domingo, 18 de dezembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 16 – A propaganda dos republicanos - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 2
a reação da nacionalidade




§ 16 – A propaganda dos republicanos




Sacrificada a Independência aos interesses bragantino-portugueses, vimos os respectivos próceres empenhados, não em assegurar a soberania do Brasil, mas em impedir que a nação se orientasse no sentido suas tradições, para realizar a verdadeira independência – com a república. O triste desastre de dezessete foi uma multiplicada desgraça por si mesmo, e porque serviu de aviso aos Braganças, para que preparassem a independência para si, evitando a república, condição essencial na separação necessária. A constituição da nação brasileira em pura democracia republicana não era simples possibilidade, a ser hábil e silenciosamente afastada: era uma aspiração patente na alma do Brasil, até então; era a tradição do Brasil, em ensaios de emancipação.91  Todos eles, dos que tomaram parte na independência de 1822, sabiam que o desfecho dela seria a república, e, explicitamente, a combateram. É isto que está nas manifestações públicas, e, sobretudo, na atividade subterrânea. Um escritor português, de 1821, deu o grito de alarme: “a revolução do Brasil está em parte verificada... Circulam por lá ideias de confederação republicana.”92


91 O Brasil na História, § 48.

92 F. L. da Veiga, Primeiro Reinado, pág. 19. 


Na mesma época, Silvestre Pinheiro escreve a um amigo “... Esse partido (Republicano), que é o maior e o da máxima parte, ficando o príncipe, havia de começar por lhe prestar obediência, porque feita assim mais facilmente a separação de Portugal, tanto mais fácil lhe ficava derribar a nascente monarquia”.93  Armitage, que alcançou o Brasil dos independentistas, e a estes conheceu pessoalmente, dá o testemunho: “... os sustentadores fanáticos da legitimidade (absolutistas portugueses) alistaram-se na causa dos patriotas independentistas, pensando que... preveniam que para o futuro se fundasse no Brasil um governo republicano”.94  José Clemente, o mais inteligente e eficaz representante da atividade portuguesa na independência não teve meias medidas, quando veio trazer a deixa, para o Fico: “V. A. R. não ignora que o partido republicano aí está, e, fará por si a independência, se não a empolgamos...” Por sua vez, as cortes, nas suas vozes mais representativas, deram o testemunho: “As tentativas de independência eram de republicanos, que no Brasil fomentavam a desorganização...”, diz o Sr. Ferreira de Moura, em junho de 1822. Em face de toda a documentação com que trabalhou, o Sr. A. Viana não hesita em concluir: que se Pedro I não se apressa em fazer o gesto de 7 de setembro, seria proclamada a República: “... a demagogia (os republicanos) haveria empolgado a situação, e mais uma república teria surgido”. 


93 Cit. de Ausricliano de Carvalho, I, 581. 
94 Op. cit., pág. 29.

Os historiadores a serviço dos Braganças podem negar-lhes importância, aos republicanos, ou, mesmo não lhes citar os nomes, mas todos afirmam a existência, em 1821-22-23, de contingentes republicanos, entre os brasileiros desejosos de soberania nacional. Alguns desses republicanos teriam cedido a motivos plausíveis, ou não bem confessáveis... mas existiam. Muitos, o maior número, só mais tarde teriam cedido. Drumond, comparsa na representação da independência andradina, afirma que, no correr dos sucessos, em 1822, o partido republicano minava abertamente o trabalho de José Bonifácio “... no sentido de fazer-se a República”, e reconhecia que eles, os republicanos, estavam “em toda a força do seu direito, porque tratando o Brasil de se constituir, a seus filhos pertencia escolher a forma de governo...”95  Não admira, por conseguinte, que, traçando o quadro político de 1823, tenha, Varnhagem, notado os sentimentos monárquicos como muito abalados.96  Em referência a essa mesma época, consigna Drumond: “Os republicanos procuram aproveitar a perturbação causada pela dissolução em todo o Brasil, para expulsar dele o imperador e fundar a República...” “E é das suas páginas mesmo que vem a convicção: a república era, finalmente, uma aspiração da nacionalidade, a sua propaganda uma expressão de reivindicta contra o português. Armitage, por sua vez também dá pela presença dos republicanos. Não cita nomes, mas repete a história – a trama para o assassinato de Pedro I, motivada pelo receio que tinham os Brasileiros de que ele intentasse reunir o Brasil a Portugal. A denúncia do historiador inglês não prova a conspirata, mas reforça as provas de que os republicanos brasileiros estavam atentos... 


95 Op. cit., págs. de 30 a 65.  
96 Drumond afirma que, em 1821, o Cônego Barbosa ainda tramava a República. (págs. 32 e 53).


Durante todo o curso da negociação do reconhecimento, combinado e arranjado pelo governo inglês, o argumento soberano de Canning, para a gente da Santa Aliança, e para o governo português em especial, era o de que; se criassem qualquer dificuldade à monarquia coxeante de Pedro I, era um dia... e os republicanos fariam a verdadeira independência. Por sua vez, o representante especial do governo inglês na negociata do reconhecimento, presente no Rio de Janeiro – Charles Stuart, teve de reabrir os olhos aos emperrados do gabinete de Lisboa: “Não forcem a nota, porque os brasileiros que, em 1822, obrigaram o príncipe a fazer-se independentista, para salvar o seu quinhão na coroa, agora, são capazes de fazer a república, se vocês os irritam...” O próprio governo admitia (em 1826) – que os republicanos eram de temer, tanto que, pela sua imprensa, não cessava de os combater e infamar (v. as coleções do Diário). E o número de republicanos tendia a aumentar. Armitage consagra o fato, quando censura o governo de 1826, pela prodigalidade estulta com que criava marqueses e barões: “... jocosamente, observavam os próprios monarquistas que essas promoções honoríficas produziram mais republicanos do que todas as maquinações dos democratas”. Um dos republicanos a contar é o sincero democrata Cipriano Barata. Armitage, apesar de todo o seu monarquismo bragantino, depois de o citar como republicano, transcreve, em nota, o artigo em que Barata atacava o governo de Pedro I, quando José Bonifácio criou, para glória do seu augusto amo, a Ordem do Cruzeiro: “O imperador é um cidadão, que é imperador por favor nosso, o chefe do poder executivo, mas, nem por isso, autorizado a arrogar-se e usurpar poderes que pertencem à nação... O Brasil deseja ser bem governado, mas não submeter-se ao domínio arbitrário”. Barata é o republicano que já vem da revolução baiana de 1799, de Manuelzinho. Chegaram a condená-lo à morte. Outro a destacar, e que deu dezenas de anos, em porfiada dedicação republicana, é o célebre jornalista Borges da Fonseca. Não o iludiu a independência de José Bonifácio; radical, oposicionista ao arranjo, foi perseguido sempre pelos sucessivos governos do Império, até cair sob as balas dos soldados de Tosta, na Revolução Praeira.





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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