sábado, 1 de agosto de 2020

O Brasil Nação - V2: §§ 78 – Imigração... clima... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 8



A Revolução Republicana



§ 78 – Imigração... clima...



No vazio da inteligência, com a grosseria das inspirações, incapazes de correspondência com a realidade, prontos a explorar o que a força e a riqueza material oferecem, os nossos dirigentes são prontos, igualmente, em aceitar quantos conceitos e juízos lhes deem as suas curtas leituras, desde que se acordem à insuficiência de pensamento e grosseria de propósitos que os caracterizam. Assim se explica o empenho com que apelam para a imigração, o valor que lhe dão, as estultices que repetem, quanto à significação histórica do clima brasileiro, e, sobretudo, a empáfia bestial e antibrasileira com que repetem os interesseiros, falsos e ferozes conceitos, arguidos pela falsa ciência, a serviço do colonialismo, contra os fracos escravizados de ontem, dominados e explorados hoje, em nome de uma pretensa superioridade de raças.

Feitos em governantes brasileiros, os continuadores dos que encheram a colônia com os negros africanos, tiveram a mesma hedionda escravidão como a definitiva forma de produção “...consideram eterna a escravidão”, testemunha Nabuco. Mas, pois que a estupidez interesseira de tal conceito não tinha razão para prevalecer, passou a escravidão legal, e à sua mentalidade insana e tórpida, de desfrutadores do trabalho alheio, outros problemas se impuseram – o da imigração. Que haja, e que venha quem trabalhe, sem o que não se pode ter orçamento farto. Os mais pensantes foram, talvez, além com os conceitos: a América do norte se fez opulenta, forte e rica ao mesmo tempo que a penetrava uma forte corrente imigratória... e, certamente, foi a, imigração que ali produziu tanta riqueza... com imigração, teremos prosperidade, donde tirar gordas receitas... Nem sabem velar o pensamento: os projetos, decretos, regulamentos... em que se organiza a imigração, escorrem, como a baba de cobiça do trabalho alheio, ou como inveja da prosperidade estrangeira. E houve essa quadra, da vida governamental, em que se pedia e se fazia a entrada, a jorro encomendado, e contínuo, das sobras da população europeia, infelizes deserdados, quanto cooly houvesse, prontos até a fazerem de gado que se importa. Buscavam-na e recebiam-na, como o remédio supremo, à própria vida da nação. Extáticos ante a prosperidade material da grande República americana nunca lhes ocorreu verificar as condições em que se fazia, ali, a copiosa entrada de novos habitantes, como se preparavam aqueles ianques para recebê-los, como os distribuíam, quais os remotos efeitos de desenvolvida imigração, e sobretudo, a lição que os norte-americanos, e outros povos, em países despovoados, tiraram de uma tal precipitada e basta populização. Nem as questões se discriminavam nas suas mentes, nem teriam eles o critério bastante para a justa apreciação. Queriam, e querem, quem trabalhe e faça riqueza, de que, diz- -lhes o instinto, tirarão uma boa parte. Queriam quem trabalhe o mais possível, nas condições da escravaria, em que se fartou o negreirismo de onde vêm.
E a tonteira da cobiça mais lhe agravou a estupidez. Se não, reconheceriam as diferenças de formação, que deram, àqueles fortes do Norte, a capacidade de receber, em tempo, francamente, quantos viessem viver ali, sem que tal fosse turbação na vida da nação, sem que houvesse maiores dificuldades para os mesmos imigrantes. Povo nascido na essencial liberdade democrática, realizando desde os primeiros dias o self-gouvernement, os norte- -americanos estavam em condições de impor, ou, melhor, de incutir o seu gênio, já revelado nas mesmas práticas democráticas, aos recém-chegados. Tinham uma desenvolvida vida política, sinceramente livre, que absorvia imediatamente os recém-chegados. Havia, ali, povo, consciente dos seus direitos, com a boa educação política, na prática efetiva do regime adotado, com uma relativa instrução para ser uma maioria esclarecida, própria para a vida que proclamavam. Antes de abrirem o país à forte corrente e imigratória, os governos tinham, num empenho constante, organizado a instrução popular, de sorte que naquelas repúblicas de 1870, (quando mais numerosos eram os imigrantes), já há não havia, quase, nacionais analfabetos. E o resultado foi que os imigrantes encontravam uma nação já potente na sua vida interna, com uma grande indústria para incorporar os trabalhadores à medida que entravam, com uma vida agrícola, na parte mais procurada, instituída desde sempre no trabalho livre, com uma tal pujança externa, e tal atividade de vida política democrática, que os adventícios eram imediatamente assimilados, sem que resistissem de qualquer modo, à mesma assimilação, antes preparando-se para ela, assimilando-se de coração antes de entrarem nos costumes, antes, mesmo, de possuírem o idioma da terra. Com o bom preparo da massa da população, não era possível que o imigrante trouxesse nível mental e ardor patriótico superiores aos naturais. Com isso, podiam os Estados Unidos receberem milhões de novos habitantes: vinham ser francamente americanos, orgulhosos do país que adotavam, sem tentações de superiorizar-se sobre a pátria que os recebia. Notemos, ainda, que aquela nação nunca pediu imigração como recurso de ter valor, ou possibilidade de um progresso inacessível por outros meios, como o fazem os nossos dirigentes. A política norte-americana facilitava a imigração, e as condições naturais, econômicas, políticas e sociais faziam o resto. Nunca sucedeu que o governo da grande República mandasse arrebanhar as manadas de dessortidos da vida europeia, para pedir-lhes que, como imigrantes, viessem fazer o progresso da nova pátria. Nestas condições, a Norte América pôde receber imigrantes até fartar-se, até que lhe pareceu melhor dificultar- -lhes a entrada, proporcionando-lhes, sempre, situação de vida livre e possibilidades de existência, sem que a abundância dos novos povoantes fosse alteração na vida geral, nem modificasse o caráter da nação. Em menos de meio século quadruplicou a população, sem que se alterasse a linha do desenvolvimento natural do país. É verdade que, previdentes, aqueles ianques, como povo de iniciativa, nunca entregaram zonas inteiras do país – para que fossem desbravadas, povoadas e formadas exclusivamente por alemães, polacos e italianos, como fizeram os inefáveis governantes brasileiros. Quando muito, permitiam que houvesse povoação exclusivamente de – alemães, ou polacos, sob o regime rigorosamente democrático americano. Aproveitaram, os americanos do Norte, quanto puderam, da copiosa corrente imigratória que os procurava, e que lhes foi aceleração de desenvolvimento, mas, hoje amiudaram tanto o crivo da entrada, que foi como se francamente a vedassem. Por que, se a larga imigração tanto lhes aproveitou? As dificuldades em que se encontra hoje a grande República, cuja população se vê enxertada dessas massas de estrangeiros, justificam plenamente as restrições de agora. O seu poder de assimilação, por muito desenvolvido que fosse, não bastou para dar homogeneidade nacional à copiosa gente adventícia, e, hoje, além do que lhes pesam os milhões de negros, que ali são mantidos infamemente à parte, o povo ianque se sente ameaçado, ou embaraçado, por – japoneses, chineses, eslavos, judeus polacos... inassimilados, mas ao mesmo tempo, potentes, destacados em grupos, vivaces nas respectivas tradições. E, contra a diferenciação dissolvente, reclamam-se medidas ostensivas. [1] 

[1] Coolidge, op. cit., págs. 60, 248, 377, 401.

Eis a lição que deviam aproveitar, se nos governantes brasileiros houvesse capacidade política. A troco de um violento incremento de população, e concomitante prosperidade material, a Norte- América turbou a coesão nacional, criou problemas internos e externos (japoneses e chineses), desequilibrou certos aspectos no desenvolvimento nacional, e esgotou antecipadamente algumas das suas riquezas naturais. Tudo isto, apesar de serem tidos os norte- americanos, pelos imigrantes, como de raça superior, e de fato, politicamente bem organizados e inteligentemente conduzidos. Transponha-se a situação para o Brasil: temos uma vida política caracterizada em vícios e arcaísmos, desmoralizada, insuficiente, sob dirigentes que buscam imigração com a confissão explícita da inferioridade dos nacionais. Ora, quando um povo se mostra incapaz e começa por dizer-se inferior, não deve procurar imigrantes: prepara-se primeiro, procura remir-se da inferioridade efetiva, de cultura. Nação cujos governantes vêm diretamente dos negreiros e escravocratas de ontem, numa mentalidade que via a Abolição como a definitiva desgraça, o Brasil tem uma política oficial que, ainda hoje, vê no imigrante – braços, para uma lavoura indefinidamente arcaica, braços, que permitam continue o fazendeiro ansioso de fartar-se no labor alheio, como nos tempos nunca esquecidos da escravidão. Por isso, a imigração melhor, para os nossos governantes, é a que se faz com o desembarque das levas de resignados à miséria, por isso, pedem refugos de chineses, hindus, japoneses... já aviltados, na esperança de que lograrão fazer, com esses imigrantes, fácil exploração, até substituir, talvez, a extinta escravidão. Que venham: a experiência lhes dirá a verdade – como quando esses amarelos se encontraram, face a face, em confronto com o desabusado governo ianque, a cujo respeito se impuseram, criando, em cidades importantes e vivazes, grandes centros ou colônias de grandes recursos, e relativamente bem-reputadas.

Em critério de verdadeira política, a própria imigração espontânea deve ser regulada, como o fazem, hoje, não só os Estados Unidos, como os outros saxônios, da Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Imigrantes notoriamente diferentes, e, sobretudo, os que se reputam superiores, devem ser rejeitados. Mesmo não argumentando com o fato dessa Germânia, e que, renitente no Sul, há o caso das antigas colônias alemãs, fundadas pela grande Catarina, e que, até hoje, guardam, com a superioridade em que se enfronham, todas as diferenças que realmente apresentam, relativamente aos nativos, tornando-se além de estranhas, irritantes, no seio da população eslava:

Conservaram a língua e os costumes originários... resistiram tanto quanto puderam às medidas tomadas pelo governo russo para fazê-los aprenderem a língua nacional. Como lhes diminuíssem alguns dos muitos privilégios de que gozavam, em grande número emigraram para os Estados Unidos, em cujo meio cederam rapidamente... Os alemães imigrados no Sul do Brasil guardaram a sua língua e individualidade muito mais do que os compatriotas nos Estados Unidos, fato que pode ser atribuído, em parte, ao sentimento de superioridade sobre os seus sonhos. [2]

[2] Coolidge. OS ESTADOS UNIDOS, Grande Potência, cap. II. Não se diga que os americanos julgam do nosso caso de oitiva: em 1916, esteve longes meses nas colônias alemãs do Sul o reputado professor da Universidade de Pensilvânia, Chapelle, a estudar a língua dos filhos e netos dos germanos ali estabelecidos, e trouxe um curioso léxicon – alemão barbarizado, só entremeado de português o necessário para que esses teuto-brasileiros se possam comunicar com os outros brasileiros.

Tudo isto passa despercebido, por sobre a incapacidade do bacharelismo senhor da política brasileira, alheio, e hostil, até, à verdade que deveria inspirar todas as medidas a respeito de imigração.

População numerosa e prosperidade material não significam progresso efetivo, nem valor social e político. Sim: apesar de que são pequenas populações do Ocidente – Bélgica, Suíça, Holanda, nações escandinavas, estão a par da grandeza de civilização no mundo, num grau mais potente e mais sensível que a Espanha, ou a Pérsia, onde, no entanto, já houve grandes civilizações, e que têm uma população bem mais numerosa. Tudo isto porque a grandeza efetiva e humana de uma nação está no valor moral e mental dos indivíduos, e, não no número deles. Se aos nossos dirigentes houvesse chegado o reflexo das condições reais a que a política deve atender, eles teriam compreendido que, no Brasil (como existe até hoje), dado o nível médio – mental, social e político das populações, não é possível a grossa e intensa injeção de imigrantes, sem que o desenvolvimento natural se desequilibre profundamente, sem que a vida geral da nação se perturbe, e que todo o caráter nacional se ressinta. [3]

[3] Um Relatório do diretor geral do Ensino, do Paraná, publicado há uns quatro anos, nos revela que na parte característica do rio, arrancada à esbonização castelhana pelos bandeirantes, a língua corrente, hoje, é o espanhol, mesmo para os brasileiros.

Não temos uma população superiormente preparada para impor a sua mentalidade aos milhões de imigrantes, que, se realmente têm valor humano, necessariamente se sentirão superiores ao povo a que se vêm incorporar, e que, ao influxo da estranheza e dos expatriamentos, ostentarão a mesma superioridade, criando formidável dificuldade para a conveniente assimilação. Oferecemos o espetáculo de uma vida social e política inorganizada, quase, desprezivelmente fraca, sem nenhuma sedução, a não ser a da licença dos desorganizados. E assim ficamos, ostensivamente, por longos decênios, com – os alemães do Sul, os italianos de São Paulo e Espírito Santo, e, mesmo, do Rio Grande do Sul. Note-se, isto é assim, apesar da grande cordialidade e do franco acesso do coração brasileiro. Aspirando a ser um povo livre, em caminho para a justiça, sejamos um país novo, francamente aberto a quantos o procuram. Iremos ao ponto de sinceramente dizer aos que possam e queiram procurar-nos – qual somos e as possibilidades que oferecemos. E a boa imigração virá, para um desenvolvimento que será, então, o do próprio Brasil, a completar o seu gênio em mais variadas formas.




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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira

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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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