quarta-feira, 18 de maio de 2011

os absolve com o sinal da cruz

Tempos feios, homens feios

baitasar

É um marido maravilhoso. Lutador. Bem empregado. Três empregos. Inventou três lindos filhos. Uma menina, dois meninos. Três crianças diferentes. Iniciaram a vida nas mãos da comadre Socorro. Parteira socorrista dos arredores da nossa vila. Outros dois ficaram extintos. Falecimento na aparição.

Maria Cariciosa, a mais velha, a primeira que ficou depois dos extintos, nasceu no meio da manhã, em dia de muito vento. Tudo muito rápido.

Oquê, o do meio, veio em uma tarde de muito sol. Muito eficiente. Radiante.

Oquerê, o mais novo, chegou aos empurrões. Já tarde da noite.

Pai e mãe não queriam esse, mas o que fazer, cavalo dado não se olha os dentes. Então, decidiram parar com o jeito de fazer filho. É um homem maravilhoso, muito compreensivo. Não é muito forte, nem os ombros são largos, mas é um bom homem.

Virgílio Silva tem três empregos.

Um em cada turno do dia. Três chefes. Três caminhos. Nenhum com a carteira assinada. Tudo bico. Biscates. Um jogo de truques para sobreviver. Um trabalho para cada turno do dia.

Nas manhãs trabalha na ferrovia, colocando e consertando dormentes. A família Silva vive do Virgílio substituir aqueles que adoecem. Nada oficial. Não tem boletim nem contrato, apenas um bilhete que chega com o nome do adoentado. Ele já foi muitos nomes na ferrovia, nem sabem o seu verdadeiro nome. Ele se tornou comum em inteirar o terno de trabalhadores. Quando os ferroviários acamam, ele recebe ocupação de serviço. Já foi chamado de fura greve. Mesmo em tempo sem greve. Coitados. Sorte a dele. Sai nas três horas da manhã. Noite do amanhecer.

Nas tardes é carregador de tijolos. Nem vem almoçar. Vive faminto. Elegante. Não carrega jóias de relógios ou correntes, apenas aqueles dois dentes de ouro, bem na frente, em cima. Um troféu. Nos dias do anoitecer é vigia. Até meia-noite. Um homem competente, nada lhes falta. Vive daqui prá lá e de lá prá cá, caminhando. Quando o lugar de direção é mais longe, vai de bonde amarelo. Sempre senta no último banco. Passageiro. Último a ser lembrado. Vem sempre depois de todos. Trabalhar e viajar de bonde não enriquece ninguém.

Segundo, diz Maria, as três crianças vieram pelo apego exagerado às vontades das carnes.

Maria Memória adora os três.

Outra manhã e já não tem o esposo, sai antes do amanhecer, assim que a madrugada começa envelhecer. A cama esfria. Nenhum beijo. Amado. Muito compenetrado. Já foi mais carinhoso. Sente falta. Continua rezando por ele e o vizinho. O negão dos ombros largos.

Os tempos estão feios e os homens também.

Sorri para o pássaro engaiolado. Pulando de galho em galho. Não voa. A mulher ileié engaiolada faz pequenos muxoxos para ouvir seu canto. Não canta. Vira-lhe as costas. Melhor assim, silêncio. É um breve paraíso. Ninguém para cuidar. Satisfazer. Sozinha.

Caminha na ponta dos pés até a portinhola da porta. Espia o negão dos ombros largos. Os dois sempre do mesmo jeito. Monótono. Um beijo alongado. Coitada, nem é tão bonita. Sobra bunda. Ôpa. Hoje, ela ganhou uma mão preta entre as pernas. Maria faz um muxoxo e diz alguma coisa como, Indecente. Estão sorrindo. Atrevidos. Planejando alguma coisa.

Maria Memória os absolve com o sinal da cruz.

Quanto atrevimento.

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