becos sem saída
(I) o descolocado
02bs – histórias desamarradas e borradas
baitasar
palavras ditas como uma vida curta sem começo e sem fim: uma vida sem motivo, mas que no seu tempo vai ser repetida, outra vez e outra vez, sem saber que sua vida era mais uma vida repetida para não existir, a miúda toma assento na grama amarelada da praça dos pedalinhos, ao lado uma imensa cruz de pedra, um cemitério de memórias
continuo escondido, mas escuto e vejo tudo, onipresente impotente, atento e prudente nos movimentos desafinados, ainda tenho medo de fogueiras e da cruz fincada no chão, uma cruz para lembrar que acoberta tudo, as lembranças parecem cercadas com fio farpado da eletricidade e das fogueiras
um tempo em que lembrar é proibido
permaneço atento, como sempre, aguardando pelo seu interesse. olho a miúda, o velho e aquele lugar, sinto que somos intrusos indesejados por aqueles e aquelas que não querem lembrar e nem conhecer para saber, não querem informar-se e experimentar, pessoas que preferem aceitar e obedecer, o medo os denuncia em seus olhos que acusam, Deixem tudo como está, não vai mudar nada. É mais seguro assim...
o velho quase desiste, mas decide enfiar a mão dentro do casaco roído, embriagado e triturado da vida sem rumo, reaparece com uma pequena trouxa de pano, solta o nó que segura tudo enrolado
O que é isso, velho?
não responde, não parece animado em responder, continua quieto com as palavras enquanto desenrola lentamente e liberta as folhas descoradas sobre a mesa de pano amarelado estendida na grama, agora que mostrou não está mais com a mesma pressa assustada de antes para explicar, tem coisa que é mais fácil não dizer do que falar as palavras da memória que segurava nas mãos, Isso, retrucou apontando para as folhas libertadas de seus nós, são pedaços da tua vida que não existiu.
A minha... o quê?
pronto, o velho conseguiu a vigilância da miúda e a minha, também. ainda que amarga, a verdade se traga quando chega o tempo da criatura se conhecer
o que não se sabe não existe e se não existe não se entende, até agora ela escolheu não conhecer e não saber
a miúda não se pensava com alguma história até que o velho pegou nas folhas e começou a leitura, dizendo nomes e contando coisas que a miúda não sabia que escondia das lembranças, ficou quieta, não sorria nem mexia a cabeça, a boca fechada, os olhos bem atentos, Autos do interrogatório e qualificação do processo por razões políticas do réu Virgílio Silva, os minutos se alargam em horas, em anos, não entendia por que alguém era preso por razões políticas, O que é isso?
Isso o quê?
Razões políticas...
Hum... vamos ver se consigo responder... política é conhecer a si mesmo e aos outros... até aqui, a guria entendeu?... não parece que está entendendo, mas vamos continuar. assim, juntos podemos concordar e discordar sobre um jeito próprio para sairmos da desarrumação ou encontrar uma outra arrumação para vivermos juntos... não faz essa cara... é que para mudar ou deixar como está é preciso saber através das histórias os esforços feitos para sermos o que somos e se queremos mudar o lugar em que vivemos... entendeu?... tá bem ... tá bem...
O velho tá se puxando agora pra deixar tudo mais complicado.
Espera... espera... vou tentar de novo... esse lugar em que vivemos pode ser a nossa casa, nesse caso seria política na família; pode ser a rua, seria política da vizinhança... tá acompanhando?
E quem não tem casa nem rua... vive nas ruas e das ruas? Os sem-teto nem eira ou beira... uma bobagem atrás da outra... o velho tá ficando gagá...
o assunto estava rendendo, ninguém só escuta, todos têm muitas perguntas que não são ouvidas, outras tantas histórias desamarradas e borradas pela indiferença das pessoas que detestam pensar e não se habituaram a pensar, deixam que pensem por elas
Vou tentar de um outro jeito... o jeito da escola, tá bem?... Política é sentar pra conversar sobre quem manda, por que manda e como manda...
a miúda soltou um suspiro de impaciência e desconfiança, Colégio de criança?... E o velho lá sabe o que é isso?
Onde é que a guria acha que eu aprendi a ler?
Hum... nas ruas?...
_________________
Leia também:
becos sem saída (I) 01bs - as águas que vêm e vão
becos sem saída (I) 02bs - histórias desamarradas e borradas
becos sem saída (I) 03bs - sobre nós e histórias borradas
becos sem saída (I) 04bs - cacete pra todo lado!
becos sem saída (I) 05bs - as mãos amarradas
becos sem saída (I) 06bs - o vazio da botina
becos sem saída (I) 07bs - maria futuro
becos sem saída (I) 08bs - um lugar para voltar
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baitasar
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continuo escondido, mas escuto e vejo tudo, onipresente impotente, atento e prudente nos movimentos desafinados, ainda tenho medo de fogueiras e da cruz fincada no chão, uma cruz para lembrar que acoberta tudo, as lembranças parecem cercadas com fio farpado da eletricidade e das fogueiras
um tempo em que lembrar é proibido
permaneço atento, como sempre, aguardando pelo seu interesse. olho a miúda, o velho e aquele lugar, sinto que somos intrusos indesejados por aqueles e aquelas que não querem lembrar e nem conhecer para saber, não querem informar-se e experimentar, pessoas que preferem aceitar e obedecer, o medo os denuncia em seus olhos que acusam, Deixem tudo como está, não vai mudar nada. É mais seguro assim...
o velho quase desiste, mas decide enfiar a mão dentro do casaco roído, embriagado e triturado da vida sem rumo, reaparece com uma pequena trouxa de pano, solta o nó que segura tudo enrolado
O que é isso, velho?
não responde, não parece animado em responder, continua quieto com as palavras enquanto desenrola lentamente e liberta as folhas descoradas sobre a mesa de pano amarelado estendida na grama, agora que mostrou não está mais com a mesma pressa assustada de antes para explicar, tem coisa que é mais fácil não dizer do que falar as palavras da memória que segurava nas mãos, Isso, retrucou apontando para as folhas libertadas de seus nós, são pedaços da tua vida que não existiu.
A minha... o quê?
pronto, o velho conseguiu a vigilância da miúda e a minha, também. ainda que amarga, a verdade se traga quando chega o tempo da criatura se conhecer
o que não se sabe não existe e se não existe não se entende, até agora ela escolheu não conhecer e não saber
a miúda não se pensava com alguma história até que o velho pegou nas folhas e começou a leitura, dizendo nomes e contando coisas que a miúda não sabia que escondia das lembranças, ficou quieta, não sorria nem mexia a cabeça, a boca fechada, os olhos bem atentos, Autos do interrogatório e qualificação do processo por razões políticas do réu Virgílio Silva, os minutos se alargam em horas, em anos, não entendia por que alguém era preso por razões políticas, O que é isso?
Isso o quê?
Razões políticas...
Hum... vamos ver se consigo responder... política é conhecer a si mesmo e aos outros... até aqui, a guria entendeu?... não parece que está entendendo, mas vamos continuar. assim, juntos podemos concordar e discordar sobre um jeito próprio para sairmos da desarrumação ou encontrar uma outra arrumação para vivermos juntos... não faz essa cara... é que para mudar ou deixar como está é preciso saber através das histórias os esforços feitos para sermos o que somos e se queremos mudar o lugar em que vivemos... entendeu?... tá bem ... tá bem...
O velho tá se puxando agora pra deixar tudo mais complicado.
Espera... espera... vou tentar de novo... esse lugar em que vivemos pode ser a nossa casa, nesse caso seria política na família; pode ser a rua, seria política da vizinhança... tá acompanhando?
E quem não tem casa nem rua... vive nas ruas e das ruas? Os sem-teto nem eira ou beira... uma bobagem atrás da outra... o velho tá ficando gagá...
o assunto estava rendendo, ninguém só escuta, todos têm muitas perguntas que não são ouvidas, outras tantas histórias desamarradas e borradas pela indiferença das pessoas que detestam pensar e não se habituaram a pensar, deixam que pensem por elas
Vou tentar de um outro jeito... o jeito da escola, tá bem?... Política é sentar pra conversar sobre quem manda, por que manda e como manda...
a miúda soltou um suspiro de impaciência e desconfiança, Colégio de criança?... E o velho lá sabe o que é isso?
Onde é que a guria acha que eu aprendi a ler?
Hum... nas ruas?...
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