QUEM Manda, POR QUE Manda, COMO Manda
João Ubaldo Ribeiro Para meu amigo Glauber
Tudo — ou quase tudo — que você leu neste livrinho pode ser visto
por um ângulo diverso, ou mesmo vivamente contestado. É isto mesmo.
Também este livro tem um significado ideológico. Se não pretendeu fazer
pregação — mas ensinar com tanta honestidade quanto humanamente
possível —, igualmente não se preocupou em querer ser, ou parecer,
neutro e “objetivo”.
Como você observou, nenhum livro foi citado, nenhum autor
mencionado. Mas é claro que tudo o que foi exposto aqui é uma síntese
bem simplificada do muito que já se escreveu e pensou sobre todos esses
assuntos. E também é claro que, com estas noções elementares,
esperamos apenas que você esteja mais bem informado do que estava
antes e, portanto, mais capaz de fazer suas próprias escolhas — não só
quanto ao que leu aqui, mas quanto ao que lerá depois e, principalmente,
quanto àquilo em que acreditará. Somente através da consciência
política podemos aspirar à dignidade humana e à integral condição de
cidadão. Boa sorte.
Apêndice
Como se vota no Brasil
No Brasil, vota-se desde os tempos da Colônia. De lá para cá o
processo eleitoral brasileiro sofreu uma série de alterações, seja quanto à
natureza do sufrágio (censitário ou universal), à qualidade do voto (a
descoberto ou secreto), ou mesmo quanto à forma de eleição (indireta ou
direta).
Durante a Colônia, eleições indiretas escolhiam os representantes à
Câmara Municipal, também chamada de “Assembleia dos Homens Bons”.
O voto era censitário: no caso, limitado aos possuidores de uma renda
igual ou superior a 25 quintais (1,5 t) de mandioca. Os eleitores eram
apenas os homens livres do sexo masculino (alfabetizados ou não).
Mesmo a Assembleia Constituinte de 1823, que marca a transição
para o Império, foi eleita por representantes que, por sua vez, tinham
sido escolhidos através de declaração oral dos eleitores. O voto, além de ser
a descoberto, ainda era dado de viva voz.
Durante o Império as regras permaneceram inalteradas até 1855,
quando foi adotado o voto distrital, primeiro em colégios uninominais (era
eleito um deputado por distrito); em 1860 os colégios passaram a ser
plurinominais (elegendo-se três deputados por distrito). Mas as eleições
continuavam indiretas. Quanto ao Senado, o eleitor votava em três
nomes, e os três mais votados eram encaminhados ao imperador, que
escolhia um. O cargo de senador era vitalício, e o número de
senadores era metade do número de deputados.
Em 1881, oito anos antes da proclamação da República, a Lei
Saraiva, elaborada por um gabinete conservador, introduziu
importantes modificações no processo eleitoral. Foi determinado o
realistamento eleitoral e instituído o título de eleitor; as eleições
passaram a ser diretas (exceto as municipais). O sistema eleitoral
permaneceu distrital (embora os colégios tenham voltado a ser
uninominais), assim como permaneceram os mesmos os limites do
sufrágio: voto censitário e eleitorado composto por homens livres
(alfabetizados ou não), maiores de 21 anos (os casados) e de 25 anos
(os solteiros).
A Constituição de 1891 instituiu novas regras, que vigorariam
durante toda a República Velha (1889-1930). Eleições diretas em
todos os níveis e sufrágio universal, mas com limitações: ficavam de
fora analfabetos — que perderam o direito ao voto —, mulheres,
mendigos, praças de pré e clero regular.
A República Velha manteve o voto distrital, restabelecendo os
colégios plurinominais, com distritos de três deputados com lista
incompleta — o eleitor votava em dois nomes. Em 1904, a Lei Rosa e
Silva aumentou o número de representantes por distrito para cinco.
Cada eleitor podia votar em quatro nomes, mas podia também votar
quatro vezes no mesmo candidato (voto cumulativo).
O mandato dos senadores foi fixado em nove anos, renovando-se um terço a cada três anos. Eram três senadores por estado. Os
estados também passaram a contar com Senados, cujos titulares
eram eleitos da mesma maneira.
O voto era facultativo e a descoberto. No dia da eleição, o
eleitor levava duas cédulas e as assinava diante da mesa eleitoral. Os
mesários conferiam e datavam as cédulas, colocando-as em envelopes.
Um era depositado na urna e o outro era devolvido ao eleitor, como
comprovante da votação.
A mesa apurava os votos e lavrava as atas, forjando resultados, na
maioria das vezes, através das famosas “atas falsas” — as eleições da
República Velha ficaram conhecidas como eleições “a bico-de-pena”.
Entretanto, não bastava ser eleito — muitas vezes através de
fraude. Na ausência de uma Justiça Eleitoral, funcionava no Senado a
Comissão de Verificação de Poderes, que ratificava ou não a eleição de
deputados e senadores. Firmemente controlada pela elite governista, a
comissão impedia que a oposição tivesse sua eleição reconhecida — era o
mecanismo conhecido como “degola”.
Assim, o voto secreto, a moralização das eleições, o fim do “bico-de-pena” e a criação de uma instância autônoma para administrar as eleições
constituíram importantes bandeiras da Revolução de 30.
Após a vitória da revolução, o Código Eleitoral de 1932 instituiu o
voto secreto e obrigatório, criou a Justiça Eleitoral (o Tribunal Superior
Eleitoral e os TREs) e consagrou o sufrágio universal. Acompanhando a
extensão do sufrágio, o sistema eleitoral deixou de ser majoritário
(distrital) e passou a ser proporcional, assim permanecendo até hoje. Mas
o sufrágio universal ainda continha limitações. Embora mulheres e
religiosos tivessem conquistado o direito ao voto, o código ainda excluía
analfabetos, mendigos e praças de pré. Todas estas inovações foram
mantidas pela Constituição de 1934, que diminuiu o número de
senadores para dois por estado, extinguiu os Senados estaduais e fixou o
mandato em oito anos, renovando-se a metade a cada quatro anos.
Na Assembleia Constituinte de 1946 a questão do voto do
analfabeto gerou enorme polêmica, mas venceu o argumento da UDN
(partido de bases essencialmente urbanas), de que a exclusão dos
analfabetos do eleitorado contribuiria para acelerar o processo de
alfabetização da população. Na verdade, este argumento escondia um
outro, tão ou mais importante: o principal rival da UDN, o PSD, tinha
bases solidamente fincadas no interior. Dessa forma, a Constituição de 46
excluiu os analfabetos do eleitorado.
O Senado Federal passou a contar com três senadores por estado e
pelo distrito federal, com mandatos de oito anos, renovando um e dois
terços a cada quatro anos.
A Constituição de 67 manteve a exclusão dos analfabetos. O
alargamento dos limites do sufrágio só viria a acontecer na Constituição de
88, tornando o voto facultativo para analfabetos, maiores de setenta anos
e jovens entre 16 e 18 anos. No caso dos militares, só ficaram excluídos
os recrutas, durante a prestação do serviço militar obrigatório.
Quanto aos instrumentos de votação (título de eleitor e cédulas
eleitorais), suas alterações foram bem menores. O título de eleitor, criado
em 1881, não sofreu alterações substantivas até 1956, com a entrada em
vigor da Lei n° 2.084, de 12.11.53, que obrigava a introdução do retrato
do eleitor no título. O realistamento eleitoral diminuiu drasticamente o
número de eleitores “fantasmas” (mortos, crianças, eleitores cadastrados
em mais de um município), resultando numa diminuição do eleitorado da
ordem de 8,7% — em 1954 eram 15.104.604 eleitores e em 1958
passaram a ser 13.780.244.
Para a Constituinte de 87/88, a Justiça Eleitoral determinou um
novo alistamento; a informatização de seus serviços aumentou os
instrumentos de controle e eliminou a necessidade de retrato no título de
eleitor.
As cédulas eleitorais, por sua vez, eram individuais e
confeccionadas pelo candidato ou pelo próprio eleitor — era o chamado
“voto marmita”, porque o eleitor já trazia praticamente pronto, de casa, o
envelope onde estavam as cédulas dos seus candidatos. Entre 1945 e
1964, continuaram individuais (exceto para a eleição presidencial,
que passou a contar com uma cédula única a partir de 1955), porém
distribuídas pelos partidos políticos. Só a partir de 1964 é que a
Justiça Eleitoral passou a se responsabilizar pela elaboração e
distribuição das cédulas de votação.
A forma de eleição evoluiu desde a Colônia no sentido da adoção
das eleições diretas para todos os níveis, a partir da Constituição de
1891. Entretanto, como parte integrante da autonomia política
estadual, alguns estados decidiram que os prefeitos de suas capitais
seriam nomeados. Este sistema foi mantido até o final da década de
1950.
Durante o período autoritário (1964-85), as principais eleições
voltaram a ser indiretas. A partir do Ato Institucional n° 2, de
27.10.65, passaram a ser indiretas as eleições para presidente da
República, governadores de estado e prefeitos das capitais, das
estâncias hidrominerais e dos municípios considerados “de
segurança nacional” (aí incluídas algumas cidades históricas).
Em 1977, o Pacote de Abril, baixado pelo governo do general
Geisel, criou a figura do “senador biônico”, ao determinar que um
terço dos senadores seria escolhido em eleição indireta, pelas
assembleias legislativas, juntamente com o governador.
O retorno às eleições diretas foi gradativo. Em 1982
governadores e senadores passaram a ser eleitos diretamente. Em
1985 foi a vez dos prefeitos de capitais, de estâncias hidrominerais e
de municípios de segurança nacional. Finalmente, em 1989 o
presidente da República voltou a ser escolhido em eleições diretas.
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* praça de pré: um praça de pré (referido ocasionalmente pelo termo arcaico: praça de pret), ou simplesmente praça, é um militar que pertence à categoria inferior da hierarquia militar. Normalmente, incluem-se na categoria das praças os militares com graduações de soldado e de cabo. Nas Forças Armadas, os sargentos e suboficiais também estão incluídos na classe dos praças. (nota do baitasar)
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* Todo cicdadão e cidadã alfabetizado(a), nascido no Brasil ou naturalizado(a), com idade entre 18 e 70 anos, é obrigado a votar. o voto é facultativo para jovens com 16 e 17 anos, pessoas com mais de 70 anos e analfabetos. É preciso tirar o Título de Eleitor para exercer o direito de votar. (nota do baitasar)
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Saiba mais sobre a história do voto:
Década de 30: surgem os votos secreto e femininoAnos 60 e 70: ditadura e bipartidarismoDécada de 80: as Diretas-Já Década de 90: avanços no sistema eleitoralAnos 2000 têm tecnologia avançada, mas falta reforma políticaFonte: Agência Câmara de Notícias
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Leia também:
João Ubaldo Ribeiro - Política: Conclusão
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João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) foi romancista, cronista, jornalista, tradutor e professor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras ocupou a cadeira n.º 34. Em 2008 recebeu o Prêmio Camões. Foi um grande disseminador da cultura brasileira, sobretudo a baiana. Entre suas obras que fizeram grande sucesso encontram-se "Sargento Getúlio", "Viva o Povo Brasileiro" e "O Sorriso do Lagarto".
João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, na Bahia, no dia 23 de janeiro de 1941, na casa de seus avós. Era filho dos advogados Manuel Ribeiro e de Maria Filipa Osório Pimentel.
João Ubaldo foi criado até os 11 anos, em Sergipe, onde seu pai trabalhava como professor e político. Fez seus primeiros estudos em Aracaju, no Instituto Ipiranga.
Em 1951 ingressou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Em 1955 mudou-se para Salvador, e ingressou no Colégio da Bahia. Estudou francês e latim.
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© 1998 by João Ubaldo Ribeiro
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Revisão
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CIP-Brasil.
Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
R369p
Ribeiro, João Ubaldo 3 ed. Política; quem manda, por que manda, como manda / João Ubaldo Ribeiro. — 3.ed.rev. por Lucia Hippolito. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
Apêndice
1. Ciência política. I. Título
CDD 320
CDU 32
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