguém tem o direito de afirmar que a dívida fosse essa, ou metade, ou o triplo: a escrita do banco não dava a cifra exata, nem aproximada, da emissão. Segundo a sua contabilidade, devia haver, em circulação, seis notas de 500$000, e apareceram sessenta. Os empregados do banco retiravam os maços de notas, passavam-nos para o bolso, e a polícia não os incomodava. O banco era particular e oficial, sem ser, devidamente, nem uma coisa, nem outra. E a situação se reproduzirá ao longo da vida do Brasil. A dívida total do país, a aceitar os cálculos dos financeiros responsáveis, era, em 1817, de 7 vezes a receita anual; o déficit anual equivalia à mesma receita: 6. 000:000$ para 7. 000:000$000. Em 1829, Bernardo de Vasconcelos, o futuro organizador do partido conservador, já implacável adversário de Feijó, apesar de tais qualidades, próprias para aceitar as finanças de Pedro I, clamava: “... o Brasil é a nação em que se paga mais impostos, havidos com uma arrecadação que consome 50% da receita... Gasta faustosamente, prodigamente...” Ele dizia isto para os de então ao mesmo tempo que afirmava: “Em São Paulo não há imprensa, não há livros à venda, a não ser algum catecismo da doutrina cristã”...87


87 Cartas aos Mineiros...


Bancarrota e ignorância, tal se tem de sintetizar o governo da marquesada. Se fossem, apenas, os milhares de contos! E o sangue?!... Para deixar o nome brasileiro humilhado, suspeito e odiado pela gente do Prata, o Império despendeu 120 milhões de cruzados e sacrificou a vida de 10. 000 brasileiros. E não se conta, aí, o muito que foi pago como indenização, por efeito do inepto e covarde bloqueio de Buenos Aires. Se há um caso destacado, na nossa história, é o dos tristes sucessos militares, ao Sul, desde a fundação da Colônia do Sacramento. Neles, como valor essencial, a política dos Braganças, sobretudo na segunda fase (campanhas da Cisplatina até a guerra do Paraguai) foi um supérfluo de vergonha, mesmo para a linhagem de reis, que começa nas torpezas de D. João VI, e acaba nos refugos deixados em vida pelas revoluções mansas... Supérfluo de vergonha que, sendo genuinamente da torva dinastia, maculou toda a história do Brasil independente. No entanto, bem apreciadas as coisas, a nação brasileira, escoimar-se-ia das grandes culpas que foram aquelas guerras... Armitage o atesta: “Os brasileiros não tinham nenhum entusiasmo pela campanha Cisplatina”. José Bonifácio, que não era nenhum sonhador ou utopista contra as guerras, chama-a “a bestial guerra do Sul”.88  Tudo concorria para essa repugnância – pela campanha em que se continuava o imperialismo do grande guerreiro D. João VI: a história de misérias e desastres ligados às guerras do Sul; as insídias e embustes do casal – Carlota e D. João, para empenhar o Brasil naquele formigueiro... Em Sarandi, o exército brasileiro, veterano de campanha, é totalmente batido; perde a vida a metade dos homens, e quase todo o resto é aprisionado; vence-o, assim, um bando de patriotas gaúchos – os 33 companheiros de Lavaleja, que tinham crescido, à medida que, na estratégia dos Lecor e Barbacena, minguava o valor dos imperialistas. O desastre de Ituzaingo foi mais lastimável, sobretudo pela inépcia patente do general. A campanha no mar mereceu de Vergueiro a crítica cortante:

Não conta este Império, que dispõe de recursos muito superiores aos de Buenos Aires, senão, derrotas, quando os seus inimigos se vangloriam de repetidas vitórias, por terra e por mar. As fragatas e corvetas brasileiras... não sabem bater o inimigo muito mais fraco; sabem só fazer presas em navios de comércio neutro; não exterminam os corsários e piratas; sabem somente agarrar embarcações pacíficas, e que se não defendem por não terem armas...89

Nesse tempo, a Banda Oriental castelhana, continha apenas três cidades, entre as quais a de origem portuguesa – Colônia do Sacramento: ao todo uns 80. 000 habitantes. E o Brasil bragantino,


88 Idem. 
89 P. da Silva, 2º Período, pág. 40.


que a ocupava e dominava, não conseguiu absorvê-la e abrasileirá-la, apesar dos milhares de brasileiros que ali se estabeleceram. 

Ao imperador, mais importava a sabujice do Cabido de Montevidéu, que os verdadeiros interesses do Brasil, que se carregava de ódios. Iníqua, essa campanha nunca nos pôde trazer territórios livres, nem populações nacionalizáveis. Os infelizes orientais, entre as insídias de Pedro I e os seus ministros, a tirania de Lecor e a miséria de ânimo do seu cabido, eram tratados como conquista de Braganças: “Desde a primeira ocupação de Montevidéu pelos portugueses, nenhuma obra pública havia sido empreendida”.90  Tal domínio, no próprio solo onde nascera o patriotismo platino, deu-lhe alma para um dos mais sublimes exemplos do nacionalismo sul-americano. Ao heroísmo de Lavaleja, o Império do Brasil respondeu com os seus Laguna e Barbacena, e mais a promessa de três contos de réis pela sua cabeça, ao traidor que o assassinasse. Não apareceu nenhum, para corresponder à infâmia. E a nação de Zebalos teve motivos de justo ódio: o mal que o governo do Império calmamente acumulava sobre a pobre nação, torturada pelas discórdias internas, obrigada a defender-se contra a nação mais poderosa do continente. O bloqueio de Buenos Aires foi um desses abusos de força, em que os que se supõem poderosos se desonram... O governo do Rio de Janeiro preparava uma situação de desgraça para Buenos Aires, certo de que os argentinos viriam a suplicar a paz. Desde declaração da guerra, o banco nacional suspendeu pagamento, e a guerra civil esteve a desencadear-se.. Inépcia, a agravar a injustiça: o resultado, para o Império de Pedro I, foram as tristes derrotas infligidas por Brown, as insolências de neutros poderosos (Roussin), e as grandes somas tiradas do magro tesouro brasileiro, para indenizar os mesmos neutros. Finalmente, a nação brasileira ansiava pela paz, esgotada, envergonhada de tal campanha; mas os portugueses e ingleses


90 Armitage, op. cit., pág. 101.


mercantis do Rio de Janeiro, a fartarem-se nos negócios da guerra, não permitiam que a paz se fizesse. Foi preciso a premência dos negócios portugueses, para que Pedro IV de Portugal se decidisse a aliviar-se da guerra do Sul, e procurasse, agora, fazer a paz a todo custo. Em todo caso, devemos à desastrosa guerra do Sul, um benefício: concorreu para conter o ímpeto de Pedro I, em fazer-se ostensivamente absoluto imperador – de um Império Lusobrasileiro. Vencedor, ali, tão forte se sentiria, que teria ido ao cabo do plano...




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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O Brasil nação - v1: § 16 – A propaganda dos republicanos - Manoel Bomfim



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