quinta-feira, 8 de junho de 2017

O Brasil nação - v1: § 37 – “Conciliação”... para o usufruto... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 4
o definitivo império do brasil







§ 37 – “Conciliação”... para o usufruto...




Refeito o bragantismo, definitivamente composto no golpe de 1840, firmado com as vitórias de 1842 e 48, compreenderam os mais legítimos dos seus comparsas que não havia razão para aquela divisão de hostes, a arrastar o trambolho dos respectivos programas, e, com desembaraço idêntico ao de Vasconcelos ao pronunciar o regresso, disseram conciliação. Como no caso da interpretação, a ideia foi de Hermeto, fecundando a gravidade de Olinda. Conta José de Alencar que a conciliação veio para suceder à camarilha... Nada mais lógico: a Aureliano-Vilela Barbosa, sucede Carneiro Leão, puxando Araújo Lima. O poeta do Guarani dá o seu parecer:


... conciliação, ideia insinuante, que, sob pretexto de aplacar os rancores da luta, coava no seio dos partidos o filtro da corrupção... A dissolução geral dos partidos, a dissolução dos princípios que nutriam a vida pública do Brasil é o que se convencionou chamar de conciliação, termo honesto e decente para qualificar a prostituição política.


A ideia luziu em 1851, como ensaio de Eusébio de Queiroz, e teve pleno fulgor de realização em 1853, com Paraná, que “... falando ao interesse pessoal, prometendo elevadas posições, excitando a cobiça etc., conseguiu famosas transformações...” Uma das tais famosas foi a do democrata do libelo do povo, que se elevou a Inhomirim. José de Alencar, como o liberal-republicano Saldanha Marinho, insiste em deixar com o imperador a responsabilidade da conciliação. Certamente foi ele quem mais lucrou, na obra de prostituição dos partidos; mas é inegável que nada teria o imperante conseguido se não encontrasse a carne pronta a prostituir-se.

Nascida de embustes, nutrida de mentira e traições, a política nacional, de passagem pela conciliação, chegou àquela situação (em 1860), que Landulfo enquadra nestas linhas:


... as crenças pela ação dissolvente dos interesses pessoais se dissipam das consciências; o desânimo se apodera do espírito público e faz suceder, às crenças fortes, um pessimismo desconfiado e pusilânime, que condena o presente sem ter confiança no futuro; tudo se julga pela medida do interesse; a ninguém é lícito a pretensão de exceder a mediocridade; toda aspiração generosa é loucura, todo cálculo ignóbil, sem merecimento e sem lustre – a suprema habilidade... o espírito popular, cruelmente desiludido, descrê de tudo, e lança às aventuras do porvir a derradeira esperança... 154


De fato, no desenvolver dos sucessos de então, verifica-se o só estímulo dos egoísmos, a ausência absoluta de qualquer ideal vivificante. Nos processos, uma dignidade convencional, por sobre o vazio do pensamento, com a secura de coração dos insinceros. Destarte, a política se caracterizava em negação ativa. Pátria, fé dos seus destinos, nobreza de propósitos, caráter nas afirmações, entusiasmos de intuitos, sequência confessável de ação... não intervinham no proceder dos governantes. Chegada a nação a essa atividade torva, Tavares Bastos repetirá, como lamento: “A indiferença mata o vigor do espírito. E há indiferença moral, política e religiosa maior do que a que estamos observando?...155 

A conciliação, prostituição para José de Alencar, fora obra de Hermeto, diz-se, por inspiração do trono; chefe de governo, após a morte inesperada de Paraná, Olinda declarou, no próprio ato


154 Op. cit., págs. 37 e 60.

155 Op. cit., pág. 37.


de apresentar-se ao Parlamento: “Venho continuar a conciliação, pensamento augusto, necessidade proclamada do alto do trono...” No entanto, de tal modo se acentuou a subserviência e o servilismo, que esse mesmo Carneiro Leão já não podia dobrar o cangote na medida do que se lhe exigia: teve de sacudir o lombo, e, assim, passou à história como um representante da hombridade política no segundo Império. E, como não bastasse a conciliação de Paraná, veio Olinda completar-lhe a obra de deliquescência, com o seu famoso partido progressista. Não era nenhum partido, senão um bando deles, sôfregos pelos proventos do poder, prontos a formar gabinetes – para Pedro II governar e administrar à vontade. Era uma turma de descaracterizados, ostensivamente indiferentes a compromissos, indiferentes, mesmo, ao letreiro com que entravam no governo. Só faziam questão de serem os preferidos. Hermeto, apesar das aparências, era sincero quando proclamava implicitamente a desnecessidade de dois partidos, se eram todos UM; mas também mostrou desconhecer os companheiros em redor do poder. Olinda, mas experiente e matreiro, foi quem soube achar o que mais convinha à política do tempo: conservou o nome de partido, separando nele os mais utilizáveis, fosse para o que fosse. Nesse período, que foi a expressão pujante e definitiva do segundo Império, esse ganhou tanta força que se atirou a grande guerra exterior, de extermínio. Sobre a nação abandonada, emergiu, e definitivamente se firmou, o poder efetivo e único da coroa. Foi o período da grande obra – de cristalização da soberania nacional na vontade do soberano. Foi uma cristalização viva, e que teve de fazer-se em águas turvas: a política tem aquela aparência de barafunda – nove anos, de 1857 a 66, em que se organizaram e viveram 10 ministérios. Foi quando Zacarias, por um tanto coerente, não arranjava liberais para constituir um gabinete, se bem que tivesse por si o ânimo e a eloquência de José Bonifácio, o moço, ao passo que Olinda, deserto de ideias e de convicções, organizava ministério liberal, juntando a mocidade de Sinimbu à senilidade trêfega de Holanda Cavalcanti. Em 1867, justamente, prosperou e definhou o último governo de progressistas, liberal in nomine, veementemente combatido pelo que restava de legítimos liberais. O imperial capricho havia exterminado, quase, um povo americano, como havia sacrificado a vida de centenas de milhares de brasileiros em plenitude de forças; o surto para a liberdade renovava-se; a miséria da política já cansava os ânimos, como entenebrecia os horizontes; e abriu-se um novo período na vida da Nação brasileira, em expressões que divergiam cada vez mais, em renovado conflito, de formas e de intuitos; era para a miséria que se agravava, o esforço de redenção peremptória.




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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