domingo, 13 de abril de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Cosette, Livro Quinto - Para Caçada Tenebrosa Matilha Silenciosa / II - É uma felicidade passarem veículos pela ponte de Austerlitz

Victor Hugo - Os Miseráveis


Segunda Parte - Cosette

Livro Quinto — Para Caçada Tenebrosa Matilha Silenciosa

II - É uma felicidade passarem veículos pela ponte de Austerlitz
     
      A incerteza cessou para Jean Valjean; mas felizmente durava ainda para os homens misteriosos. Aquele aproveitou-se da hesitação destes; tempo perdido para uns, e ganho pelo outro. Jean Valjean saiu da porta em que se ocultara e meteu-se pela rua das Postas na direção do Jardim das Plantas. Costte começava a sentur-se fatigada; Jean Valjean tomou-a nos braços e continuou a caminhar. Não encontrou vivalma e os candeeiros, por haver luar, não tinham sido acesos.
      Jean Valjean apertou o passo. Em poucos minutos chegou à fábrica de loiça de Goblet, em cuja fachada o luar tornava distintamente legível a sua velha inscrição:

Ao grande fabricante Goblet filho 
Correi, vinde comprar: tubos de grés. 
Tijolos, bilhas, vasos, bom ladrilho, 
A preços de espantar qualquer freguês. 

     Deixou atrás de si a rua da Chave, depois a fonte de S. Vítor, caminhou ao longo do Jardim das Plantas e chegou ao cais. Ali olhou para trás. O cais e as ruas estavam desertas. Não vendo ninguém atrás de si respirou fundo e dirigiu-se por fim à ponte de Austerlitz. Naquela época existia ali o direito de portagem, portanto entrou na casa do empregado encarregado de o cobrar e deu-lhe um soldo.

 — São dois soldos — disse o inválido da ponte. — Leva consigo uma criança que pode andar, por conseguinte há de pagar por ela.

      Jean Valjean pagou, mas sentiu-se contrariado de que a sua passagem pela ponte desse lugar a uma observação. Toda a espécie de fuga deve evitar incidentes. 
      Ao mesmo tempo que ele, uma grande carroça passava o Sena para a margem direita. Esta coincidência foi muito útil: pôde atravessar toda a ponte abrigado pela sombra da carroça.
     Quase no meio da ponte, Cosette, que tinha os pés dormentes, manifestou desejos de andar; ele pô-la no chão e travou-lhe da mão outra vez.
      Transposta a ponte, avistou à direita umas estâncias de madeira e encaminhou-se para elas. Para chegar, porém, ao sítio em que elas ficavam era preciso aventurar-se por um espaço bastante largo, que estava a descoberto e completamente alumiado. Não hesitou. Evidentemente os que o perseguiam tinham-lhe perdido o rasto, e por isso, Jean Valjean julgava-se livre de perigo. Procurado, sim; seguido, não.
     Entre duas estâncias de madeira, cercadas por uma parede, abria-se uma ruazinha, a rua do Caminho Verde de Santo António, estreita, escura e como que feita de propósito para ele. Antes, porém, de se meter por ela, olhou para trás.
     Do sítio em que estava via a ponte de Austerlitz em toda a sua extensão.
      Acabavam de entrar na ponte quatro sombras, que voltavam as costas ao Jardim das Plantas e se dirigiam para a margem direita.
      Estas quatro sombras eram os quatro homens.
      Jean Valjean sentiu o estremecimento do animal que é apanhado de novo.
     Restava-lhe, porém, uma esperança: era que talvez aqueles homens não tivessem ainda entrado na ponte, nem o tivessem avistado na ocasião em que, com Cosette pela mão, atravessara o grande espaço iluminado.
      Nesse caso, metendo-se pela ruazinha que tinha à sua frente, se conseguisse chegar às estâncias de madeira, aos pântanos, aos campos, aos sítios sem casas, podia escapar.
     Pareceu-lhe digna de confiança aquela ruazinha silenciosa e meteu-se por ela.

continua na página 346...
______________

Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
_________________________


Segunda Parte
Os Miseráveis: Cosette, Livro Quinto - II - É uma felicidade passarem veículos pela ponte de Austerlitz
_______________________
  
Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

Nenhum comentário:

Postar um comentário