sábado, 21 de dezembro de 2024

João Ubaldo Ribeiro - Política: Conclusão

QUEM Manda, POR QUE Manda, COMO Manda 


João Ubaldo Ribeiro 


Para meu amigo Glauber



Conclusão


     Tudo — ou quase tudo — que você leu neste livrinho pode ser visto por um ângulo diverso, ou mesmo vivamente contestado. É isto mesmo. Também este livro tem um significado ideológico. Se não pretendeu fazer pregação — mas ensinar com tanta honestidade quanto humanamente possível —, igualmente não se preocupou em querer ser, ou parecer, neutro e “objetivo”. 
     Como você observou, nenhum livro foi citado, nenhum autor mencionado. Mas é claro que tudo o que foi exposto aqui é uma síntese bem simplificada do muito que já se escreveu e pensou sobre todos esses assuntos. E também é claro que, com estas noções elementares, esperamos apenas que você esteja mais bem informado do que estava antes e, portanto, mais capaz de fazer suas próprias escolhas — não só quanto ao que leu aqui, mas quanto ao que lerá depois e, principalmente, quanto àquilo em que acreditará. Somente através da consciência política podemos aspirar à dignidade humana e à integral condição de cidadão. Boa sorte.


Apêndice
Como se vota no Brasil 

     No Brasil, vota-se desde os tempos da Colônia. De lá para cá o processo eleitoral brasileiro sofreu uma série de alterações, seja quanto à natureza do sufrágio (censitário ou universal), à qualidade do voto (a descoberto ou secreto), ou mesmo quanto à forma de eleição (indireta ou direta).
     Durante a Colônia, eleições indiretas escolhiam os representantes à Câmara Municipal, também chamada de “Assembleia dos Homens Bons”. O voto era censitário: no caso, limitado aos possuidores de uma renda igual ou superior a 25 quintais (1,5 t) de mandioca. Os eleitores eram apenas os homens livres do sexo masculino (alfabetizados ou não).
     Mesmo a Assembleia Constituinte de 1823, que marca a transição para o Império, foi eleita por representantes que, por sua vez, tinham sido escolhidos através de declaração oral dos eleitores. O voto, além de ser a descoberto, ainda era dado de viva voz.
     Durante o Império as regras permaneceram inalteradas até 1855, quando foi adotado o voto distrital, primeiro em colégios uninominais (era eleito um deputado por distrito); em 1860 os colégios passaram a ser plurinominais (elegendo-se três deputados por distrito). Mas as eleições continuavam indiretas. Quanto ao Senado, o eleitor votava em três nomes, e os três mais votados eram encaminhados ao imperador, que escolhia um. O cargo de senador era vitalício, e o número de senadores era metade do número de deputados.
     Em 1881, oito anos antes da proclamação da República, a Lei Saraiva, elaborada por um gabinete conservador, introduziu importantes modificações no processo eleitoral. Foi determinado o realistamento eleitoral e instituído o título de eleitor; as eleições passaram a ser diretas (exceto as municipais). O sistema eleitoral permaneceu distrital (embora os colégios tenham voltado a ser uninominais), assim como permaneceram os mesmos os limites do sufrágio: voto censitário e eleitorado composto por homens livres (alfabetizados ou não), maiores de 21 anos (os casados) e de 25 anos (os solteiros).
     A Constituição de 1891 instituiu novas regras, que vigorariam durante toda a República Velha (1889-1930). Eleições diretas em todos os níveis e sufrágio universal, mas com limitações: ficavam de fora analfabetos — que perderam o direito ao voto —, mulheres, mendigos, praças de pré e clero regular.
     A República Velha manteve o voto distrital, restabelecendo os colégios plurinominais, com distritos de três deputados com lista incompleta — o eleitor votava em dois nomes. Em 1904, a Lei Rosa e Silva aumentou o número de representantes por distrito para cinco. Cada eleitor podia votar em quatro nomes, mas podia também votar quatro vezes no mesmo candidato (voto cumulativo).
     O mandato dos senadores foi fixado em nove anos, renovando-se um terço a cada três anos. Eram três senadores por estado. Os estados também passaram a contar com Senados, cujos titulares eram eleitos da mesma maneira.
     O voto era facultativo e a descoberto. No dia da eleição, o eleitor levava duas cédulas e as assinava diante da mesa eleitoral. Os mesários conferiam e datavam as cédulas, colocando-as em envelopes. Um era depositado na urna e o outro era devolvido ao eleitor, como comprovante da votação.
     A mesa apurava os votos e lavrava as atas, forjando resultados, na maioria das vezes, através das famosas “atas falsas” — as eleições da República Velha ficaram conhecidas como eleições “a bico-de-pena”.
     Entretanto, não bastava ser eleito — muitas vezes através de fraude. Na ausência de uma Justiça Eleitoral, funcionava no Senado a Comissão de Verificação de Poderes, que ratificava ou não a eleição de deputados e senadores. Firmemente controlada pela elite governista, a comissão impedia que a oposição tivesse sua eleição reconhecida — era o mecanismo conhecido como “degola”.
     Assim, o voto secreto, a moralização das eleições, o fim do “bico-de-pena” e a criação de uma instância autônoma para administrar as eleições constituíram importantes bandeiras da Revolução de 30.
     Após a vitória da revolução, o Código Eleitoral de 1932 instituiu o voto secreto e obrigatório, criou a Justiça Eleitoral (o Tribunal Superior Eleitoral e os TREs) e consagrou o sufrágio universal. Acompanhando a extensão do sufrágio, o sistema eleitoral deixou de ser majoritário (distrital) e passou a ser proporcional, assim permanecendo até hoje. Mas o sufrágio universal ainda continha limitações. Embora mulheres e religiosos tivessem conquistado o direito ao voto, o código ainda excluía analfabetos, mendigos e praças de pré. Todas estas inovações foram mantidas pela Constituição de 1934, que diminuiu o número de senadores para dois por estado, extinguiu os Senados estaduais e fixou o mandato em oito anos, renovando-se a metade a cada quatro anos.
     Na Assembleia Constituinte de 1946 a questão do voto do analfabeto gerou enorme polêmica, mas venceu o argumento da UDN (partido de bases essencialmente urbanas), de que a exclusão dos analfabetos do eleitorado contribuiria para acelerar o processo de alfabetização da população. Na verdade, este argumento escondia um outro, tão ou mais importante: o principal rival da UDN, o PSD, tinha bases solidamente fincadas no interior. Dessa forma, a Constituição de 46 excluiu os analfabetos do eleitorado.
     O Senado Federal passou a contar com três senadores por estado e pelo distrito federal, com mandatos de oito anos, renovando um e dois terços a cada quatro anos.
     A Constituição de 67 manteve a exclusão dos analfabetos. O alargamento dos limites do sufrágio só viria a acontecer na Constituição de 88, tornando o voto facultativo para analfabetos, maiores de setenta anos e jovens entre 16 e 18 anos. No caso dos militares, só ficaram excluídos os recrutas, durante a prestação do serviço militar obrigatório.
     Quanto aos instrumentos de votação (título de eleitor e cédulas eleitorais), suas alterações foram bem menores. O título de eleitor, criado em 1881, não sofreu alterações substantivas até 1956, com a entrada em vigor da Lei n° 2.084, de 12.11.53, que obrigava a introdução do retrato do eleitor no título. O realistamento eleitoral diminuiu drasticamente o número de eleitores “fantasmas” (mortos, crianças, eleitores cadastrados em mais de um município), resultando numa diminuição do eleitorado da ordem de 8,7% — em 1954 eram 15.104.604 eleitores e em 1958 passaram a ser 13.780.244.
     Para a Constituinte de 87/88, a Justiça Eleitoral determinou um novo alistamento; a informatização de seus serviços aumentou os instrumentos de controle e eliminou a necessidade de retrato no título de eleitor.
     As cédulas eleitorais, por sua vez, eram individuais e confeccionadas pelo candidato ou pelo próprio eleitor — era o chamado “voto marmita”, porque o eleitor já trazia praticamente pronto, de casa, o envelope onde estavam as cédulas dos seus candidatos. Entre 1945 e 1964, continuaram individuais (exceto para a eleição presidencial, que passou a contar com uma cédula única a partir de 1955), porém distribuídas pelos partidos políticos. Só a partir de 1964 é que a Justiça Eleitoral passou a se responsabilizar pela elaboração e distribuição das cédulas de votação.
     A forma de eleição evoluiu desde a Colônia no sentido da adoção das eleições diretas para todos os níveis, a partir da Constituição de 1891. Entretanto, como parte integrante da autonomia política estadual, alguns estados decidiram que os prefeitos de suas capitais seriam nomeados. Este sistema foi mantido até o final da década de 1950.
     Durante o período autoritário (1964-85), as principais eleições voltaram a ser indiretas. A partir do Ato Institucional n° 2, de 27.10.65, passaram a ser indiretas as eleições para presidente da República, governadores de estado e prefeitos das capitais, das estâncias hidrominerais e dos municípios considerados “de segurança nacional” (aí incluídas algumas cidades históricas).
     Em 1977, o Pacote de Abril, baixado pelo governo do general Geisel, criou a figura do “senador biônico”, ao determinar que um terço dos senadores seria escolhido em eleição indireta, pelas assembleias legislativas, juntamente com o governador.
     O retorno às eleições diretas foi gradativo. Em 1982 governadores e senadores passaram a ser eleitos diretamente. Em 1985 foi a vez dos prefeitos de capitais, de estâncias hidrominerais e de municípios de segurança nacional. Finalmente, em 1989 o presidente da República voltou a ser escolhido em eleições diretas.

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* praça de pré: um praça de pré (referido ocasionalmente pelo termo arcaico: praça de pret), ou simplesmente praça, é um militar que pertence à categoria inferior da hierarquia militar. Normalmente, incluem-se na categoria das praças os militares com graduações de soldado e de cabo. Nas Forças Armadas, os sargentos e suboficiais também estão incluídos na classe dos praças. (nota do baitasar)

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* Todo cicdadão e cidadã  alfabetizado(a), nascido no Brasil ou naturalizado(a), com idade entre 18 e 70 anos, é obrigado a votar. o  voto é facultativo para jovens com 16 e 17 anos, pessoas com mais de 70 anos e analfabetos. É preciso tirar o Título de Eleitor para exercer o direito de votar. (nota do baitasar)

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Saiba mais sobre a história do voto:
Década de 30: surgem os votos secreto e feminino
Anos 60 e 70: ditadura e bipartidarismo
Década de 80: as Diretas-Já
Década de 90: avanços no sistema eleitoral
Anos 2000 têm tecnologia avançada, mas falta reforma política

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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Leia também:

João Ubaldo Ribeiro - Política: Conclusão
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João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) foi romancista, cronista, jornalista, tradutor e professor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras ocupou a cadeira n.º 34. Em 2008 recebeu o Prêmio Camões. Foi um grande disseminador da cultura brasileira, sobretudo a baiana. Entre suas obras que fizeram grande sucesso encontram-se "Sargento Getúlio", "Viva o Povo Brasileiro" e "O Sorriso do Lagarto".
João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, na Bahia, no dia 23 de janeiro de 1941, na casa de seus avós. Era filho dos advogados Manuel Ribeiro e de Maria Filipa Osório Pimentel.
João Ubaldo foi criado até os 11 anos, em Sergipe, onde seu pai trabalhava como professor e político. Fez seus primeiros estudos em Aracaju, no Instituto Ipiranga.
Em 1951 ingressou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Em 1955 mudou-se para Salvador, e ingressou no Colégio da Bahia. Estudou francês e latim.

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© 1998 by João Ubaldo Ribeiro
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Revisão
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CIP-Brasil.
Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
R369p
Ribeiro, João Ubaldo 3 ed. Política; quem manda, por que manda, como manda / João Ubaldo Ribeiro. — 3.ed.rev. por Lucia Hippolito. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
Apêndice
1. Ciência política. I. Título
CDD 320
CDU 32

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