sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 16 — As Explorações do Polo Sul

Edgar Allan Poe - Contos




Aventuras de Arthur Gordon Pym 
Título original: Narrative of A. G. Pym 
Publicado em 1837





16 — As Explorações do Polo Sul




O capitão Guy planeara inicialmente, depois de ter satisfeito a sua curiosidade em relação às Auroras, atravessar o estreito de Magalhães e navegar ao longo da costa ocidental da Patagônia, mas uma informação que recebera na ilha Tristão da Cunha, levou-o a rumar para Sul, na esperança de descobrir umas ilhotas, que, segundo lhe tinham dito, estavam situadas a 60° de latitude Sul e a 40° 20’ de longitude Oeste. No caso de não encontrar as ilhas e se o tempo o permitisse, pensava dirigir-se para o Polo. Assim, a 12 de dezembro singramos na referida direção. No dia 18 encontramo-nos na posição indicada por Glass e cruzamos a zona durante três dias sem descobrir o mínimo vestígio das ilhas em questão. A 21, como o tempo estava extraordinariamente bom, voltamos a rumar ao Sul, decididos a avançar tão longe quanto possível nessa direção. Antes de entrar nesta parte do meu relato, talvez seja oportuno, em especial para os leitores que não seguiram com atenção a marcha das descobertas destas regiões, fazer um sumário das tentativas já realizadas até hoje para chegar ao Polo Sul. 

A expedição do capitão Cook é a primeira da qual possuímos documentos positivos. Em 1772, fez-se ao mar em direção ao Sul, no Resolution, acompanhado pelo tenente Fourneaux, comandante do Adventure. Em dezembro, encontrava-se no paralelo 58 de latitude Sul a 26° 57’ de longitude leste, onde encontrou bancos de gelo com uma espessura de 8 a 10 polegadas, que se estendiam a Nordeste e a Sudeste. O gelo apresentava-se em blocos, quase sempre tão unidos que os navios tinham grande dificuldade em abrir passagem através deles. Naquela época, o capitão Cook pensou que se encontrava perto de terra, devido à multidão de aves à vista e a outros indícios. Continuou a navegar para Sul, com tempo excessivamente frio, até ao paralelo 64 a 38° 14’ de longitude Leste, onde encontrou um tempo ameno com bons ventos durante cinco dias, marcando o termômetro 36 graus Fahrenheit. Em janeiro de 1773, os navios atravessaram o Círculo Antártico, mas não conseguiram avançar mais, porque, chegados a 67° 15’ de latitude, encontraram o caminho barrado por uma massa imensa de gelo que se estendia pelo horizonte Sul, a perder de vista. Este gelo tinha formas diferentes e alguns bancos enormes estendiam-se por várias milhas, formando uma massa compacta e elevando-se a 18 ou 20 pés acima do nível do mar. Como a estação já ia avançada e não podia ultrapassar aqueles obstáculos, o capitão Cook, embora contra vontade, virou rumo ao Norte.

No mês de novembro seguinte, recomeçou a sua viagem de exploração ao Polo Antártico. A 59° 40’ de latitude encontrou uma forte corrente que puxava para Sul. Em dezembro, quando os navios estavam a 67° 31’ de latitude e a 142° 54’ de longitude Oeste, depararam com um frio excessivo, nevoeiros e ventos fortes. Também aqui havia muitas aves: albatrozes, pinguins e especialmente o petrel. A 70° 23’ de latitude, encontraram vastas ilhas de gelo e um pouco mais à frente avistaram nuvens de uma brancura de neve, o que indicava a proximidade de bancos de gelo. A 71° 10’ de latitude e a 106° 54’ de longitude Oeste, os navegadores foram retidos, como da primeira vez, por uma imensa extensão de mar gelado que enchia toda a linha do horizonte para Sul. O lado Norte desta planície de gelo era irregular e todos aqueles blocos estavam tão solidamente unidos que formavam uma barreira intransponível, estendendo-se por uma milha para o Sul. Para lá desta barreira, a superfície do gelo parecia muito mais plana, até uma certa distância, onde no seu limite extremo era rodeado por um anfiteatro de montanhas de gelo gigantescas, escalonadas umas nas outras. O capitão Cook concluiu que esta vasta extensão confinava com o Polo ou com um continente. O senhor J. N. Reynolds, que após muitos esforços e perseverança, levaram à organização de uma expedição nacional, cujo objetivo principal era explorar estas regiões, fala assim da viagem do Resolution:

« Não nos surpreendemos que o capitão Cook não tenha podido ir além de 71° 10’ de latitude, mas sim que tenha conseguido atingir esse ponto por 106° 54’ de longitude Oeste. A Terra de Palmer fica situada ao Sul das ilhas Shetland a 64° de latitude e estende-se para Sudoeste, até onde nunca nenhum navegador penetrou. Cook dirigia-se para esta terra, quando a sua marcha foi detida pelo gelo, caso que, receamos, acontecerá sempre, sobretudo numa época do ano como 6 de janeiro, e não no' surpreenderia se parte das referidas montanhas de gelo estivesse unida ao corpo principal da Terra de Palmer ou a qualquer outra parte continental, situada mais para Sul e para Sudoeste.»

Em 1803, o imperador Alexandre da Rússia encarregou os capitães Kreutzenstem e Lisiausky de uma viagem de circum-navegação. Ao tentarem avançar mais para Sul, não conseguiram ir além de 59° 58’ de latitude e 70° 15’ de longitude Oeste, onde encontraram fortes correntes puxando para Leste. A baleia era abundante, mas não viram gelo. Relativamente a esta viagem, o senhor Reynolds salienta que, se Kreuzenster tivesse chegado àquela região mais cedo, teria, sem dúvida, encontrado gelo (era o mês de março, quando chegou à latitude referida). Os ventos que dominavam então de Sudoeste, ajudados pelas correntes, tinham empurrado os blocos de gelo para a região gelada, limitada a Norte pela Geórgia, a Leste pelas Sandwich e as Orkney s do Sul, e a Oeste pelas Shetland do Sul.

Em 1822, o capitão James Weddell, da marinha inglesa, com dois pequenos navios, avançou mais para Sul do que qualquer outro navegador precedente e até sem dificuldades de maior. Relata que, embora se visse frequentemente rodeado de gelo antes de atingir o paralelo 72, uma vez ali chegado, nunca mais viu um pedaço sequer e que, tendo navegado até a 74° 15’ de latitude, não avistou grandes extensões de gelo, mas apenas três pequenas ilhas. O que é estranho é que, embora tivesse visto enormes bandos de aves e outros indícios de terra, e o vigia tivesse, ao Sul das Shetland, assinalado terra, Weddell tivesse persistido em recusar a ideia da possibilidade de existência de um continente nas regiões polares do Sul.

No dia 11 de janeiro de 1823, o capitão Benjamin Morrell, comandante da escuna americana Wasp, partiu da terra de Kerguelen com a intenção de avançar para Sul tão longe quanto possível. No dia 1 de fevereiro, encontrava-se a 64" 52’ de latitude Sul e a 118° 27’ de longitude Leste. Transcrevo do seu diário, a seguinte passagem, referente a esta data:

« O vento não demorou a refrescar e soprava a onze nós; aproveitamos a ocasião para nos dirigirmos para Leste; estando plenamente convencidos de que quanto mais avançássemos para Sul, passando 64°, menos teríamos de recear os gelos, rumamos um pouco para Sul e, tendo atingido o Círculo Antártico, avançamos até 69° 15’ de latitude Sul. Não avistamos qualquer planície gelada, apenas algumas ilhotas de gelo.

A seguinte nota, é datada de 14 de março:

« O mar estava completamente livre de vastas zonas de gelo e nós avistamos apenas uma dezena de ilhotas. Além disso, a temperatura do ar e da água estava pelo menos 13° F. mais elevada do que é habitual entre os paralelos 60 e 62 Sul. Estávamos então a 70° 14’ de latitude Sul e a temperatura do ar era 47° F. e a da água 44° F. Calculamos que o desvio da bússola fosse de 14° 27’ para Leste, por azimute... Atravessei várias vezes o Círculo Antártico em meridianos diferentes e sempre verifiquei que a temperatura do ar e da água aumentava cada vez mais à medida que nos afastamos do paralelo 65 latitude Sul e que a variação magnética diminuía na mesma proporção. Porém, a Norte desta latitude, isto é, entre os paralelos 60 e 65, o navio tinha, muitas vezes, dificuldade em abrir passagem entre os enormes e numerosos blocos de gelo, alguns dos quais tinham de uma a duas milhas de circunferência e se elevavam a mais de quinhentos pés acima do nível do mar.»

Como se encontrava sem água e quase sem combustível, privado dos instrumentos suficientes, e estando a estação já muito adiantada, o capitão Morrei viu-se obrigado a voltar para trás sem tentar avançar mais para Sul, embora tivesse à sua frente um mar completamente livre. Afirmou que, se estas circunstâncias imperiosas não o tivessem obrigado a retirar, teria chegado, senão até ao Polo, pelo menos até ao paralelo 85. Relatei com certo pormenor as suas ideias sobre este assunto a fim de que o leitor possa julgar até que ponto elas foram confirmadas pela minha experiência.

Em 1831, o capitão Briscoe, navegando por conta dos senhores Enderby, armadores de baleeiros em Londres, fez-se ao mar no brigue Lively em direção aos mares do Sul, acompanhado pelo cúter Tula. No dia 28 de fevereiro, encontrando-se a 66° e 0’ de latitude Sul e a 47° 31’ de longitude Leste, avistou terra e « descobriu nitidamente através da neve os picos negros de uma cadeia de montanhas, dirigidas para Leste-Sudoeste» . Permaneceu naquelas paragens todo o mês seguinte, mas não conseguiu aproximar-se da costa mais de dez léguas, devido ao mau tempo. Vendo que lhe era impossível fazer qualquer nova descoberta durante aquela estação, rumou para Norte e foi passar o inverno à Terra de Van-Diémen.

No começo de 1832, voltou a rumar para Sul e, no dia 4 de fevereiro, avistou terra a Sudeste a 67° 15’ de latitude e a 69° 29’ de longitude Oeste. Verificou que era uma ilha, situada perto da zona mais avançada do território que descobrira anteriormente. No dia 21 do mesmo mês, conseguiu desembarcar nesta última, e dela tomou posse em nome de Guilherme IV, chamando-lhe ilha Adelaide, em honra da rainha de Inglaterra. Transmitidos estes pormenores à Real Sociedade Geográfica de Londres, esta concluiu « que uma vasta extensão de terra se estende, sem interrupção, desde 47° 30’ de longitude Leste até 69° 29’ de longitude Oeste entre os paralelos 66 e 67 de latitude sul.»

Relativamente a esta conclusão, o senhor Reynolds faz a seguinte observação: « Não podemos aceitar esta conclusão como racional, não justificando as descobertas de Briscoe semelhante hipótese. Foi precisamente através deste espaço que Weddell se dirigiu para Sul, seguindo um meridiano a Leste da Geórgia, das Sandwich, da Orkney do Sul e das ilhas Shetland.» verão que a minha própria experiência serve para mostrar mais claramente a falsidade das conclusões a que chegou a Sociedade.

Tais são as principais tentativas que foram feitas para chegar às mais longínquas latitudes do Sul, e compreendem agora que, antes da viagem da Jane- Guy, havia ainda cerca de 300 graus de longitude no Círculo Antártico, onde nunca ninguém tinha penetrado. Assim, abria-se diante de nós um vasto campo de descobertas e foi com um sentimento de voluptuosa e ardente curiosidade que ouvi o capitão Guy exprimir a sua resolução de avançar corajosamente para Sul.






continua na página 230...

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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 



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