segunda-feira, 17 de agosto de 2020

mulheres descalças: Mas você devia!

mulheres descalças


Mas você devia! 
Ensaio 127Bze – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




O amigo tem certeza que a negrinha não é braba?

uma mancha piquinina da assombração e da desconfiança passô nos pensamento do trabáio escravizadô, mais ele sabia qui inatie aye tava mais desassossegada cum sua mãinha qui nela mesma, a miúda tava bem recomendada pelo escravizadô, pensando desse modo ele num titubiô em respondê, Não tem necessidade de preocupação. Ela não é braba, não. Parece um bichinho do mato, mas nunca tive conhecimento de qualquer malcriação ou maldade. É muito obediente. As suas filhas vão gostar do presente... acho até que já gostaram...

inatie aye num se mexia, continuava cusóio cravado na terra duspé enquanto as duas miúda tagarelava na sua volta, examinando e apertando e beliscando

É o que parece, concordô o pai das miúda leitosa

O sinhô vai fazer uma compra muito acertada, depois dessas palavra de conforto e encorajamento eles ficô no silêncio da estimativa do negócio, o tráfico continuava movimentado com a entrada e saída das mercadoria enquanto as pulícia da villa controlava e observava pra num tê nehuma desarrumação ou tumulto

É difícil criar as duas meninas sem a mãe.

Eu entendo o sinhô, também foi difícil cuidar da Antônia sem a mãe. Ela morreu quando a negrinha nasceu.

Mas que coincidência... acho que é um sinal de Deus. A mãe das meninas também nos deixou no nascimento das duas. Às vezes, ou melhor dizendo, quase sempre, não sei o que fazer nem o que dizer. Fico em dúvida se é cedo para iniciar as meninas na grandeza e deveres da casa. Estão crescendo sem um bom exemplo para seguirem. Isso me atormenta, como poderão ser boas donas de casa, mulheres dignas e mães exemplares, sem o exemplo da mãe?

As coisas se ajeitam, o sinhô vai ver. Deus dá o frio conforme o tamanho do cobertor.

Hum... não sei. Vivemos cercados o tempo todo por cochichos, fuxico, risinhos e encenações de fofocas desenfreadas. Na Villa risonha há muita ambição secreta, hipocrisia e inveja, parô de súbito as palavra, pensô qui num devia falá tanto desse jeito desembaraçado prum desconhecido, mais tumbém achô qui precisava amolecê as vontade do vendedô, fazê ele tê mais vontade de ajudá as menina qui vendê a mercadoria

E isso só tem aqui na Villa? Não tem em tudo que é lugar?

Sim, mas nessa onda de confusão não interessa se a mulher é rica ou pobre, se pode ou não ter duas ou mais negras para mandar, porque dela será a orientação do lar, a educação das filhas, os arranjos da casa, a limpeza das roupas, a culinária, as rezas, os curativos. As meninas precisam dos ensinamentos da mãe como os meninos precisam do exemplo do pai.

Acho que isso não tem pressa, as coisas na vida sempre se ajeitam. É preciso dar tempo ao tempo que ele dá a direção certa.

Estou apreensivo...

Nesta vida, tudo tem uma solução. E o que não tem resposta já está resolvido.

Sei lá, não é tão simples assim, a mulher que sabe cuidar da casa é com certeza a primeira causa de alívio da família. Sabe que precisa se repetir da mãe para a filha, dia-a-dia, ano após ano. É a vozinha da mãe que a menina carrega dentro dela mesma, repetindo, cobrando: Mas você devia!

É... mãe assim é para a vida toda.





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