domingo, 22 de dezembro de 2024

Marcel Proust - No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Tendo-se dispersado os fiéis - d)

em busca do tempo perdido


volume I
No Caminho de Swann


ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust


um amor de swann


III(d) 


     Tendo-se dispersado os fiéis, sentiu o doutor que a ocasião era propícia; enquanto a sra. Verdurin dizia uma última frase sobre a sonata de Vinteuil, ele, como um nadador principiante que se atira à água para aprender, mas escolhe um momento em que não haja muita gente a vê-lo, exclamou com brusca resolução: 

— Então é o que se chama um músico di primo cartello!  

     Swann apenas se inteirou de que o recente aparecimento da sonata de Vinteuil causava grande impressão numa escola de tendências muito avançadas, mas era completamente desconhecida do grande público.

— É verdade que conheço alguém que se chama Vinteuil — disse Swann, pensando no professor de piano das irmãs de minha avó. 
— Talvez seja ele — exclamou a sra. Verdurin. 
— Oh!, não — respondeu Swann, a rir. — Se o tivesse visto dois minutos, a senhora não formularia a questão. 
— Então formular a questão é resolvê-la? — disse o doutor. 
— Mas poderia ser um parente — tornou Swann —, o que seria triste, mas enfim um homem de gênio bem pode ser primo de um velho animal. Se assim fosse, confesso que não fugiria a nenhum suplício para que o velho animal me apresentasse ao autor da sonata: antes de tudo, o suplício de frequentar o velho animal, que deve ser atroz.[1] 

     O pintor sabia que Vinteuil estava naquele momento muito doente e que o dr. Potain receava não poder salvá-lo.

— Como! — exclamou a sra. Verdurin. — Ainda há gente que manda chamar Potain?[2]
— Ah!, senhora Verdurin — disse Cottard, num tom de afetada discrição —, esquece-se de que fala de um de meus confrades, de um de meus mestres, deveria eu dizer.

     O pintor ouvira dizer que Vinteuil estava ameaçado de alienação mental. E acrescentava que a gente o podia perceber em certas passagens da sua sonata. A Swann não pareceu absurda a observação, mas perturbou-o muito; pois, como uma obra de música pura não contém nenhuma dessas relações lógicas cuja alteração na linguagem denuncia a loucura, a loucura reconhecida numa sonata lhe parecia algo de tão misterioso como a loucura de uma cachorra, a loucura de um cavalo, que no entanto se observam realmente.[3]

— Não me venha com os seus mestres! O senhor sabe dez vezes mais do que ele — respondeu a sra. Verdurin ao dr. Cottard, no tom de uma pessoa que tem a coragem das suas opiniões e enfrenta bravamente os que lhe são contrários. 
— O senhor ao menos não mata os seus doentes! 
— Mas, minha senhora, ele é da Academia — replicou o doutor com ar irônico. — Se um doente prefere morrer por mão de um dos príncipes da ciência… É muito mais chique poder dizer: “É Potain quem me está tratando”. 
— Ah, é mais chique? — disse a sra. Verdurin. — Com que então agora há chiquismo nas doenças? Eu não sabia… Como o senhor é divertido! — exclamou de súbito, mergulhando o rosto nas mãos. — E eu tão tola que estava a discutir seriamente, sem notar que engolira a pílula. 

     Quanto ao sr. Verdurin, achando um tanto cansativo pôr-se a rir por tão pouco, limitou-se a tirar uma baforada do cachimbo, pensando com tristeza que jamais poderia igualar-se à mulher no terreno da amabilidade.

— Sabe que o seu amigo nos agradou muito? — disse a sra. Verdurin a Odette no momento em que esta se despedia. — É simples, encantador; se você sempre tiver de nos apresentar amigos como esse, pode trazê-los à vontade.

     O sr. Verdurin observou que no entanto Swann não havia apreciado a tia do pianista.

— O homem sentiu-se um pouco desambientado — respondeu a sra. Verdurin. — Não hás de querer que ele já tenha o tom da casa, como Cottard, que faz parte de nosso clã há vários anos. A primeira vez não conta, é para pegar a embocadura. Odette, combinamos com ele um encontro amanhã, no Châtelet.[4] E se você fosse buscá-lo em casa? 
— Não, ele não quer. 
— Bem!, como queira… Contanto que ele não vá desertar no último momento!

     Com grande surpresa da sra. Verdurin, Swann jamais desertou. Ia encontrá-los em qualquer parte, às vezes nos restaurantes de arrabalde, ainda pouco frequentados, pois não era época, e mais seguido no teatro, de que a sra. Verdurin gostava muito; e como um dia dissera diante dele que, para os espetáculos de estreia, de gala, lhes seria muito útil um passe livre para o seu carro e que muito lhes aborrecera não o terem no dia do enterro de Gambetta,[5] Swann, que nunca falava das suas relações brilhantes, mas apenas das mal cotadas, que julgaria pouco delicado ocultar e em cujo número adquirira o hábito, no bairro de Saint-Germain, de incluir as relações com o mundo oficial, respondeu:

— Vou tratar disso, prometo, tê-lo-ão a tempo para a reprise dos Danichef ;[6] precisamente amanhã almoço com o chefe de polícia no palácio dos Campos Elísios. 
— Como? Nos Campos Elísios?! — bradou o dr. Cottard. 
— Sim, na residência do senhor Grévy[7] — respondeu Swann, um pouco embaraçado com o efeito que sua frase causara.

     E o pintor disse ao médico, à guisa de gracejo:

— Isso lhe dá muito seguido?

     Geralmente, uma vez dadas as explicações, Cottard dizia: “Ah!, bem, bem, está certo”, e não mais dava mostras de emoção. Mas, desta vez, as últimas palavras de Swann, em vez de lhe trazerem o apaziguamento habitual, levaram ao cúmulo o seu espanto de que um homem com quem ele estava jantando, que não tinha nem funções oficiais nem distinções de nenhuma espécie, privasse com o chefe do Estado.

— Como, o senhor Grévy? Conhece o senhor Grévy? — disse ele a Swann com o ar estúpido e incrédulo de um guarda municipal a quem um desconhecido pede para falar com o presidente da República e que, compreendendo por essas palavras “o que tem em mãos”, assegura ao pobre louco que será imediatamente recebido e o encaminha à enfermaria especial da Detenção. 
— Eu o conheço um pouco, temos amigos em comum (não ousou dizer que se tratava do príncipe de Gales); de resto, ele convida com muita facilidade e asseguro-lhe que esses almoços nada têm de divertido; são muito simples aliás, nunca há mais de oito à mesa — respondeu Swann, que procurava atenuar o que as relações com o presidente da República pudessem apresentar de demasiado ofuscante para o seu interlocutor. 

     E logo Cottard, baseando-se nas palavras de Swann, adotou a opinião a respeito dos convites do sr. Grévy, de que eram coisa muito pouco procurada e que andava por aí aos pontapés. Desde então, não mais se espantou de que Swann, bem como qualquer outro, frequentasse os Campos Elísios, e até o lamentava um pouco por ir a almoços que o próprio convidado confessava serem aborrecidos.

— Bem, bem, está certo — disse ele no tom de um guarda aduaneiro, suspeitoso ainda há pouco, mas que, depois de ouvir as explicações, dá o seu visto e deixa-nos passar sem abrir as nossas malas. 
— Ah! Bem creio que não devam ser divertidos esses almoços, e o senhor tem muita coragem em comparecer — disse a sra. Verdurin, a quem o presidente da República se afigurava um “maçante” particularmente temível porque dispunha de meios de sedução e de coação que, empregados em relação aos fiéis, seriam capazes de fazê-los desertar. — Parece que ele é surdo como uma porta e que come com os dedos. 
— Com efeito, o senhor não deve divertir-se muito por lá — disse o doutor, com uma sombra de comiseração; e, lembrando-se do número de oito convivas: — São almoços íntimos, não? — indagou vivamente, mais por zelo de linguista do que por curiosidade de basbaque. 

     Mas o prestígio que tinha a seus olhos o presidente da República acabou triunfando da humildade de Swann e da malemolência da sra. Verdurin, e a cada jantar Cottard perguntava com interesse: “Veremos esta noite o senhor Swann? Ele tem relações pessoais com o senhor Grévy. É mesmo o que se chama um gentleman, não?”. Chegou até a oferecer-lhe um convite para a Exposição Odontológica.

— O senhor será admitido com as pessoas com quem estiver, mas não deixam entrar cachorros. Bem compreende que digo isso porque tive amigos que não o sabiam e ficaram roendo as unhas.

     Quanto ao sr. Verdurin, notou o mau efeito que causara à mulher aquela descoberta de que Swann tinha amizades poderosas a que jamais se referira.
     Quando não se havia arranjado um divertimento fora, era em casa dos Verdurin que Swann encontrava o pequeno grupo, mas só comparecia à noite e quase nunca aceitava convite para jantar, apesar das instâncias de Odette.

— Eu poderia até jantar sozinha com você, se assim preferisse — dizia ela. 
— E a senhora Verdurin? 
— Oh!, seria muito simples. Bastava dizer-lhe que meu vestido não ficou pronto ou que meu carro chegou atrasado. Sempre se dá um jeito. 
— É muito gentil.

     Mas Swann considerava que, se mostrasse a Odette (só consentindo em vê-la após o jantar) que havia prazeres que preferia ao de estar com ela, tão cedo não se saciaria o gosto que ela lhe dedicava. E, por outro lado, como preferia infinitamente à beleza de Odette a de uma pequena operária fresca e rechonchuda como uma rosa, de quem se enamorara, agradava-lhe mais passar o começo da noite com ela, estando certo de encontrar-se em seguida com Odette. A pequena operária o esperava perto de sua casa, numa esquina que Rémi, o cocheiro, já conhecia; sentava ao lado de Swann e ficava em seus braços até o momento em que o carro parava diante da casa dos Verdurin. Ao entrar, enquanto a sra. Verdurin, mostrando a Swann as rosas que este lhe enviara de manhã, dizia-se zangada e lhe indicava um lugar perto de Odette, o pianista tocava para os dois a pequena frase de Vinteuil, que era como o hino nacional do seu amor. Começava tenuta dos trêmulos de violino, que era só o que se ouvia durante alguns compassos, ocupando todo o primeiro plano; depois, de súbito, pareciam afastar-se e, como nessas telas de Pieter de Hooch, cuja perspectiva é aprofundada pelo quadro estreito de uma porta entreaberta ao longe, numa outra cor, no aveludado de uma luz interposta, a pequena frase aparecia, dançante, pastoral, intercalada, episódica, pertencente a um outro mundo. Passava em ondulações simples e imortais, distribuindo aqui e ali os dons de sua graça, com o mesmo inefável sorriso; mas Swann julgava distinguir-lhe agora um certo desencanto. Ela parecia conhecer a inconsistência dessa felicidade cujo caminho entremostrava. Na sua graça leve havia algo de consumado, como o desinteresse que se segue ao pesar. Mas pouco lhe importava, considerava-a menos em si mesma — no que podia significar para um músico que ignorava a existência dele e de Odette quando a compusera e para todos aqueles que a ouvissem nos séculos vindouros — do que como um penhor e lembrança de seu amor, que até ao pianista e aos Verdurin fazia pensar ao mesmo tempo em Odette e nele; e lhes servia de traço de união; tanto assim que, cedendo a um capricho de Odette, renunciara a pedir a um artista que lhe tocasse a sonata inteira, da qual continuou conhecendo apenas aquela passagem. “Que necessidade tem do resto?”, dissera-lhe Odette. “Este é o nosso trecho.” E sofrendo ao pensar, quando a frase passava tão próxima e ao mesmo tempo no infinito, que, enquanto se dirigia a eles, não os conhecia, Swann quase lamentava que ela tivesse um significado, uma beleza intrínseca e fixa, estranha aos dois, como, na joia que damos ou mesmo na carta que recebemos da amada, censuramos à água da gema e às palavras da linguagem não serem constituídas unicamente da essência de um amor fugaz e de uma determinada criatura.
     Sucedia-lhe às vezes demorar-se tanto com a jovem operária antes de ir aos Verdurin que, apenas executada ao piano a pequena frase, apercebia-se de que estava quase na hora de Odette recolher-se. Levava-a até a porta de seu apartamento, na rua La Pérouse, atrás do Arco do Triunfo.[8] E era talvez por causa disso, para não lhe pedir todos os favores, que Swann sacrificava o prazer (para ele menos necessário) de a ver mais cedo, de chegar com Odette em casa dos Verdurin, ao exercício daquele direito que ela lhe reconhecia, de partirem juntos, e ao qual ele dava mais valor, porque, graças a isso, tinha a impressão de que ninguém a via, nem se metia entre os dois, nem a impedia de estar ainda com ele, depois que a deixava.
     Assim costumava ela regressar no carro de Swann; uma noite, depois de apear e quando ele se despedia, Odette colheu precipitadamente no jardinzinho fronteiro à casa um último crisântemo e lho deu antes que ele partisse. Swann manteve-o apertado contra os lábios durante a volta, e quando, passados alguns dias, a flor murchou, guardou-a preciosamente na secretária.
     Mas nunca entrava em casa dela. Duas vezes apenas, à tarde, fora participar da operação, capital para Odette, de “tomar chá”. O isolamento e o vazio daquelas curtas ruas (constituídas quase todas de pequenas casas contíguas, cuja monotonia era de súbito interrompida por algum sinistro pardieiro, testemunho histórico e sórdido remanescente dos tempos em que aqueles quarteirões ainda eram mal-afamados), a neve que quedava no jardim e nas árvores, o desordenado da estação, a proximidade da natureza davam um não sei quê de mais misterioso ao calor e às flores que ele encontrara ao entrar.
     Deixando à esquerda, no térreo de nível superior ao da calçada, o quarto de dormir, cujos fundos davam para uma ruazinha paralela, uma escada reta subia para o salão e para o pequeno salão, entre paredes pintadas de cor sombria e de onde pendiam panos orientais, fios de rosários turcos e uma grande lanterna japonesa suspensa a um cordel de seda, mas que, para não privar os visitantes dos últimos confortos da civilização, era iluminada a gás. Eram as duas peças precedidas de um estreito vestíbulo, cuja parede, quadriculada com uma grade de jardim, mas pintada a ouro, se apresentava marginada em todo o seu compartimento por uma caixa retangular onde floria, como numa estufa, uma fila desses grandes crisântemos ainda raros naquela época, mas ainda muito longe dos que os horticultores conseguiram obter mais tarde. Irritava a Swann a moda dos crisântemos que lavrava desde o ano passado, mas desta vez sentira prazer ao ver a penumbra da peça zebrada de rosa, laranja e branco pelos raios olorosos daqueles astros efêmeros que se acendem nos dias cinzentos. Odette recebera-o de chambre cor-de-rosa, com o colo e os braços descobertos. Fizera-o sentar perto dela num dos inúmeros e misteriosos retiros arranjados nos desvãos da sala, protegidos por imensas palmas em vasos chineses, ou por biombos a que estavam pendurados retratos, laços de fita e leques. “Você assim não está a gosto”, disse-lhe ela, “espere que já vou acomodá-lo”, e, com o risinho vaidoso que teria por alguma invenção particular, instalara atrás da cabeça de Swann e sob seus pés almofadões de seda do Japão, que ela amassava como se fosse pródiga daquelas riquezas e descuidadosa do seu valor. Mas quando o criado foi trazendo sucessivamente as numerosas lâmpadas que, encerradas quase todas em globos chineses, ardiam isoladas ou aos pares, todas em móveis diferentes, como em altares e que, no crepúsculo já quase noturno daquele fim de tarde hibernal, faziam reviver um outro poente mais durável, mais róseo e mais humano — talvez fazendo parar na rua algum enamorado, a sonhar com o mistério daquela presença que ao mesmo tempo delatava e ocultava as vidraças acesas —, ela vigiava severamente de esguelha o homem, para ver se ele as colocava no lugar consagrado. Imaginava que, se pusessem uma única lâmpada em lugar impróprio, ficaria prejudicado o efeito de conjunto do salão e que o seu retrato, colocado num cavalete oblíquo forrado de pelúcia, não receberia boa luz. Assim, seguia febrilmente com o olhar os movimentos daquele homem grosseiro e repreendeu-o asperamente por ter ele passado muito perto de duas jardineiras e que ela própria se encarregava de limpar por medo que as quebrassem e que foi examinar em seguida para ver se o criado não lhes causara algum dano. Todos os seus bibelôs chineses, achava-os Odette de formas “divertidas”, bem como as orquídeas e as catleias, principalmente, que eram, com os crisântemos, as suas flores prediletas, porque tinham o grande mérito de não se assemelharem a flores, mas parecerem de seda ou de cetim.[9] “Esta parece que foi recortada do forro de meu mantô”, disse a Swann, mostrando-lhe a orquídea, com um quê de estima por aquela flor tão chique, aquela irmã elegante e imprevista que a natureza lhe dava, tão longe dela na escala dos seres e no entanto refinada, mais digna que muitas mulheres de que lhe desse um lugar em seu salão. Mostrando-lhe aqui umas quimeras de línguas de fogo pintadas numa porcelana ou bordadas numa tela, ali as corolas de um ramo de orquídeas, além um dromedário de prata esmaltada com olhos incrustados de rubis que vizinhava na lareira com um sapo de jade, ela ora afetava recear a maldade dos monstros ou zombar do seu grotesco, ora corar da indecência das flores ou sentir um desejo irresistível de beijar o dromedário e o sapo, a quem chamava de “queridos”. E essas afetações contrastavam com a sinceridade de algumas das suas devoções, principalmente a que dedicava a Nossa Senhora de Laghet, que a curara em Nice de uma doença mortal;[10] trazia sempre consigo a sua imagem numa medalhinha de ouro à qual atribuía um poder sem limites. Odette preparou para Swann o “seu” chá e indagou: “Limão ou creme?”, e como ele respondesse “creme”, disse-lhe a rir: “Uma nuvem, hem!”. E como ele o tivesse achado bom: “Bem vê você que eu conheço os seus gostos”. Aquele chá, com efeito, parecera a Swann, como a ela, algo de muito precioso; e tal necessidade tem o amor de encontrar uma justificação, uma garantia de durabilidade, em prazeres que, sem ele, não o seriam, e que com ele acabam, que, depois que a deixou às sete horas para ir preparar-se, durante todo o trajeto do cupê, não podendo conter a alegria que lhe proporcionara aquela tarde, ia Swann repetindo consigo: “Que agradável seria ter assim uma criaturinha em cuja casa se pudesse encontrar essa coisa tão rara, um bom chá”. Uma hora depois recebeu um bilhete de Odette, e logo reconheceu aquela caligrafia graúda em que uma afetação de rigidez britânica impunha aparências de disciplina a caracteres informes que talvez significassem, para olhos menos parciais, desordem de pensamento, insuficiência de educação, falta de franqueza e de vontade. Swann esquecera a cigarreira em casa de Odette. “Foi pena você não ter esquecido também o seu coração, pois isso eu não devolveria.”

continua na página 151...
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Leia também:

Volume 1
No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Tendo-se dispersado os fiéis - d)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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[1] Swann se recusa a vincular a grandeza da obra à mediocridade da pessoa que conhecera. Proust defendia ardentemente essa separação, e o projeto de escrita que deu origem ao livro criticava justamente aquele que pretendia ler a obra pelo autor, o crítico Sainte-Beuve. [n. e.]
[2] A pergunta indignada remete à “condição indispensável” para tomar parte na “igrejinha” dos Verdurin, apresentada no primeiro parágrafo deste capítulo. Pierre Potain, diferentemente do jovem dr. Cottard, já era médico e membro da Academia de Medicina desde 1882. [n. e.]
[3] Swann, na verdade, teme entrar em contato com o conteúdo de dor que a sonata contém. Por isso, preferirá associá-la à doçura do início de seu amor por Odette. [n. e.]
[4] Teatro enorme, com 3 mil lugares, o Châtelet apresentava concertos aos domingos. Dentre as peças de grande sucesso que ali foram encenadas conta-se também Cendrillon, citada mais adiante pela sra. Cottard. [n. e.]
[5] Ocorrido no dia 6 de janeiro de 1883. [n. e.]
[6] Peça de grande sucesso, escrita por Alexandre Dumas Filho e Pierre de CorvinKroukowski. A referência à reprise da peça e ao enterro de Gambetta situam, embora de maneira confusa, esse trecho do romance entre 1883 e 1884. [n. e.]
[7] Jules Grévy, presidente da França entre 1879 e 1885. Reeleito, renunciaria em 1887. [n. e.]
[8] Situada nos novos bairros residenciais, loteados por Haussmann, a residência de Odette se opõe ao cais de Orléans, que, situado na ilha Saint-Louis, não era ainda um lugar “elegante”. [n. e.]
[9] As “catleias” são orquídeas obtidas no final do século XIX pelo inglês William Cattley. À mesma época, expande-se a moda dos crisântemos na França. [n. e.]
[10] Laghet é lugar de peregrinação perto de Nice, cuja referência serve para aludir ao passado um tanto misterioso de Odette nessa última cidade. [n. e.]

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