em busca do tempo perdido
volume II
À Sombra das Moças em Flor
Segunda Parte
Segunda Parte
Nomes de Lugares: o Lugar
(u)
continuando...
Por mais desapontado que ficasse por ter achado na Srta. Simonet uma moça muito pouco diferente de todas que conhecia, assim como a minha decepção diante da igreja de Balbec cancelava-me o desejo de ir a Quimperlé, a Pont-Aven e a Veneza, dizia comigo que, ao menos por meio de Albertine, caso ela mesma não fosse o que eu havia esperado, poderia conhecer suas amigas do pequeno grupo. A princípio julguei que iria fracassar. Como ela devia permanecer ainda muito tempo em Balbec, e eu também, achara que o melhor seria não insistir em vê-la e esperar uma ocasião que me proporcionasse um encontro. Mas isso acontecia todos os dias; era muito de temer que ela se contentasse em responder de longe à minha saudação, a qual, neste caso, repetida diariamente por toda a temporada, não levaria a coisa alguma.
Pouco tempo depois, certa manhã em que chovera e em que fazia quase frio, fui abordado
no molhe por uma moça que usava boina e regalo, tão diferente daquela que vira na reunião em
casa de Elstir, que parecia a meu espírito uma operação impossível reconhecer nela a mesma
pessoa; todavia, pude reconhecê-la, mas após um momento de surpresa que julgo não ter
escapado a Albertine. Por outro lado, lembrando-me naquele instante das "boas maneiras" que
me haviam espantado, ela me deixou assombrado em sentido inverso pelo seu tom rude e suas
maneiras "pequeno grupo". Quanto ao mais, a têmpora deixara de ser o centro ótico e
tranquilizador do rosto, seja porque eu estivesse colocado do outro lado dela, seja porque a boina
a tapasse, seja porque a vermelhidão fosse inconstante.
- Que tempo! - disse ela. - No fundo, o verão sem fim de Balbec é uma grande piada. Você
não faz nada aqui? Nunca se vê você no golfe, nos bailes do cassino; tampouco anda a cavalo.
Como deve se aborrecer! Não acha que a gente se imbeciliza ficando o tempo todo na praia? Ah,
você gosta de bancar o lagarto, hein? Bem, você tem tempo. Vejo que não é como eu; adoro
todos os esportes! Não esteve nas corridas da Sogne? Nós fomos até lá de bonde, e compreendo
que não lhe agrade um calhambeque daqueles. Levamos duas horas até lá! No mesmo tempo, eu
teria ido e voltado três vezes com a minha bicicleta.
Eu, que havia admirado Saint-Loup quando ele se referira, com toda a naturalidade, ao
pequeno trem de ferro local como "tortinho", devido às numerosas curvas que fazia, fiquei
intimidado com a facilidade com que Albertine dizia "calhambeque". Sentia a sua maestria em um
sistema de designações em que eu temia que ela percebesse e desprezasse a minha
inferioridade.
Também a riqueza de sinônimos que possuía o pequeno grupo para designar aquela
estrada de ferro ainda não me fora revelada. Falando, Albertine conservava a cabeça imóvel, as
narinas apertadas, e movia apenas a ponta dos lábios. Daí resultava um som como que arrastado
e nasal, em cuja composição talvez entrassem heranças provincianas, uma afetação juvenil de
fleuma britânica, lições de uma professora estrangeira e uma hipertrofia congestiva da mucosa do
nariz. Tal emissão de voz, que aliás cedia bem depressa à medida que ia conhecendo as pessoas,
e se tornava naturalmente infantil, poderia passar por desagradável. Era no entanto muito especial
e me deixava encantado. Todas as vezes que ficava alguns dias sem vê-la, exaltava-me
repetindo:
"Nunca se vê você no golfe", com o tom nasal com que ela falara, muito reta, sem mexer a
cabeça. E então imaginava não existir pessoa mais desejável.
Formávamos, naquela manhã, um desses pares que matizam aqui e ali o passeio do
molhe com seus encontros, suas paradas, justo o tempo necessário para trocar algumas palavras
antes de se despedirem para cada um tomar em separado o seu passeio divergente. Aproveitei
essa imobilidade para olhar e saber em definitivo onde estava situado o sinalzinho. Ora, assim
como um trecho de Vinteuil que me encantara na Sonata e que minha memória fazia vaguear do
andante ao final, até o dia em que, tendo em mãos a partitura, pude encontrá-lo e imobilizá-lo na
minha lembrança em seu lugar devido, no scherzo-da mesma forma o sinalzinho que me
lembrava estar ora na face, ora no queixo, parou para sempre sobre o lábio superior abaixo do
nariz. Do mesmo modo encontramos, com espanto, versos que sabíamos de cor, numa peça onde
não suspeitávamos que estivessem.
Naquele momento, como para que diante do mar se multiplicasse livremente, na variedade
de suas formas, todo o rico conjunto decorativo que era o belo desfilar das virgens, a um tempo
róseas e douradas, curtidas pelo sol e pelo vento, as amigas de Albertine, de pernas bonitas e
lindo corpo, mas tão diversas umas das outras, mostraram seu grupo, que foi se desenrolando,
avançando em nossa direção, mais perto do mar, numa linha paralela. Pedi licença a Albertine
para acompanhá-la por alguns instantes. Infelizmente ela se contentou em lhes abanar com a
mão.
- Mas suas amigas vão se queixar se não acompanhá-las. - disse-lhe, esperando que
passeássemos juntos.
Um rapaz de feições regulares, com raquetes na mão, se aproximou de nós. Era o jogador
de bacará, cujas loucuras tanto indignavam a esposa do primeiro magistrado. Com ar frio,
impassível, no qual evidentemente ele imaginava consistir a suprema distinção, cumprimentou
Albertine.
- Está vindo do golfe, Octave? - indagou esta. - Correu tudo bem? Está em forma?
- Oh, isto me aborrece, estou em apuros - respondeu ele.
- André também estava lá?
- Sim, e fez setenta e sete.
- Oh, mas é um recorde!
- Eu tinha feito oitenta e dois ontem.
Octave era filho de um industrial muito rico que deveria desempenhar um papel
importantíssimo na organização da próxima Exposição universal. Espantou-me ver a que ponto,
naquele moço e nos outros raros amigos masculinos dessas moças, o conhecimento que
possuíam de tudo quanto era roupa, modo de vestir, charutos, bebidas inglesas, cavalos
conhecimento que Octave possuía nos mínimos detalhes com uma infalibilidade altiva que atingia
a modéstia silenciosa do sábio se desenvolvera isoladamente sem ser acompanhado da menor
cultura intelectual. Não mostrava qualquer hesitação sobre a oportunidade do smoking ou do
pijama, mas não suspeitava do caso em que se pode ou não empregar certa palavra, e nem
mesmo das regras mais elementares do francês. Essa disparidade entre os dois tipos de cultura
devia ser a mesma no caso de seu pai, presidente do Sindicato dos Proprietários de Balbec, pois,
numa carta aberta aos eleitores, que acabara de afixar em todos os muros, dizia:
"Eu quis ver o prefeito para falá-lo a respeito disso, ele não quis ouvir minhas justas
queixas."
Octave, no cassino, ganhava prêmios em todos os concursos de bóston, tango, etc., o que
lhe proporcionaria, se quisesse, um belo casamento nesse ambiente de "banhos de mar", onde
não é no sentido figurado, mas no literal, que as moças acabam casando com seu "par". Octave
acendeu um charuto enquanto dizia a Albertine:
- Com licença. - como se pede autorização para terminar um trabalho urgente enquanto se
conversa. Pois ele nunca podia "ficar sem fazer nada", embora nunca fizesse coisa nenhuma. E,
como a inatividade completa acaba por ter os mesmos efeitos que o trabalho exagerado, tanto no
domínio moral como na vida do corpo e dos músculos, a constante nulidade intelectual que
morava por trás da fronte sonhadora de Octave acabara por lhe conferir, apesar de seu aspecto
tranquilo, ineficazes tentações de pensamento que o impediam de dormir à noite, como poderia
ocorrer a um metafísico exausto.
Imaginando que se conhecesse seus amigos poderia ter mais oportunidades de ver essas
moças, estava a ponto de pedir para lhe ser apresentado. Assim o disse a Albertine, logo que ele
foi embora repetindo:
- Estou em apuros. Pensava incutir-lhe a ideia de me apresentar da próxima vez.
- O quê! - exclamou Albertine. - Não posso apresentá-lo a um gigolô! Isto aqui fervilha de
gigolôs. Mas eles não poderiam conversar com você. Este joga muito bem o golfe, e pronto. Sei o
que estou dizendo, não é absolutamente do seu gênero.
- Suas amigas vão se queixar se as deixa assim - disse eu, esperando que ela propusesse
irmos juntos ao encontro delas.
- Nada disso, elas não têm necessidade alguma de mim.
Passamos por Bloch, que me lançou um sorriso fino e insinuante e, embaraçado quanto a
Albertine, a quem não conhecia, ou pelo menos conhecia "sem conhecer", abaixou a cabeça para
o colarinho num movimento seco e rebarbativo.
- Como é que se chama esse ostrogodo? perguntou Albertine. - Não sei por que me
cumprimenta, visto que não me conhece. Portanto, não lhe retribuí seu cumprimento.
Mas eu não pensava mais do que em rever Albertine e tentar conhecer suas amigas, e
Doncieres, como elas não iam para lá e me obrigaria a voltar para casa depois da hora em que
elas estariam na praia, me parecia ficar no fim do mundo. Disse a Bloch que aquilo era-me
impossível.
- Pois bem, irei sozinho. Conforme os dois ridículos alexandrinos do Sr. Arouet, direi a
Saint-Loup, para acalentar seu anticlericalismo: Saiba que meu dever não depende do seu. Faça
o que lhe aprouver; eu cumprirei o meu.
- Reconheço que é um belo rapaz - disse-me Albertine -, mas o fato é que ele me desagrada.
Jamais imaginara que Bloch pudesse ser tido como um belo rapaz. Era-o de fato. Com
uma cabeça um tanto proeminente, um nariz bem recurvo, um ar de extrema finura, e de quem
estava convencido da própria finura, tinha um rosto agradável. Mas não podia agradar Albertine.
Era talvez devido às más qualidades de Albertine, à dureza e à insensibilidade do pequeno grupo,
à grosseria dela para com tudo o que lhe não dizia respeito. Aliás, mais tarde, quando os
apresentei, a antipatia de Albertine não diminuiu. Bloch pertencia a um meio no qual, entre o
gracejo empregado na alta sociedade e o suficiente respeito pelas boas maneiras que deve ter um
homem que tem "mãos limpas", ergueu-se entretanto uma espécie de compromisso particular que
difere das maneiras da alta sociedade e é, apesar de tudo, uma forma singularmente odiosa de
mundanismo. Quando era apresentado a alguém, Bloch se inclinava a um tempo com um sorriso
de ceticismo e um respeito exagerado e, se se tratava de um homem, dizia:
- Encantado, senhor - com uma voz que se ria das palavras pronunciadas mas tinha
consciência de pertencer a alguém que não era um sujeito grosseiro. Após esse primeiro
momento de um costume que ele seguia e do qual, ao mesmo tempo, troçava (como quando dizia
no dia 1° de janeiro: "Feliz Ano-Novo"), tomava um ar de finura e malícia e "proferia coisas sutis"
que, muitas vezes, eram cheias de verdade, mas "irritavam os nervos" de Albertine. Quando lhe
disse naquele primeiro dia que ele se chamava Bloch, ela exclamou:
- Eu seria capaz de jurar que era judeu. É bem do jeito deles.
Aliás, Bloch, a seguir, devia irritar Albertine de outra forma. Como diversos intelectuais, ele
não podia dizer com simplicidade as coisas simples. Para cada uma, encontrava um qualificativo
precioso e depois generalizava. Isto aborrecia Albertine, que não gostava muito de que se
ocupassem como que ela fazia; quando torceu o pé e teve de ficarem sossego, Bloch observou:
- Ela está na espreguiçadeira mas, por ubiquidade, não deixa de frequentar
simultaneamente indistintos golfes e remotos tênis.
Aquilo não passava de "literatura", mas que, devido às dificuldades que Albertine sentia
que poderia lhe criar com as pessoas cujo convite recusara, dizendo que não podia se mover,
bastou para que criasse aversão ao rosto e ao som da voz do rapaz que dizia tais coisas.
Separamo-nos, Albertine e eu, combinando sair juntos um dia. Conversara com ela sem
mais saber aonde cairiam minhas palavras e aonde iriam parar, como se lançasse pedras num
abismo sem fundo. Que em geral sejam preenchidas, pela pessoa a quem as dirigimos, de um
sentido que ela tira de sua própria substância e que é bem diferente do que havíamos posto
nessas mesmas palavras, é um fato que a vida cotidiana nos revela permanentemente. Mas se,
além disso, estamos juntos de uma pessoa cuja educação (como, para mim, a de Albertine) nos é
inconcebível, desconhecidas as inclinações, as leituras, os princípios, não sabemos se nossas
palavras nela despertam maior reação que num animal, a quem no entanto tivéssemos de fazer
compreender certas coisas. De modo que tentar ligar-me a Albertine me parecia uma tomada de
contato com o desconhecido, senão com o impossível, como um exercício tão incômodo feito o de
domar um cavalo, tão repousante como o de criar abelhas ou cultivar rosas.
Algumas horas antes, julgara que Albertine só responderia de longe ao meu cumprimento.
Acabávamos de nos separar fazendo projeto de um passeio juntos. Prometi a mim mesmo,
quando encontrasse Albertine de novo, ser mais ousado com ela, e já traçara previamente o plano
de tudo o que lhe diria e até mesmo (agora que tinha a impressão absoluta de que ela devia ser
leviana) de todos os prazeres que lhe exigiria. Mas o espírito é influenciável como a planta, como
a célula, como os elementos químicos e o meio que o modifica, se nele o mergulhamos, vem a ser
as circunstâncias, um quadro novo. Tornando-me diverso pelo fato de sua própria presença,
quando me encontrei de novo com Albertine disse-lhe coisas bem diferentes das que havia
planejado. Depois, lembrando-me da têmpora avermelhada, perguntava a mim mesmo se
Albertine não gostaria mais de uma gentileza que soubesse desinteressada. Enfim, sentia-me
embaraçado diante de alguns olhares seus, de certos sorrisos. Podiam significar costumes fáceis,
mas também a alegria meio boba de uma moça brincalhona, mas no fundo honesta. Uma mesma
expressão, do rosto como da linguagem, podia comportar diversas acepções, e eu vacilava como
um aluno diante das dificuldades de uma tradução do grego.
Desta vez nos encontramos quase em seguida com a moça alta, Andrée, a que havia
saltado sobre o velho magistrado; Albertine teve de me apresentar. Sua amiga possuía olhos
extraordinariamente claros, como a abertura das portas que, num quarto sombrio, dão para o sol e
o reflexo esverdeado do mar imerso em luz. Passaram cinco senhores que eu conhecia muito
bem de vista desde que chegara a Balbec. Muitas vezes indagara a mim mesmo quem seriam.
- Não são pessoas muito chiques - disse-me Albertine, com uma risadinha de desprezo.
- O velhinho de cabelo pintado e luvas amarelas tem uma pinta, hein?
- É o dentista de Balbec, é um bom tipo; o gordo é o prefeito, não o baixinho, esse você
deve ter visto, é o professor de dança, também é detestável; não pode nos suportar porque
fazemos muito barulho no cassino, estragamos suas cadeiras, queremos dançar sem tapete, de
forma que nunca nos deu um prêmio, embora somente nós é que saibamos dançar. O dentista é
um bom sujeito; por mim, o cumprimentaria, para enfurecer o professor de dança, mas não podia
porque com ele está o Sr. de Sainte-Croix, o conselheiro-geral, um homem de muito boa família
que aderiu aos republicanos por dinheiro; nenhuma pessoa decente o cumprimenta mais. Ele
conhece meu tio, por causa do governo, mas o resto da minha família lhe volta as costas. O
magro, de impermeável, é o regente da orquestra. Como? Não o conhece? Ele toca divinamente.
Não foi ouvir a Cavalleria Rusticana? Ah, acho-a ideal! Ele dá um concerto esta noite, mas não
podemos ir porque se realiza na sala da Prefeitura. No cassino, não teria problemas, mas, na sala
da Prefeitura, de onde retiraram o Cristo, a mãe de Andrée teria uma apoplexia se fôssemos. Você
pode me dizer que o marido de minha tia está no governo. Mas que quer? Minha tia é minha tia. E
não é por isso que não gosto dela! Ela só teve um desejo na vida: livrar-se de mim. A pessoa que
verdadeiramente me serviu de mãe, e com duplo valor, já que não é nada minha, é uma amiga a
quem, aliás, amo como se fosse mãe. Vou lhe mostrar a sua foto.
Fomos abordados neste momento pelo campeão de golfe e jogador de bacará, Octave.
Julguei ter descoberto um laço comum entre nós porque, pela conversa, fiquei sabendo
que era parente afastado dos Verdurin, que muito o estimavam. Mas ele falou com desdém das
famosas quartas-feiras e acrescentou que o Sr. Verdurin ignorava o uso do smoking, e era muito
constrangedor encontrá-lo em certos music-hafis, onde a gente bem gostaria de não ser saudado
aos gritos de "Alô, malandro!" por um senhor de paletó e gravata preta de tabelião de aldeia.
Depois Octave nos deixou e em breve foi a vez de Andrée, que chegara a seu chalé, onde
entrou sem que, em todo o passeio, tivesse dito uma só palavra. Senti muito que fosse embora,
tanto mais que, enquanto falava a Albertine de sua frieza para comigo, e comparava em
pensamento a dificuldade que Albertine parecia ter em me unir às suas amigas com a hostilidade
contra a qual parecia ter se chocado Elstir para satisfazer meus desejos no primeiro dia,
passaram umas moças a quem saudei, as senhoritas d'Ambresac, que Albertine também
cumprimentou.
Pensei que minha situação fosse melhorar diante de Albertine. Elas eram filhas de uma
parenta da Sra. de Villeparisis e que também conhecia a Sra. de Luxemburgo.
O Sr. e a Sra. d'Ambresac, que possuíam uma pequena herdade em Balbec e eram
excessivamente ricos, levavam uma vida bem simples e sempre vestiam, o marido o mesmo
gênero de casaco, e a mulher um costume escuro. Ambos faziam grandes cumprimentos à minha
avó que não levavam a nada. As filhas, muito bonitas, vestiam-se com mais elegância, mas uma
elegância citadina e não de balneário. Em seus vestidos longos, debaixo de grandes chapéus,
davam a impressão de pertencerem a uma outra humanidade diversa da de Albertine. Esta sabia
muito bem quem eram elas.
- Ah, você conhece as pequenas d'Ambresac? Muito bem, conhece gente muito chique.
Além do mais, elas são bem simples. - acrescentou como se isso fosse uma contradição. - São
muito gentis, mas de tal maneira bem-educadas que não as deixam ir ao cassino, principalmente
por nossa causa, porque somos inconvenientes. Agradam-lhe? Diabo, isso depende... São bem
umas patinhas brancas. Isso tem seu encanto, talvez. Se você gosta das patinhas brancas, está
bem servido. Parece que elas podem agradar, pois uma delas já está noiva do marquês de Saint-Loup. E isto deu muita mágoa à mais moça, que estava apaixonada pelo rapaz. Quanto a mim, só
a sua maneira de falar com a ponta dos lábios me deixa enervada. E depois, elas se vestem de
uma forma ridícula. Vão jogar golfe com vestido de seda. Na sua idade, são mais pretensiosas no
vestir que as mulheres idosas que sabem trajar-se. Veja a Sra. Elstir. Eis aí uma mulher elegante.
Respondi que ela me parecera trajada com bastante simplicidade. Albertine se pôs a rir.
- Com bastante simplicidade, é certo, mas se veste admiravelmente bem e, para chegar ao
que você chama de simplicidade, gasta um dinheiro louco.
Os vestidos da Sra. Elstir passavam despercebidos aos olhos de quem não tivesse gosto
apurado e sóbrio das coisas da toalete. Tal gosto me faltava. Elstir o possuía no mais alto grau,
pelo que me disse Albertine. Não o havia desconfiado, e nem mesmo que as coisas elegantes,
porém simples, que enchiam o seu ateliê, fossem maravilhas há muito desejadas por ele, que as
seguira de venda em venda, conhecendo toda a sua história, até o dia em que ganhara dinheiro
bastante para possuí-las. Mas sobre tal assunto Albertine, tão ignorante quanto eu, não podia me
informar coisa alguma. Ao passo que, no que dizia respeito às toaletes, advertida por um instinto
de coqueteria, e talvez por uma nostalgia de moça pobre que saboreia com mais delicadeza e
desinteresse, nos ricos, aquilo que ela própria não poderá usar, soube falar muito bem dos
requintes de Elstir, tão exigente que achava mal vestidas todas as mulheres, e que, colocando um
mundo inteiro numa proporção, num matiz, mandava fazer para a mulher, a preços exorbitantes,
sombrinhas, chapéus, capas, que ensinara Albertine a achar deliciosos, e que uma pessoa
destituída de gosto não teria reparado mais do que eu. De resto, Albertine, que fizera um pouco
de pintura sem que tivesse, aliás, segundo confessava, nenhuma "disposição" para tal, tributava
uma grande admiração a Elstir e, graças ao que ele lhe dissera e mostrara, era entendida em
quadros de uma forma que muito contrastava com sem entusiasmo pela Cavalleria Rusticana. E
que, na verdade, embora isso ainda não notasse, ela era muito inteligente e, nas coisas que me
dizia, a estupidez não era soma do seu ambiente e de sua idade. Elstir tivera sobre ela uma
influência benéfica, mas parcial. Todas as formas da inteligência não haviam chegado a Albertine
num mesmo grau de desenvolvimento. O gosto da pintura quase tinha alcançado o da toalete e de
todas as formas de elegância, mas não fora seguido pelo gosto da música, que ficara bem para
trás.
De nada valeu que Albertine soubesse quem eram os Ambresac, pois, como quem pode o
muito nem por isso também pode o pouco, depois de eu ter saudado aquelas moças, não a achei
mais disposta do que antes a me fazer conhecer suas amigas.
- Você é muito amável para lhes dar tanta importância. Não lhes preste atenção, não valem
nada. Que é que essas garotas têm para um homem do seu valor? Andrée, pelo menos, é bem
inteligente. É uma boa garota, apesar de perfeitamente maluca, mas as outras são mesmo muito
idiotas.
Depois de ter deixado Albertine, senti de repente muita mágoa de Saint-Loup, por ter me
ocultado que estava noivo, e por fazer algo tão incorreto como casar sem antes romper com a
amante. No entanto, poucos dias depois fui apresentado a Andrée e, como ela falou por muito
tempo, aproveitei para lhe dizer que apreciaria muito vê-la no dia seguinte; mas ela me disse que
era impossível, pois encontrara a mãe passando muito mal e não queria deixá-la sozinha. Dois
dias após, tendo ido visitar Elstir, este me falou da enorme simpatia que Andrée sentia por mim;
como lhe respondesse:
- Mas fui eu que tive muita simpatia por ela desde o primeiro dia; tinha lhe pedido para vê-la no dia seguinte e ela disse que não podia.
- Sim, eu sei, ela me contou. - disse Elstir - Lamentou muito, mas havia aceitado ir a um
piquenique a dez léguas daqui, aonde devia ir de break, e não podia mais desmarcar.
Embora a mentira fosse muito insignificante, pois Andrée me conhecia tão pouco, eu não
deveria ter continuado a frequentar uma pessoa que era capaz de dizê-la. Pois as pessoas que
assim começam continuam indefinidamente.
E, se fôssemos visitar todos os anos um amigo que da primeira vez não pôde comparecer
a um encontro por se achar resfriado, encontrá-lo-íamos resfriado de novo e faltaria outra vez a
um encontro, ao qual não compareceria pelo mesmo motivo permanente em lugar do qual ele
julga ver motivos diversos, causados pelas circunstâncias.
continua na página 200...
________________
Leia também:
Volume 1
Volume 2
Primeira Parte
Segunda Parte
À Sombra das Moças em Flor (Nomes de Lugares: o Lugar - u)
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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