segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

histórias de avoinha: vosmecê é tão humana

mulheres descalças


vosmecê é tão humana
Ensaio 116B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


a preta mina num se mexia, tava dum jeito mexida com a aparição do sargento infante qui num tinha como sabê se ela garrava a jarra pra num caí ou se a jarra garrava ela em pé

Eufrásia! Eufrásia! Acorda, negrinha! Tu parece que está num transe de criolo.

o castigo num é brando nem dá mimo pra pretu qui foge pra sê quilombola. num é falta de vontade qui num deixa ela fugí, mais é a falta de jeito qui ela acha qui num tem pra vivê fugindo, ela num qué vivê fugindo, tem relutância pra tê mais dô e sofrimento no caminho da fuga

a preta mina sabe qui pra fugí vai tê qui tá mais inflamada, ela se conhece, decidiu resistí e tê paciência. vai esperá inté o último caso pra dá o salto pra fuga. num qué nehuma força emprestada, Eu quero ir embora, tê uma qui otra coisa, num preciso tê munta coisa. E o abicu deve tê razão em pensá qui sô fraca, mais fugí tá fora das força qui tenho. Eu num sô feliz, mais acostumei ficá sem vontade de sê feliz. É mais sossegado vivê assim. Eu já nasci sem fé na vida.

num tem ninguém pra deixá pra tráis nem tem medo do acerto ou mal-entendido qui pode dizê qui ela é covarde. aprendeu admití seu sofrimento calada, a amargura e o desgosto num matô seu curação, mais feiz nascê otra muié, pôco em pôco. os dono de tudo sabe qui pra dominá num precisa tê apressamento, mais precisa tá atentado prus sonho qui num pode deixá aparecê nas cabeça calada. assim, a alforria é a última vontade de sonhá da preta mina

a muié qui busca a alforria

sabe qui vai precisá dos favô e da benquerença do muriquinhu pra tê essa alforria de papel passado. ela sonha com o dia qui ninguém vai podê doá ou vendê seu corpo. aprecia oiá pra longe no tempo da frente e vê o dia qui sua vida só vai tê interesse pra ela

é de muntu antes de hoje qui ela começô negociá

A siá Jojô, sua mãe, tá com visita.

o guri infante passô pela preta mina sem respondê, ele tumbém sabia qui ela pertencia aos bens do casório da mãe com o pai. parô nos passo qui dava e voltô os oiô pra eufrásia

Ninguém me responde como eu quero. Só você... Eufrásia.

chamô mais uma ou duas veiz a mãe. inté qui ela respondeu os chamado

Estou aqui com as meninas! Venha, meu filho amado!

as palavra pode sê só palavra oca qui num consegue colocá as coisa no lugá certo do curação. na maioria das veiz, o curação aprende esquecê as palavra oca, mais pra fazê isso precisa arrancá os pedaço da esperança, jogá fora pelo caminho... e qui os demônio carregue o fardo da descrença de qualqué felicidade

o moleque com a calça arregaçada acima dos joêio, atiradêra garrada na cintura da calça, o saco de pano amarrado na corda da calça com as pedra pra uso na atiradêra, saiu da cozinha e deu dois passo no quintal dos fundo, num soltava a sissal presa na mão

a mãinha do moleque cuidava das suas trêis menina no fundo do pátio, Venha até aqui, filho amado. Venha abraçar as mimosas da mamãe... meninas, o maninho chegou...

ela num deixava faltá nada pras mimosa. dona jojô é uma boa muié, bunita de se vê, ri docemente, parece sempre satisfeita, aborrecida dentro das boa medida. mais quem num carrega um pedaço das burrice afetuosa? ela gosta de repetí qui num tem duqi tê arrependimento nem duqui odiá, muntu atenciosa com as trêis fia, um amô qui foi contecendo sem ela percebê, crescendo dentro do vazio, Nem preciso mandar Eufrásia limpar o pátio, elas esgravatam tudo. Lindas e tão eficientes. O único cuidado é cercar a horta da Eufrásia, algumas verduras, tempêros e legumes que ela faz questão de cultivar. Eu adoro tanta dedicação. Assim, nos seus momentos de folga, ela tem o que fazer. É bom para se manter ocupada. Mas não é da Eufrásia que eu quero falar... o que era mesmo... ah, sim... a limpeza do pátio, mas não é só isso, elas são poedeiras de mão cheia. Todas as manhãs, a Eufrásia recolhe ovos lindos com gemas áureas, um dourado fulgurante e convidativo. Queridonas, são tão carinhosas, muito amistosas. Sinto-me bem com elas, minha solidão se sente acompanhada. Adoro oferecer meu colo ou ficar vagando pelo galinheiro. Dou risadas quando me dizem que as galinhas não podem ser domesticadas. Escuto em silêncio tanta ignorância, mas faço questão de mostrar a Perpétua, a Felisaberta e a Anatleta.

Joana, eu também gosto muito dos bichos, vosmecê sabe, e mais num disse, a amiga num lhe pediu nehum ensinamento ou orientação, ela num se sentiu à vontade pra dizê qui nunca se deve dá prus bicho mais qui os fiu teve. então, fingiu qui tava tudo dito

siá jojô desviô a atenção das trêis galinha pra oiá sua visita

Gegê, eu não suporto nenhuma maldade com as coitadinhas.

a visita precisô sê pulícia dela mesma, pra num fazê um oiá depreciadô, um muxoxo de nojo, um gesto de pôco caso com as mão enquanto os pensamento lhe devorava, Joana, como você pode com isso tudo, logo você que tem tudo, um maridão, um filhão, precisava tê cuidado com os pensamento e as palavra dita, num podia se misturá

Eu também, Jojô. Mas matar para comer não é a mesma coisa. Não chega a ser maldade.

dona joana oiô calada pras trêis galinha qui agora ciscava e cacarejava no pátio, depois oiô pras suas botas, antes de oiá pra visita e puruguntá

Comer minhas três meninas?

dona georgina sabe qui num pode tê sua amiga ressentida nem se atreve contradizê a adulação com as penosa, ela feiz um gesto em direção da siá jojô qui num notô, pelo menos, num deu importância

Que ideia! Não foi nada disso que eu lhe disse. Claro que não, Jojô! Não tive a menor intenção. Quis dizer que matar os animais pra comer é aceitável, diferente de fazer alguma crueldade para divertimento.

as duas pareceu se oiá com clareza durante um instante, mais logo passô

É agradável falar com vosmecê, uma mulher tão sincera e com tanta consideração. Também gosto de uma carne bem assada, hum... bem temperada... o João Manoel faz um assado...

a mimosa perpétua qui tava ciscando pulô nos braço da dona jojô

Você viu, Gegê? E tem quem diga que os animais não compreendem. Não têm alma, virô as vista pras duas mimosa qui continuava esgravatando o pátio, Mamãe não estava falando de vocês, minhas queridas, ficô agachada com a perpétua nos braço, Não precisam ficar nervosas. Coitadinhas...

Mãe!

Filho...

levantô da posição de galinha, a chegada do fiu pareceu desorientá dona jojô, Venha cumprimentar a tia Georgina. Estamos aqui no galinheiro!

a siá georgina é a meió amiga da siá jojô, pelo menos, é no qui ela credita. quando uma das otra amiga, qui no modo de vê da siá gegê num é munta amiga nem as meió, vem fazê visita, num é difícil pra ela imaginá as conversa qui começa na sala e acaba no quintal dos fundo, Estão lindonas, vosmecê não acha? Pegue uma no colo, Não, obrigada, Olhe aquela fazendo pose. A Perpétua é uma exibida.

É um amor, Jojô!

Eufrásia! E a limonada?! Traga também algumas frutinhas: araçá, cereja, pitanga... traga as frutinhas que temos em casa.

Não precisa, Jojô.

Vosmecê gosta de frutas silvestres? E mel? Temos mel, também. Não esqueça o mel!

Não precisa, Jojô...

quantas vontade siá georgina deve tê qui diz num tê e a siá joana num puruguntava pra num tê qui compreendê ou aceitá. é mais fácil oferecê limonada e frutinha. a visitada se aproximô da amiga-visita com a perpétua nos braço e sussurrô duas ou trêis palavra

Georgina, as meninas ficam desanimadas quando uma recebe elogios e as outras não. Gegê, por favor, elogia as outras.

a amiga-visita continuava parada com a estranheza da aparição das palavra e a negociação qui precisava tê com sua meió amiga

Mas, Jojô...

dona joana num disse, mais queria tê dito qui metade das fofoca no mundo vem da ciumêra, a otra metade fica na volta do assunto sobre quem durumiu com quem

Gegê, por favor. Esse galinheiro é uma ciumeira. O João Manoel já disse que é tudo minha culpa. É muita paparicação. Mas não é, não. É a auto-estima. Minha querida, pense como deve ser difícil ficar em um corpo de galinha, sabendo que você é linda, perfeita e põe os melhores e maiores ovos. A minha missão é amenizar esse sentimento de desamparo e desânimo, distrair as meninas, aliviar a dor que elas sentem.

Está bem, Joana, sussurrô de volta a amiga-visita, depois jogô sua atenção abençoada sobre felisaberta e anatleta, Vocês também são uns amores...

siá joana abriu um sorriso tão grande e iluminado quanto a descida do sol no guaíba

Querida, obrigada. Não troco as três, por nada. Fico encantada. Não, não é isso. Eu fico magnetizada observando-as. Aprendo tanto, às vezes, acho que prefiro estar com elas. Não suporto gente cruel e falsa.

dona jojô pareceu chorá, mais gegê num quis tocá mais no assunto

Realmente, as três estão lindonas e cheirosas.

siá joana soltô do colo as menina e ficô observando as trêis cacarejando

Elas são lindas, né? Mas também, comem ração de milho esfarelado no pilão. A Eufrásia faz tudo com muito carinho.

Só ração de milho?

Não, claro que não. Elas recebem também as comidas da família.

E sobra muita comida?

Não! As minhas meninas comem o que sai das panelas para nossa mesa. As sobras das comidas da mesa e do galinheiro faço a Eufrásia dar para um ou outro negrinho. Eles sempre batem na porta pedindo comida. Sinto uma pena. Gosto de ajudar, parô pra respirá, regulá os sentimento, depois da pequena parada a voz voltô ficá mais calma, O João Manoel reclama, repete que estou acostumando mal os negrinhos... vão crescer vagabundos... mas eu acredito que enquanto eles estão pedindo não estão roubando.

Ai amada, desculpa. Vosmecê tem um coração de ouro.

Bobagem, minha amiga. Rir junto quando todos estão rindo é fácil, mas é preciso não esquecer de chorar com os que choram...

Isso é um dom, Jojô. A verdadeira caridade começa por si, servir é um dom. Vosmecê é tão humana.




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