Mãos fortes e grandes
Passam as manhãs e a mulher ileié continua engaiolada. Sozinha. Espiando. Misturada na vergonha e na bisbilhotice. Atravessam as manhãs, uma após a outra, por muitos dias, incontáveis semanas, e ela, por ali, em sua pequena escotilha.
A mão do vizinho se enfiando na outra mulher. Mordeu o lábio e inchou o beiço. Ela ainda não sabia, mas tinha outra em sua vida. A vizinha. Sempre diferente. Muita criatividade. Nenhuma inocência. Segura firme a anca. Garupa de violão. Depois sobe por dentro. Pequenas palmadinhas. Beliscões miúdos, descuidados. Murmúrios confusos. Enfia os dedos por baixo da renda. Vestida de dormir. Cabelos desalinhados, lábios elegantes, quentes. Desabotoa o sutiã e espreme os bicos. Escuta murmúrios. Ele os lambe, os lamentos confusos se põem na ponta dos pés. Danado de assanhado. Manhãs diferentes, mas as mãos são sempre as mesmas. Sujas. Pecadoras. Indecentes. Desavergonhadas. Fortes. Grandes.
Maria Memória decide que espera o Virgílio acordada e conversa sobre esses dois que moram tão perto, De hoje, não passa.
O dia pereceu com um jeito monótono, cansativo, durou mais que os outros. Mas, enfim, o Virgílio chegou do seu roteiro trabalhista. Ela acordada. Recostada na cama. Os olhos estrelados estão firmes nas mãos do marido. Parecem murchas e desmotivadas.
O marido senta na cama para tirar as botinas, Por favor, homem de Deus, tira isso lá fora. Ele sente vontade de perguntar, Quem morreu, ela, muito provavelmente, responderia, Ninguém, por que tu acha que alguém morreu, e ele poderia ironizar aquela cena como um verdadeiro mestre, Você só me espera acordada quando alguém morre. Mas cala de cansaço, não é um sujeito contrariador. Ele quase aposta consigo mesmo, A esposa metediça deixou a mulher com insônia. Chega a colocar a mão no bolso, mas espera pelo desabafo.
Na conversa daquela madrugada ela quer convencê-lo que precisam ser mais solidários com os vizinhos. Afinal, é dezembro. O natal está chegando. O menino Jesus já vai nascer de novo. Quase reclama que ela mesma está muito solitária. Acha melhor não, Ele que se dê por conta, as minhas carnes têm vontades que precisam de solução, fica calada. Espera o marido voltar sem as botinas e continua a ameaça calada, Do contrário o desagrado acabrunha as cobiças e a desavença é demorada.
O homem se rende ao silêncio e a própria falta de entusiasmo, num último suspiro tenta resistir, Maria, tu não acha um pouco atrasado, Por que, Eles já moram, aí ao lado, fazem quatro anos, E daí, Daí, sejam bem-vindos, estamos quatro anos atrasados, mas não reparem porque somos um pouco estranhos.
Irritada, pergunta ao marido se ele não tinha que trabalhar. O Virgílio responde com um dar de ombros, Acabei de chegar, Chega chega chega, está decidido, no domingo, faremos uma feijoada das boas-vindas.
O assunto estava apostado. Pronto, não havia mais motivo de algazarra ou tumulto. Apagam-se na luz escura. O silêncio do sono invade a cama resfriada. Cada um para o seu lado. O braseiro está amornado.
Não querem mais filhos.
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