domingo, 25 de fevereiro de 2018

O Brasil Nação - v1: § 46 – E a ignorância pública expande-se... – - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 5
o acervo do império




§ 46 – E a ignorância pública expande-se...



Tudo computado, se se coloca o Brasil de 1840-1888... em face do mundo, verifica-se que a Nação involuiu, pois que aumentou a distância entre a frente de progresso dos outros povos e aquela em que nos encontrávamos ao findar o século. Sufocada pela metrópole bragantina do século XVIII, era a colônia-Brasil a parte mais retrógrada do mundo americano, mais do que as colônias de Castela, onde já havia a imprensa, que já possuíam centros de grande cultura intelectual. No entanto, apesar disto, e dos efeitos de Coimbra sobre as mentalidades brasileiras que saíam para estudar, chegou a haver no Brasil inteligências excelsas como a dos Arruda, os Andradas, Azeredo Coutinho, Vieira Couto, Montenegro Pessoa, Bitencourt e Sá, Muniz Tavares, Cipriano Barata, Feijó, Martiniano de Alencar, Borges de Barros, Lino Coutinho, Alves Maciel, José Custodio, Eloy Otoni, José Joaquim da Rocha; Bispo Pereira Coutinho, Gonçalves Ledo, Sousa e Melo... Com todo o vírus da podridão em que existia, o governo de D. João VI fez com que o Brasil tivesse uma vida intelectual própria com desenvolvimentos sociais e políticos de tal monta que, dez anos passados, todos reconheciam ser impossível reduzir a nação brasileira, já exuberante em manifestações suas, à antiga condição subalterna, de colônia. Resultou daí a independência – manca, falseada desde logo, renegada depois pelo próprio príncipe que a explorara... Pouco importa: lançado a viver, o Brasil resiste a todos esses males e injúrias; expande-se e floresce, num vigor que, por ser essencialmente político, nem por isto deixa de ter acentuados efeitos intelectuais, jurídicos e sociais. E a portentosa reivindicação de 1826-31, até os lances decisivos de 7 de abril. A persistente crosta de bragantismo não pôde ser esfoliada, e, refazendo-se, quase anulou os efeitos de 1831. Contudo, tal era o vigor do Brasil de então, que aquela revolução, amesquinhada, sonegada, traída, ainda teve poder de realizar as únicas verdadeiras liberdades do regime constitucional, a rara grandeza jurídica nas instituições daqueles dias.

Foi naquela instância de formação que se criaram as escolas superiores, como se desenvolveu e se apurou o estudo de humanidades, por sobre um bem concebido esboço de instrução primária. E havia estímulo para organizarem-se institutos como o Histórico e Geográfico. Depois, tanto como se degrada a política, decai o mentalismo oficial. Fecha-se o pensamento sobre aquela estagnação, que é a decantada paz, revivescência e perpetuação do absolutismo colonial, desbotado em liberalismo frouxo e insincero, marcoaurelismo de fancaria, na caligem da política que tramava a turbação das repúblicas vizinhas, e até o crime da destruição de nações americanas. País onde a escravidão já era instituição condenada pelos homens de dezessete, e por todos os legítimos estadistas até 1835, o Brasil do segundo Império estimulou a importação de escravos, e viu crescer a infâmia, até aqueles dias de 1865, quando era crime pensar em redimir os desgraçados cativos. Por longos decênios, o país foi mantido na infâmia do trabalho escravo: viciava-se a produção, perdia-se o sentimento da liberdade, ao mesmo tempo que, em necessária correlação, mantinha-se a massa da população no mais ignaro analfabetismo. Em tais condições, ao cair o Império, letrado e liberal, apenas dois por cento dos brasileiros sabiam ler e escrever. Na própria cidade da corte, já o vimos, somente 9. 000 crianças frequentavam escolas primárias oficiais; havia um ano, apenas, que fora devidamente regulado o funcionamento da primeira escola normal – para a formação de professores primários. Pouco antes, em 1880, Félix da Cunha podia afirmar que “toda a instrução primária está reduzida à leitura elementar, às quatro operações e à cartilha da doutrina cristã”. Como realidade da vida pública, era aquilo a que Euclides chamou de estrutura artificial do Império, e que assim se cifrava: centralização, guerras no Sul, trabalho escravo, febre amarela, pobreza, e, como glória suprema, o liberalismo do príncipe.

Desprezava-se ignominiosamente tudo que diz com a verdadeira elevação mental, econômica e social da nação. Não havia instrução popular, nem profissional, nem centros de cultura desinteressada. Tudo se resumia na continuação das célebres escolas régias, trôpegos colégios de preparatórios, e as três escolas de intelectualismo técnico – medicina, direito e engenharia. Quando se pensa nas necessidades efetivas daquele Brasil, de 1850-1890, cheio de vigor e ansioso de progresso, a condição em que o Império o mantinha era realmente infame e desgraçada. O imperador tomava parte em sessões do Instituto Histórico, assistia aos concursos das escolas superiores, discreteava com os sábios europeus, complacentes e bem-educados... e isto devia bastar como preparo intelectual e formação industrial dos milhões de brasileiros, quando a realidade é esta, atestada pelos que consignaram as condições da época. Monsenhor Tavares, patrioticamente honesto e sincero: “... a instrução acanhada em todo o Império, por assim convir à política dos dominadores:...” Landulfo, que não pode contemplar a mísera condição do povo sem lembrar a sua bondade generosa: “... O povo brasileiro velou sobre o seu pupilo com generosidade única na história. Que fez, entretanto, pelo povo o tutelado do povo?...” Tavares Bastos, ao procurar os motivos da ignorância pública, faz ver que os lugares de mestre-escola só podiam ser aceitos por miseráveis, ou quem quisesse fazer deles absoluta sinecura: “Pois um moço, no Amazonas, ou no Paraná, ou em Goiás, que saiba ler, escrever, aritmética, elementos de geografia e gramática prestar-se-á a ensinar meninos por 36$000 por mês? De certo que não!” De fato, era esse o meio seguro de perpetuar a ignorância pública. E é o que o ingênuo liberal constata nas mesmas páginas:


... povo e miserável... não estranhemos... Sim, há uma coisa que se esquece muito no Brasil: é a sorte do povo... Fala-se de política... canta-se a liberdade... evoca-se a constituição do seu túmulo de pedra... a propósito de tudo, menos a respeito da sorte do povo. Enviam-se sábios a estudar a língua dos autóctones... mas não se manda explorar o mundo em que vivemos, não se observam os entes que nos rodeiam, não se indaga da sorte do povo.


Sousa Carvalho confirma tudo isto: “No Brasil as classes numerosas vivem na mais degradante servidão...” José de Alencar concretiza o real abandono das coisas da inteligência: “O Instituto Histórico foi uma associação notável; hoje se acha em manifesta decadência, o que prova contra a influência benéfica da proteção régia sobre as letras...”170

De tal sorte, com professores a 36$000, e todo o imperial mecanismo, o Brasil continuava a ser o reino do obscurantismo, cuidadosa e sistematicamente cultivado, para garantia eficaz do despotismo baço, subjacente ao liberalismo pessoal, contraproducente e hostil à formação democrática e à educação política da nação. Todo o incentivo ao pensamento não passava de repetida mentira, para a perpetuação da ignorância, reduzida a massa da população a hordas ignaras, aviltando-se de mais em mais, como acontece sempre que a vizinhança e o influxo da civilização se não orientam explicitamente para o progresso intelectual e o apuro moral.



170 Conta Melo Morais (op. cit., 52), que um ministro de Estado mandou vender em leilão, como papel de embrulho, a Flora Fluminense do frade brasileiro J. Mariano da Conceição, e em cujas estampas o Estado havia gasto 1.000.000 de cruzados. Esta façanha faz parelha às do fisco nacional, que, em 1860..., mandou confiscar, na alfândega, O Ladrão na Cruz, e a Cabana de Pai Tomás, por inconveniente à moral pública. No entanto, o confisco foi também vendido em leilão, e o público teve mais barato as mesmas leituras... Mais expressivo ainda é que o império nunca fez edição das obras científicas do Dr. Arruda Câmara, onde, no entanto, se encontram as primícias de observações e classificação rigorosamente científicas, de centenas de vegetais brasileiros, depois anunciados e classificados por sábios europeus. 




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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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