sexta-feira, 25 de abril de 2025

Marcel Proust - À Sombra das Moças em Flor (Nomes de Lugares: o Lugar - u)

em busca do tempo perdido


volume II
À Sombra das Moças em Flor

Segunda Parte
Nomes de Lugares: o Lugar


(u)

continuando...

      Por mais desapontado que ficasse por ter achado na Srta. Simonet uma moça muito pouco diferente de todas que conhecia, assim como a minha decepção diante da igreja de Balbec cancelava-me o desejo de ir a Quimperlé, a Pont-Aven e a Veneza, dizia comigo que, ao menos por meio de Albertine, caso ela mesma não fosse o que eu havia esperado, poderia conhecer suas amigas do pequeno grupo. A princípio julguei que iria fracassar. Como ela devia permanecer ainda muito tempo em Balbec, e eu também, achara que o melhor seria não insistir em vê-la e esperar uma ocasião que me proporcionasse um encontro. Mas isso acontecia todos os dias; era muito de temer que ela se contentasse em responder de longe à minha saudação, a qual, neste caso, repetida diariamente por toda a temporada, não levaria a coisa alguma.
     Pouco tempo depois, certa manhã em que chovera e em que fazia quase frio, fui abordado no molhe por uma moça que usava boina e regalo, tão diferente daquela que vira na reunião em casa de Elstir, que parecia a meu espírito uma operação impossível reconhecer nela a mesma pessoa; todavia, pude reconhecê-la, mas após um momento de surpresa que julgo não ter escapado a Albertine. Por outro lado, lembrando-me naquele instante das "boas maneiras" que me haviam espantado, ela me deixou assombrado em sentido inverso pelo seu tom rude e suas maneiras "pequeno grupo". Quanto ao mais, a têmpora deixara de ser o centro ótico e tranquilizador do rosto, seja porque eu estivesse colocado do outro lado dela, seja porque a boina a tapasse, seja porque a vermelhidão fosse inconstante.

- Que tempo! - disse ela. - No fundo, o verão sem fim de Balbec é uma grande piada. Você não faz nada aqui? Nunca se vê você no golfe, nos bailes do cassino; tampouco anda a cavalo. Como deve se aborrecer! Não acha que a gente se imbeciliza ficando o tempo todo na praia? Ah, você gosta de bancar o lagarto, hein? Bem, você tem tempo. Vejo que não é como eu; adoro todos os esportes! Não esteve nas corridas da Sogne? Nós fomos até lá de bonde, e compreendo que não lhe agrade um calhambeque daqueles. Levamos duas horas até lá! No mesmo tempo, eu teria ido e voltado três vezes com a minha bicicleta.

     Eu, que havia admirado Saint-Loup quando ele se referira, com toda a naturalidade, ao pequeno trem de ferro local como "tortinho", devido às numerosas curvas que fazia, fiquei intimidado com a facilidade com que Albertine dizia "calhambeque". Sentia a sua maestria em um sistema de designações em que eu temia que ela percebesse e desprezasse a minha inferioridade.
     Também a riqueza de sinônimos que possuía o pequeno grupo para designar aquela estrada de ferro ainda não me fora revelada. Falando, Albertine conservava a cabeça imóvel, as narinas apertadas, e movia apenas a ponta dos lábios. Daí resultava um som como que arrastado e nasal, em cuja composição talvez entrassem heranças provincianas, uma afetação juvenil de fleuma britânica, lições de uma professora estrangeira e uma hipertrofia congestiva da mucosa do nariz. Tal emissão de voz, que aliás cedia bem depressa à medida que ia conhecendo as pessoas, e se tornava naturalmente infantil, poderia passar por desagradável. Era no entanto muito especial e me deixava encantado. Todas as vezes que ficava alguns dias sem vê-la, exaltava-me repetindo:

"Nunca se vê você no golfe", com o tom nasal com que ela falara, muito reta, sem mexer a cabeça. E então imaginava não existir pessoa mais desejável.

      Formávamos, naquela manhã, um desses pares que matizam aqui e ali o passeio do molhe com seus encontros, suas paradas, justo o tempo necessário para trocar algumas palavras antes de se despedirem para cada um tomar em separado o seu passeio divergente. Aproveitei essa imobilidade para olhar e saber em definitivo onde estava situado o sinalzinho. Ora, assim como um trecho de Vinteuil que me encantara na Sonata e que minha memória fazia vaguear do andante ao final, até o dia em que, tendo em mãos a partitura, pude encontrá-lo e imobilizá-lo na minha lembrança em seu lugar devido, no scherzo-da mesma forma o sinalzinho que me lembrava estar ora na face, ora no queixo, parou para sempre sobre o lábio superior abaixo do nariz. Do mesmo modo encontramos, com espanto, versos que sabíamos de cor, numa peça onde não suspeitávamos que estivessem.
      Naquele momento, como para que diante do mar se multiplicasse livremente, na variedade de suas formas, todo o rico conjunto decorativo que era o belo desfilar das virgens, a um tempo róseas e douradas, curtidas pelo sol e pelo vento, as amigas de Albertine, de pernas bonitas e lindo corpo, mas tão diversas umas das outras, mostraram seu grupo, que foi se desenrolando, avançando em nossa direção, mais perto do mar, numa linha paralela. Pedi licença a Albertine para acompanhá-la por alguns instantes. Infelizmente ela se contentou em lhes abanar com a mão.

- Mas suas amigas vão se queixar se não acompanhá-las. - disse-lhe, esperando que passeássemos juntos.

     Um rapaz de feições regulares, com raquetes na mão, se aproximou de nós. Era o jogador de bacará, cujas loucuras tanto indignavam a esposa do primeiro magistrado. Com ar frio, impassível, no qual evidentemente ele imaginava consistir a suprema distinção, cumprimentou Albertine.

- Está vindo do golfe, Octave? - indagou esta. - Correu tudo bem? Está em forma?
- Oh, isto me aborrece, estou em apuros - respondeu ele.
- André também estava lá?
- Sim, e fez setenta e sete. 
- Oh, mas é um recorde! 
- Eu tinha feito oitenta e dois ontem.

     Octave era filho de um industrial muito rico que deveria desempenhar um papel importantíssimo na organização da próxima Exposição universal. Espantou-me ver a que ponto, naquele moço e nos outros raros amigos masculinos dessas moças, o conhecimento que possuíam de tudo quanto era roupa, modo de vestir, charutos, bebidas inglesas, cavalos conhecimento que Octave possuía nos mínimos detalhes com uma infalibilidade altiva que atingia a modéstia silenciosa do sábio se desenvolvera isoladamente sem ser acompanhado da menor cultura intelectual. Não mostrava qualquer hesitação sobre a oportunidade do smoking ou do pijama, mas não suspeitava do caso em que se pode ou não empregar certa palavra, e nem mesmo das regras mais elementares do francês. Essa disparidade entre os dois tipos de cultura devia ser a mesma no caso de seu pai, presidente do Sindicato dos Proprietários de Balbec, pois, numa carta aberta aos eleitores, que acabara de afixar em todos os muros, dizia:

"Eu quis ver o prefeito para falá-lo a respeito disso, ele não quis ouvir minhas justas queixas."

     Octave, no cassino, ganhava prêmios em todos os concursos de bóston, tango, etc., o que lhe proporcionaria, se quisesse, um belo casamento nesse ambiente de "banhos de mar", onde não é no sentido figurado, mas no literal, que as moças acabam casando com seu "par". Octave acendeu um charuto enquanto dizia a Albertine:

- Com licença. - como se pede autorização para terminar um trabalho urgente enquanto se conversa. Pois ele nunca podia "ficar sem fazer nada", embora nunca fizesse coisa nenhuma. E, como a inatividade completa acaba por ter os mesmos efeitos que o trabalho exagerado, tanto no domínio moral como na vida do corpo e dos músculos, a constante nulidade intelectual que morava por trás da fronte sonhadora de Octave acabara por lhe conferir, apesar de seu aspecto tranquilo, ineficazes tentações de pensamento que o impediam de dormir à noite, como poderia ocorrer a um metafísico exausto.

      Imaginando que se conhecesse seus amigos poderia ter mais oportunidades de ver essas moças, estava a ponto de pedir para lhe ser apresentado. Assim o disse a Albertine, logo que ele foi embora repetindo:

- Estou em apuros. Pensava incutir-lhe a ideia de me apresentar da próxima vez. 
- O quê! - exclamou Albertine. - Não posso apresentá-lo a um gigolô! Isto aqui fervilha de gigolôs. Mas eles não poderiam conversar com você. Este joga muito bem o golfe, e pronto. Sei o que estou dizendo, não é absolutamente do seu gênero. 
- Suas amigas vão se queixar se as deixa assim - disse eu, esperando que ela propusesse irmos juntos ao encontro delas. 
- Nada disso, elas não têm necessidade alguma de mim.

     Passamos por Bloch, que me lançou um sorriso fino e insinuante e, embaraçado quanto a Albertine, a quem não conhecia, ou pelo menos conhecia "sem conhecer", abaixou a cabeça para o colarinho num movimento seco e rebarbativo. 

- Como é que se chama esse ostrogodo? perguntou Albertine. - Não sei por que me cumprimenta, visto que não me conhece. Portanto, não lhe retribuí seu cumprimento.
 
     Mas eu não pensava mais do que em rever Albertine e tentar conhecer suas amigas, e Doncieres, como elas não iam para lá e me obrigaria a voltar para casa depois da hora em que elas estariam na praia, me parecia ficar no fim do mundo. Disse a Bloch que aquilo era-me impossível.

- Pois bem, irei sozinho. Conforme os dois ridículos alexandrinos do Sr. Arouet, direi a Saint-Loup, para acalentar seu anticlericalismo: Saiba que meu dever não depende do seu. Faça o que lhe aprouver; eu cumprirei o meu.
- Reconheço que é um belo rapaz - disse-me Albertine -, mas o fato é que ele me desagrada.

     Jamais imaginara que Bloch pudesse ser tido como um belo rapaz. Era-o de fato. Com uma cabeça um tanto proeminente, um nariz bem recurvo, um ar de extrema finura, e de quem estava convencido da própria finura, tinha um rosto agradável. Mas não podia agradar Albertine. Era talvez devido às más qualidades de Albertine, à dureza e à insensibilidade do pequeno grupo, à grosseria dela para com tudo o que lhe não dizia respeito. Aliás, mais tarde, quando os apresentei, a antipatia de Albertine não diminuiu. Bloch pertencia a um meio no qual, entre o gracejo empregado na alta sociedade e o suficiente respeito pelas boas maneiras que deve ter um homem que tem "mãos limpas", ergueu-se entretanto uma espécie de compromisso particular que difere das maneiras da alta sociedade e é, apesar de tudo, uma forma singularmente odiosa de mundanismo. Quando era apresentado a alguém, Bloch se inclinava a um tempo com um sorriso de ceticismo e um respeito exagerado e, se se tratava de um homem, dizia:

- Encantado, senhor - com uma voz que se ria das palavras pronunciadas mas tinha consciência de pertencer a alguém que não era um sujeito grosseiro. Após esse primeiro momento de um costume que ele seguia e do qual, ao mesmo tempo, troçava (como quando dizia no dia 1° de janeiro: "Feliz Ano-Novo"), tomava um ar de finura e malícia e "proferia coisas sutis" que, muitas vezes, eram cheias de verdade, mas "irritavam os nervos" de Albertine. Quando lhe disse naquele primeiro dia que ele se chamava Bloch, ela exclamou: 
- Eu seria capaz de jurar que era judeu. É bem do jeito deles.

     Aliás, Bloch, a seguir, devia irritar Albertine de outra forma. Como diversos intelectuais, ele não podia dizer com simplicidade as coisas simples. Para cada uma, encontrava um qualificativo precioso e depois generalizava. Isto aborrecia Albertine, que não gostava muito de que se ocupassem como que ela fazia; quando torceu o pé e teve de ficarem sossego, Bloch observou:

- Ela está na espreguiçadeira mas, por ubiquidade, não deixa de frequentar simultaneamente indistintos golfes e remotos tênis.

     Aquilo não passava de "literatura", mas que, devido às dificuldades que Albertine sentia que poderia lhe criar com as pessoas cujo convite recusara, dizendo que não podia se mover, bastou para que criasse aversão ao rosto e ao som da voz do rapaz que dizia tais coisas.
     Separamo-nos, Albertine e eu, combinando sair juntos um dia. Conversara com ela sem mais saber aonde cairiam minhas palavras e aonde iriam parar, como se lançasse pedras num abismo sem fundo. Que em geral sejam preenchidas, pela pessoa a quem as dirigimos, de um sentido que ela tira de sua própria substância e que é bem diferente do que havíamos posto nessas mesmas palavras, é um fato que a vida cotidiana nos revela permanentemente. Mas se, além disso, estamos juntos de uma pessoa cuja educação (como, para mim, a de Albertine) nos é inconcebível, desconhecidas as inclinações, as leituras, os princípios, não sabemos se nossas palavras nela despertam maior reação que num animal, a quem no entanto tivéssemos de fazer compreender certas coisas. De modo que tentar ligar-me a Albertine me parecia uma tomada de contato com o desconhecido, senão com o impossível, como um exercício tão incômodo feito o de domar um cavalo, tão repousante como o de criar abelhas ou cultivar rosas.
      Algumas horas antes, julgara que Albertine só responderia de longe ao meu cumprimento. Acabávamos de nos separar fazendo projeto de um passeio juntos. Prometi a mim mesmo, quando encontrasse Albertine de novo, ser mais ousado com ela, e já traçara previamente o plano de tudo o que lhe diria e até mesmo (agora que tinha a impressão absoluta de que ela devia ser leviana) de todos os prazeres que lhe exigiria. Mas o espírito é influenciável como a planta, como a célula, como os elementos químicos e o meio que o modifica, se nele o mergulhamos, vem a ser as circunstâncias, um quadro novo. Tornando-me diverso pelo fato de sua própria presença, quando me encontrei de novo com Albertine disse-lhe coisas bem diferentes das que havia planejado. Depois, lembrando-me da têmpora avermelhada, perguntava a mim mesmo se Albertine não gostaria mais de uma gentileza que soubesse desinteressada. Enfim, sentia-me embaraçado diante de alguns olhares seus, de certos sorrisos. Podiam significar costumes fáceis, mas também a alegria meio boba de uma moça brincalhona, mas no fundo honesta. Uma mesma expressão, do rosto como da linguagem, podia comportar diversas acepções, e eu vacilava como um aluno diante das dificuldades de uma tradução do grego.
      Desta vez nos encontramos quase em seguida com a moça alta, Andrée, a que havia saltado sobre o velho magistrado; Albertine teve de me apresentar. Sua amiga possuía olhos extraordinariamente claros, como a abertura das portas que, num quarto sombrio, dão para o sol e o reflexo esverdeado do mar imerso em luz. Passaram cinco senhores que eu conhecia muito bem de vista desde que chegara a Balbec. Muitas vezes indagara a mim mesmo quem seriam.

- Não são pessoas muito chiques - disse-me Albertine, com uma risadinha de desprezo. 
- O velhinho de cabelo pintado e luvas amarelas tem uma pinta, hein? 
- É o dentista de Balbec, é um bom tipo; o gordo é o prefeito, não o baixinho, esse você deve ter visto, é o professor de dança, também é detestável; não pode nos suportar porque fazemos muito barulho no cassino, estragamos suas cadeiras, queremos dançar sem tapete, de forma que nunca nos deu um prêmio, embora somente nós é que saibamos dançar. O dentista é um bom sujeito; por mim, o cumprimentaria, para enfurecer o professor de dança, mas não podia porque com ele está o Sr. de Sainte-Croix, o conselheiro-geral, um homem de muito boa família que aderiu aos republicanos por dinheiro; nenhuma pessoa decente o cumprimenta mais. Ele conhece meu tio, por causa do governo, mas o resto da minha família lhe volta as costas. O magro, de impermeável, é o regente da orquestra. Como? Não o conhece? Ele toca divinamente. Não foi ouvir a Cavalleria Rusticana? Ah, acho-a ideal! Ele dá um concerto esta noite, mas não podemos ir porque se realiza na sala da Prefeitura. No cassino, não teria problemas, mas, na sala da Prefeitura, de onde retiraram o Cristo, a mãe de Andrée teria uma apoplexia se fôssemos. Você pode me dizer que o marido de minha tia está no governo. Mas que quer? Minha tia é minha tia. E não é por isso que não gosto dela! Ela só teve um desejo na vida: livrar-se de mim. A pessoa que verdadeiramente me serviu de mãe, e com duplo valor, já que não é nada minha, é uma amiga a quem, aliás, amo como se fosse mãe. Vou lhe mostrar a sua foto. 
     Fomos abordados neste momento pelo campeão de golfe e jogador de bacará, Octave. 
     Julguei ter descoberto um laço comum entre nós porque, pela conversa, fiquei sabendo que era parente afastado dos Verdurin, que muito o estimavam. Mas ele falou com desdém das famosas quartas-feiras e acrescentou que o Sr. Verdurin ignorava o uso do smoking, e era muito constrangedor encontrá-lo em certos music-hafis, onde a gente bem gostaria de não ser saudado aos gritos de "Alô, malandro!" por um senhor de paletó e gravata preta de tabelião de aldeia.
     Depois Octave nos deixou e em breve foi a vez de Andrée, que chegara a seu chalé, onde entrou sem que, em todo o passeio, tivesse dito uma só palavra. Senti muito que fosse embora, tanto mais que, enquanto falava a Albertine de sua frieza para comigo, e comparava em pensamento a dificuldade que Albertine parecia ter em me unir às suas amigas com a hostilidade contra a qual parecia ter se chocado Elstir para satisfazer meus desejos no primeiro dia, passaram umas moças a quem saudei, as senhoritas d'Ambresac, que Albertine também cumprimentou. 
     Pensei que minha situação fosse melhorar diante de Albertine. Elas eram filhas de uma parenta da Sra. de Villeparisis e que também conhecia a Sra. de Luxemburgo.
     O Sr. e a Sra. d'Ambresac, que possuíam uma pequena herdade em Balbec e eram excessivamente ricos, levavam uma vida bem simples e sempre vestiam, o marido o mesmo gênero de casaco, e a mulher um costume escuro. Ambos faziam grandes cumprimentos à minha avó que não levavam a nada. As filhas, muito bonitas, vestiam-se com mais elegância, mas uma elegância citadina e não de balneário. Em seus vestidos longos, debaixo de grandes chapéus, davam a impressão de pertencerem a uma outra humanidade diversa da de Albertine. Esta sabia muito bem quem eram elas.

- Ah, você conhece as pequenas d'Ambresac? Muito bem, conhece gente muito chique. Além do mais, elas são bem simples. - acrescentou como se isso fosse uma contradição. - São muito gentis, mas de tal maneira bem-educadas que não as deixam ir ao cassino, principalmente por nossa causa, porque somos inconvenientes. Agradam-lhe? Diabo, isso depende... São bem umas patinhas brancas. Isso tem seu encanto, talvez. Se você gosta das patinhas brancas, está bem servido. Parece que elas podem agradar, pois uma delas já está noiva do marquês de Saint-Loup. E isto deu muita mágoa à mais moça, que estava apaixonada pelo rapaz. Quanto a mim, só a sua maneira de falar com a ponta dos lábios me deixa enervada. E depois, elas se vestem de uma forma ridícula. Vão jogar golfe com vestido de seda. Na sua idade, são mais pretensiosas no vestir que as mulheres idosas que sabem trajar-se. Veja a Sra. Elstir. Eis aí uma mulher elegante.
     
     Respondi que ela me parecera trajada com bastante simplicidade. Albertine se pôs a rir.

- Com bastante simplicidade, é certo, mas se veste admiravelmente bem e, para chegar ao que você chama de simplicidade, gasta um dinheiro louco.

      Os vestidos da Sra. Elstir passavam despercebidos aos olhos de quem não tivesse gosto apurado e sóbrio das coisas da toalete. Tal gosto me faltava. Elstir o possuía no mais alto grau, pelo que me disse Albertine. Não o havia desconfiado, e nem mesmo que as coisas elegantes, porém simples, que enchiam o seu ateliê, fossem maravilhas há muito desejadas por ele, que as seguira de venda em venda, conhecendo toda a sua história, até o dia em que ganhara dinheiro bastante para possuí-las. Mas sobre tal assunto Albertine, tão ignorante quanto eu, não podia me informar coisa alguma. Ao passo que, no que dizia respeito às toaletes, advertida por um instinto de coqueteria, e talvez por uma nostalgia de moça pobre que saboreia com mais delicadeza e desinteresse, nos ricos, aquilo que ela própria não poderá usar, soube falar muito bem dos requintes de Elstir, tão exigente que achava mal vestidas todas as mulheres, e que, colocando um mundo inteiro numa proporção, num matiz, mandava fazer para a mulher, a preços exorbitantes, sombrinhas, chapéus, capas, que ensinara Albertine a achar deliciosos, e que uma pessoa destituída de gosto não teria reparado mais do que eu. De resto, Albertine, que fizera um pouco de pintura sem que tivesse, aliás, segundo confessava, nenhuma "disposição" para tal, tributava uma grande admiração a Elstir e, graças ao que ele lhe dissera e mostrara, era entendida em quadros de uma forma que muito contrastava com sem entusiasmo pela Cavalleria Rusticana. E que, na verdade, embora isso ainda não notasse, ela era muito inteligente e, nas coisas que me dizia, a estupidez não era soma do seu ambiente e de sua idade. Elstir tivera sobre ela uma influência benéfica, mas parcial. Todas as formas da inteligência não haviam chegado a Albertine num mesmo grau de desenvolvimento. O gosto da pintura quase tinha alcançado o da toalete e de todas as formas de elegância, mas não fora seguido pelo gosto da música, que ficara bem para trás.
      De nada valeu que Albertine soubesse quem eram os Ambresac, pois, como quem pode o muito nem por isso também pode o pouco, depois de eu ter saudado aquelas moças, não a achei mais disposta do que antes a me fazer conhecer suas amigas.

- Você é muito amável para lhes dar tanta importância. Não lhes preste atenção, não valem nada. Que é que essas garotas têm para um homem do seu valor? Andrée, pelo menos, é bem inteligente. É uma boa garota, apesar de perfeitamente maluca, mas as outras são mesmo muito idiotas. 

     Depois de ter deixado Albertine, senti de repente muita mágoa de Saint-Loup, por ter me ocultado que estava noivo, e por fazer algo tão incorreto como casar sem antes romper com a amante. No entanto, poucos dias depois fui apresentado a Andrée e, como ela falou por muito tempo, aproveitei para lhe dizer que apreciaria muito vê-la no dia seguinte; mas ela me disse que era impossível, pois encontrara a mãe passando muito mal e não queria deixá-la sozinha. Dois dias após, tendo ido visitar Elstir, este me falou da enorme simpatia que Andrée sentia por mim; como lhe respondesse:

- Mas fui eu que tive muita simpatia por ela desde o primeiro dia; tinha lhe pedido para vê-la no dia seguinte e ela disse que não podia. 
- Sim, eu sei, ela me contou. - disse Elstir - Lamentou muito, mas havia aceitado ir a um piquenique a dez léguas daqui, aonde devia ir de break, e não podia mais desmarcar. 

     Embora a mentira fosse muito insignificante, pois Andrée me conhecia tão pouco, eu não deveria ter continuado a frequentar uma pessoa que era capaz de dizê-la. Pois as pessoas que assim começam continuam indefinidamente. 
     E, se fôssemos visitar todos os anos um amigo que da primeira vez não pôde comparecer a um encontro por se achar resfriado, encontrá-lo-íamos resfriado de novo e faltaria outra vez a um encontro, ao qual não compareceria pelo mesmo motivo permanente em lugar do qual ele julga ver motivos diversos, causados pelas circunstâncias.

continua na página 200...
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Leia também:

Volume 1
Volume 2
Primeira Parte
Segunda Parte
À Sombra das Moças em Flor (Nomes de Lugares: o Lugar - u)
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7

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