Aluísio Azevedo
XIV
.
Iam-se assim os dias, e assim mais de três meses se passaram depois da noite da navalhada. Firmo
continuava a encontrar-se com a baiana na Rua de São João Batista, mas a mulata já não era a
mesma para ele: apresentava-se fria, distraída, às vezes impertinente, puxando questão por dá cá
aquela palha.
- Hum! hum! temos mouro na costa! rosnava o capadócio com ciúmes. Ora queira Deus que eu me
engane!
Nas entrevistas apresentava-se ela agora sempre um pouco depois da hora marcada, e sua primeira
frase era para dizer que tinha pressa e não podia demorar-se.
- Estou muito apertada de serviço! acrescentava à réplica do amante. Uma roupa de uma família que
embarca amanhã para o Norte! Tem de ficar pronta esta noite! Já ontem fiz serão!
- Agora estás sempre apertada de serviço!... resmungava o Firmo.
- E que é preciso puxar por ele, filho! Ponha-me eu a dormir e quero, ver do que como e com que
pago a casa! Não há de ser com o que levo daqui!
- Or’essa! Tens coragem de dizer que não te dou nada? E quem foi que te deu esse vestido que tens
no corpo?!
- Não disse que nunca me desse nada, mas com o que você me dá não pago a casa e não ponho a
panela no fogo! Também não lhe estou pedindo coisa alguma! Oh!
Azedavam-se deste modo as suas entrevistas, esfriando as poucas horas que os dois tinham para o
amor. Um domingo, Firmo esperou bastante tempo e Rita não apareceu. O quarto era acanhado e
sombrio, sem janelas, com um cheiro mau de bafio e umidade. Ele havia levado um embrulho de
peixe frito, pão e vinho, para almoçarem juntos. Deu meio-dia e Firmo esperou ainda, passeando na
estreiteza da miserável alcova, como um onça enjaulada, rosnando pragas obscenas; o sobrolho
intumescido, os dentes cerrados. “Se aquela safada lhe aparecesse naquele momento, ele seria capaz
de torcê-la nas mãos!”
À vista do embrulho da comida estourou-lhe a raiva. Deu um pontapé numa bacia de louça que havia
no chão, perto da cama, e soltou um murro na cabeça.
- Diabo!
Depois assentou-se no leito, esperou ainda algum tempo, fungando forte, sacudindo as pernas
cruzadas, e afinal saiu, atirando para dentro do quarto uma palavra porca.
Pela rua, durante o caminho, jurava que “aquela caro pagaria a mulata!” Um sôfrego desejo de
castigá-la, no mesmo instante, o atraía ao cortiço de São Romão, mas não se sentiu com animo de lá
ir, e contentou-se em rondar a estalagem. Não conseguiu vê-la; resolveu esperar até à noite para lhe
mandar um recado. E vagou aborrecido pelo bairro, arrastando o seu desgosto por aquele domingo
sem pagode. Às duas horas da tarde entrou no botequim do Garnisé, uma espelunca, perto da praia,
onde ele costumava beber de súcia com o Porfiro. O amigo não estava lá. Firmo atirou-se numa
cadeira, pediu um martelo de parati e acendeu um charuto, a pensar. Um mulatinho, morador no
“Cabeça-de-Gato”, veio assentar-se na mesma mesa e, sem rodeios, deu-lhe a noticia de que na
véspera o Jerônimo, tivera alta do hospital.
Firmo acordou com um sobressalto.
- O Jerônimo?!
- Apresentou-se hoje pela manhã na estalagem.
- Como soubeste?
- Disse-me o Pataca.
- Ora ai está o que é! exclamou o capoeira, soltando um murro na mesa.
- Que é o quê? interrogou o outro.
- Nada! É cá comigo. Toma alguma coisa?
Veio novo copo, e Firmo resmungou no fim de uma pausa:
- É! não há dúvida! Por isto é que a perua ultimamente me anda de vento mudado!...
E um ciúme doido, um desespero feroz rebentou-lhe por dentro e cresceu logo como a sede de um
ferido. “Oh! precisava vingar-se dela! dela e dele! O amaldiçoado resistiu à primeira, mas não lhe
escaparia da segunda!”
- Veja mais um martelo de parati! gritou para o portuguesinho da espelunca. E acrescentou, batendo
com toda a força o seu petrópolis no chão:
- E não passa de hoje mesmo!
Com o chapéu à ré, a gaforina mais assanhada que de costume, os olhos vermelhos, a boca
espumando pelos cantos, todo ele respirava uma febre de vingança e de ódio.
- Olha! disse ao companheiro de mesa. Disto, nem pio lá com os Carapicus! Se abrires o bico dou-te
cabo da pele! Já me conheces!
- Tenho nada que falar! Pra quê?
- Bom!
E ficaram ainda a beber.
Jerônimo, com efeito, tivera alta e tornara aquele domingo ao cortiço, pela primeira vez depois da
doença. Vinha magro, pálido, desfigurado, apoiando-se a um pedaço de bambu. Crescera-lhe a barba
e o cabelo, que ele não queria cortar sem ter cumprido certo juramento feito aos seus brios. A mulher
fora buscá-lo ao hospital e caminhava ao seu lado, igualmente abatida com a moléstia do marido e
com as causas que a determinaram. Os companheiros receberam-no compungidos, tomados de uma
tristeza respeitosa; um silêncio fez-se em torno do convalescente; ninguém falava senão a meia voz;
a Rita Baiana tinha os olhos arrasados d’água.
Piedade levou o seu homem para o quarto.
- Queres tomar um caldinho? perguntou-lhe. Creio que ainda não estás de todo pronto...
- Estou! contrapôs ele. Diz o doutor que preciso é de andar, para ir chamando força às pernas.
Também estive tanto tempo preso à cama! Só de uma semana pra cá é que encostei os pés no chão!
Deu alguns passos na sua pequena sala e disse depois, tornando junto da mulher:
- O que me saberia bem agora era uma xicrinha de café, mas queria-o bom como o faz a Rita... Olha!
pede-lhe que o arranje.
Piedade soltou um suspiro e saiu vagarosamente, para ir pedir o obséquio à mulata. Aquela
preferência pelo café da outra doía-lhe duro que nem uma infidelidade.
- Lá o meu homem quer do seu café e torceu nariz ao de casa... Manda pedir-lhe que lhe faça uma
xícara. Pode ser? perguntou a portuguesa à baiana.
- Não custa nada! respondeu esta. Com poucas está lá!
Mas não foi preciso que o levasse, porque daí a um instante, Jerônimo, com o seu ar tranquilo e
passivo de quem ainda se não refez de todo depois de uma longa moléstia, surgiu-lhe à porta.
- Não vale a pena estorvar-se em lá ir... Se me dá licença, bebo o cafezinho aqui mesmo...
- Entra, seu Jerônimo.
- Aqui ele sabe melhor...
- Você pega já com partes! Olha, sua mulher anda de pé atrás comigo! E eu não quero histórias!...
Jerônimo sacudiu os ombros com desdém.
- Coitada!... resmungou depois. Muito boa criatura, mas...
- Cala a boca, diabo! Toma o café e deixa de maledicência! É mesmo vicio de Portugal: comendo e
dizendo mal!
O português sorveu com delícia um gole de café.
- Não digo mal, mas confesso que não encontro nela umas tantas coisas que desejava...
E chupou os bigodes.
- Vocês são tudo a mesma súcia! Bem tola é quem vai atrás de lábia de homem! Eu cá não quero
mais saber disso... Ao outro despachei já!
O cavouqueiro teve um tremor de todo o corpo.
- Outro quem?! O Firmo?
Rita arrependeu-se do que dissera, e gaguejou:
- É um coisa-ruim! Não quero saber mais dele!... Um traste!
- Ele ainda vem cá? perguntou o cavouqueiro.
- Aqui? Qual! Nessa não caio! E se vier não lhe abro a porta! Ah! quando embirro com uma pessoa é
que embirro mesmo!
- Isso é verdade, Rita?
- Quê? Que não quero saber mais dele? Esta que aqui está nunca mais fará vida com semelhante
cábula! Juro por esta luz!
- Ele fez-lhe alguma?
- Não sei! não quero! acabou-se!
- É que então você tem outro agora...
- Que esperança! Não tenho, nem quero mais ter homem!
- Por que, Rita?
- Ora! não paga a pena!
- E... se você encontrasse um... que a quisesse deveras... para sempre?...
- Não é com essas!...
- Pois sei de um que a quer como Deus aos seus!...
- Pois diga-lhe que siga outro oficio!
Ela se chegou para recolher a xícara, e ele apalpou-lhe a cintura.
- Olha! Escuta!
Rita fugiu com uma rabanada, e disse rápido, muito a sério:
- Deixa disso. Pode tua mulher ver!
- Vem cá!
- Logo.
- Quando?
- Logo mais.
- Onde?
- Não sei.
- Preciso muito te falar...
- Pois sim, mas aqui fica feio.
- Onde nos encontramos então?
- Sei cá!
E, vendo que Piedade entrava, ela disfarçou, dizendo sem transição:
- Os banhos frios é que são bons para isso. Põem duro o corpo!
A outra, embesourada, atravessou em silêncio a pequena sala, foi ter com o marido e comunicou-lhe
que o Zé Carlos queria falar-lhe, junto com o Pataca.
- Ah! fez Jerônimo. Já sei o que é. Até logo, Nhá Rita. Obrigado. Quando quiser qualquer coisa de
nós, lá estamos.
Ao sair no pátio, aqueles dois vieram ao seu encontro. O cavouqueiro levou-os para casa, onde a
mulher havia posto já a mesa do almoço, e com um sinal preveniu-os de que não falassem por
enquanto sobre o assunto que os trouxera ali. Jerônimo comeu às pressas e convidou as visitas a
darem um giro lá fora.
Na rua, perguntou-lhes em tom misterioso:
- Onde poderemos falar à vontade?
O Pataca lembrou a venda do Manuel Pepé, defronte do cemitério.
- Bem achado! confirmou Zé Carlos. Há lá bons fundos para se conversar.
E os três puseram-se a caminho, sem trocar mais palavras até à esquina.
- Então está de pé o que dissemos?... indagou afinal aquele último.
- De pedra e cal! respondeu o cavouqueiro.
- E o que é que se faz?
- Ainda não sei... Preciso antes de tudo saber onde o cabra é encontrado à noite.
- No Garnisé, afirmou o Pataca.
- Garnisé?
- Aquele botequim ali ao entrar da Rua da Passagem, onde está um galo à tabuleta.
- Ah! Defronte da farmácia nova...
- Justo! Ele vai lá agora todas as noites, e lá esteve ontem, que o vi, por sinal que num gole...
- Muito bêbado, hein?
- Como um gambá! Aquilo foi alguma, que a Rita Baiana lhe pregou de fresco!
Tinham chegado à venda. Entraram pelos fundos e assentaram-se sobre caixas de sabão vazias, em
volta de uma mesa de pinho. Pediram parati com açúcar.
- Onde é que eles se encontravam?... informou-se Jerônimo, afetando que fazia esta pergunta sem
interesse especial. Lá mesmo no São Romão?...
- Quem? A Rita mais ele? Ora o quê! Pois se ele agora é todo cabeça-de-gato!...
- Ela ia lá?
- Duvido! Então logo aquela! Aquela é Carapicus até o sabugo das unhas!
- Nem sei como ainda não romperam! interveio Zé Carlos, que continuou a falar a respeito da
mulata, enquanto Jerônimo o escutava abstrato, sem tirar os olhos de um ponto.
O Pataca, como se acompanhasse o pensamento do cavouqueiro, disse-lhe emborcando o resto do
copo:
- Talvez o melhor fosse liquidar a coisa hoje mesmo!...
- Ainda estou muito fraco... observou lastimoso o convalescente.
- Mas o teu pau está forte! E além disso cá estamos nós dois. Tu podes até ficar em casa, se
quiseres...
- Isso é que não! atalhou aquele. Não dou o meu quinhão pelos dentes da boca!
- Eu cá também vou que o melhor seria pespegar-lhe hoje mesmo a sova... declarou o outro. Pão de
um dia para outro fica duro!
- E eu estou-lhe com uma gana!... acrescentou o Pataca.
- Pois seja hoje mesmo! resolveu Jerônimo. E o dinheiro lá está em casa, quarenta pra cada um! Em
seguida à mela corre logo o cobre! E ao depois vai a gente tomar uma fartadela de vinho fino!
- A que horas nos juntamos? perguntou Zé Carlos.
- Logo ao cair da noite, aqui mesmo. Está dito?
- E será feito, se Deus quiser!
O Pataca acendeu o cachimbo, e os três puseram-se a cavaquear animadamente sobre o efeito que
aquela sova havia de produzir; a cara que o cabra faria entre três bons cacetes. “Então é que queriam
ver até onde ia a impostura da navalha! Diabo de um calhorda que, por um - vai tu, irei eu -
arrancava logo pelo ferro!...”
Dois trabalhadores, em camisa de meia, entraram na tasca e o grupo calou-se. Jerônimo fogueou um
cigarro no cachimbo do Pataca e despediu-se, relembrando aos companheiros a hora da entrevista e
atirando sobre a mesa um níquel de duzentos réis.
Foi direito para o cortiço.
- Fazes mal em andar por ai com este sol!... repreendeu Piedade, ao vê-lo entrar.
- Pois se o doutor me disse que andasse quanto pudesse...
Mas recolheu-se à casa, estirou-se na cama e ferrou logo no sono. A mulher, que o acompanhara até
lá, assim que o viu dormindo, enxotou as moscas de junto dele, cobriu-lhe a cara com uma cambraia
que servia para os tabuleiros de roupa engomada, e saiu na ponta dos pés, deixando a porta
encostada.
Jantaram daí a duas horas. Jerônimo comeu com apetite, bebeu uma garrafa de vinho, e a tarde
passaram-na os dois de palestra, assentados à frente de casa, formando grupo com a Rita e a gente da
Machona. Em torno deles a liberdade feliz do domingo punha alegrias naquela tarde. Mulheres
amamentavam o filhinho ali mesmo, ao ar livre, mostrando a uberdade das tetas cheias. Havia muito
riso, muito parolar de papagaios; pequenos travessavam, tão depressa rindo como chorando; os
italianos faziam a ruidosa digestão dos seus jantares de festa; ouviam-se cantigas e pragas entre
gargalhadas. A Augusta, que estava grávida de sete meses, passeava solenemente o seu bandulho,
levando um outro filho ao colo. O Albino, instalado defronte de uma mesinha em frente à sua porta,
fazia, à força de paciência, um quadro, composto de figurinhas de caixa de fósforos, recortadas a
tesoura e grudadas em papelão com goma-arábica. E lá em cima, numa das janelas do Miranda, João
Romão, vestido de casimira clara, uma gravata à moda, já familiarizado com a roupa e com a gente
fina, conversava com Zulmira que, ao lado dele, sorrindo de olhos baixos, atirava migalhas de pão
para as galinhas do cortiço; ao passo que o vendeiro lançava para baixo olhares de desprezo sobre
aquela gentalha sensual, que o enriquecera, e que continuava a mourejar estupidamente, de sol a sol,
sem outro ideal senão comer, dormir e procriar.
Ao cair da noite, Jerônimo foi, como ficara combinado, à venda do Pepé. Os outros dois já lá
estavam. Infelizmente, havia mais alguém na tasca. Tomaram juntos, pelo mesmo copo, um martelo
de parati e conversaram em voz surda numa conspiração sombria em que as suas barbas roçavam
umas com as outras.
- Os paus onde estão?... perguntou o cavouqueiro.
- Ali, junto às pipas... segredou o Pataca, apontando com disfarce para uma esteira velha enrolada.
Preparei-os ainda há pouco... Não os quis muito grandes... Deste tamanho.
E abriu a mão contra a terra no lugar do peito.
- Estiveram de molho até agora... acrescentou, piscando o olho.
- Bom! aprovou Jerônimo, esgotando o copo com um último gole. Agora onde vamos nós! Pareceme ainda cedo para o Garnisé.
- Ainda! confirmou o Pataca. Deixemo-nos ficar por aqui mais um pouco e ao depois então
seguiremos. Eu entro no botequim e vocês me esperam fora no lugar que marcamos... Se o cabra não
estiver lá, volto logo a dizer-lhes, e, caso esteja, fico... chego-me para ele, procuro entrar em
conversa, puxo discussão e afinal desafio-o pra rua; ele cai na esparrela, e então vocês dois surgem e
metem-se na dança, como quem não quer a coisa! Que acham?
- Perfeito! aplaudiu Jerônimo, e gritou para dentro: - Olha mais um martelo de parati!
Em seguida enterrou a mão no bolso da calça e sacou um rolo grosso de notas.
- Podem enxugar à vontade! disse. Aqui ainda há muito com que...
E, ordenando as notas, separou oitenta mil-réis, em cédulas de vinte.
- Isto é o do ajuste! Este é sagrado! acrescentou, guardando-as na algibeira do lado esquerdo.
Depois separou ainda vinte mil-réis, que atirou sobre a mesa.
- Esse aí é para festejarmos a nossa vitória!
E fazendo do resto do seu dinheiro um bolo, que ele, um pouco ébrio, apertava nos dedos, agora,
claros e quase descalejados, socou-o na algibeira do lado direito explicando entre dentes que ali
ficava ainda bastante para o que desse e viesse, no caso de algum contratempo.
- Bravo! exclamou Zé Carlos. Isto é o que se chama fazer as coisas à fidalga! Haja contar comigo pra
vida e pra morte!
O Pataca entendia que podiam tomar agora um pouco de cerveja.
- Cá por mim não quero, mas bebam-na vocês, acudiu Jerônimo.
- Preferia um trago de vinho branco, contraveio o terceiro.
- Tudo o que quiserem! franqueou aquele. Eu tomo também um pouco de vinho. Não! que o que
estamos a beber não é dinheiro de navalhista, foi ganho ao sol e à chuva com o suor do meu rosto! É
entornar pra baixo sem caretas, que este não pesa na consciência de ninguém!
- Então, à sua! brindou Zé Carlos, logo que veio o novo reforço. Pra que não torne você a dar que
fazer à má casta dos boticários!
- À sua, mestre Jerônimo! concorreu o outro.
Jerônimo agradeceu e disse, depois de mandar encher os copos:
- Aos amigos e patrícios com quem me achei para o meu desforço!
E bebeu.
- À da S’ora Piedade de Jesus! reclamou o Pataca.
- Obrigado! respondeu o cavouqueiro, erguendo-se. Bem! Não nos deixemos agora ficar aqui toda a
noite; mãos a obra! São quase oito horas.
Os outros dois esvaziaram de um trago o que ainda havia no fundo dos copos e levantaram-se
também.
- É muito cedo ainda... obtemperou Zé Carlos, cuspindo de esguelha e limpando o bigode nas costas
da mão.
- Mas talvez tenhamos alguma demora pelo caminho, o companheiro, indo buscar junto às
pipas o embrulho dos cacetes.
- Em todo o caso vamos seguindo, resolveu Jerônimo, impaciente, nem se temesse que a noite lhe
fugisse de súbito.
Pagou a despesa, e os três saíram, não cambaleando, mas como que empurrados por um vento forte,
que os fazia de vez em quando dar para a frente alguns passos mais rápidos. Seguiram pela Rua de
Sorocaba e tomaram depois a direção da praia, conversando em voz baixa, muito excitados. Só
pararam perto do Garnisé.
- Vais tu então, não é? perguntou o cavouqueiro ao Pataca.
Este respondeu entregando-lhe o embrulho dos paus e afastando-se de mãos nas algibeiras, a olhar
para os pés, fingindo-se mais bêbedo do que realmente estava.
Continua página 90...
_______________________
_______________________
Leia também:
O Cortiço - XIV: Iam-se assim os dias
_______________________
Aluísio Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo), caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913.
Era filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Sua mãe havia casado, aos 17 anos, com um comerciante português. O temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. Emília refugiou-se em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David. Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época foi considerado um escândalo na sociedade maranhense.
Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar os personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur. Matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para manter-se fazia caricaturas para os jornais da época, como O Fígaro, O Mequetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses “bonecos”, que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.
A morte do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Ali começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico. Ajuda a lançar e colabora com o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura, enquanto os padres mostravam-se contrários a ela. Em 1881, Aluísio lança O mulato, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. O romance teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pôde retornar para o Rio de Janeiro, embarcando em 7 de setembro de 1881, decidido a ganhar a vida como escritor.
Quase todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo de Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração pelo imigrante, principalmente o português. Dessa preocupação resultariam duas de suas melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895 escreveu sem interrupção romances, contos e crônicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède.
Em 1895 ingressou na diplomacia, momento em que praticamente cessa sua atividade literária. O primeiro posto foi em Vigo, na Espanha. Depois serviu no Japão, na Argentina, na Inglaterra e na Itália. Passara a viver em companhia de D. Pastora Luquez, de nacionalidade argentina, junto com os dois filhos, Pastor e Zulema, por ele adotados. Em 1910, foi nomeado cônsul de 1ª. classe, sendo removido para Assunção. Buenos Aires foi seu último posto. Ali faleceu, aos 56 anos. Foi enterrado naquela cidade. Seis anos depois, por uma iniciativa de Coelho Neto, a urna funerária de Aluísio Azevedo chegou a São Luís, onde o escritor foi sepultado.
Aluísio Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo), caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913.
Era filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Sua mãe havia casado, aos 17 anos, com um comerciante português. O temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. Emília refugiou-se em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David. Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época foi considerado um escândalo na sociedade maranhense.
Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar os personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur. Matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para manter-se fazia caricaturas para os jornais da época, como O Fígaro, O Mequetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses “bonecos”, que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.
A morte do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Ali começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico. Ajuda a lançar e colabora com o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura, enquanto os padres mostravam-se contrários a ela. Em 1881, Aluísio lança O mulato, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. O romance teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pôde retornar para o Rio de Janeiro, embarcando em 7 de setembro de 1881, decidido a ganhar a vida como escritor.
Quase todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo de Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração pelo imigrante, principalmente o português. Dessa preocupação resultariam duas de suas melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895 escreveu sem interrupção romances, contos e crônicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède.
Em 1895 ingressou na diplomacia, momento em que praticamente cessa sua atividade literária. O primeiro posto foi em Vigo, na Espanha. Depois serviu no Japão, na Argentina, na Inglaterra e na Itália. Passara a viver em companhia de D. Pastora Luquez, de nacionalidade argentina, junto com os dois filhos, Pastor e Zulema, por ele adotados. Em 1910, foi nomeado cônsul de 1ª. classe, sendo removido para Assunção. Buenos Aires foi seu último posto. Ali faleceu, aos 56 anos. Foi enterrado naquela cidade. Seis anos depois, por uma iniciativa de Coelho Neto, a urna funerária de Aluísio Azevedo chegou a São Luís, onde o escritor foi sepultado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário