domingo, 22 de maio de 2011

A mulher ileié imagina o calor das mãos


Feijoada
baitasar

É domingo. Maria Memória odeia os domingos. Muitas bocas famintas não ajudam em nada. Panelas pratos colheres garfos facas copos, restos da comida rejeitada. Marido atirado pelos cantos. Crianças correndo gritando esfomeadas. Dá os ombros em sinal desimportante e deixa escapar um muxoxo de resignação. Acredita que esse será um domingo possível, diferente. Conclui os preliminares e assovia o ponto da casa de religião.

Olha o pátio. Fiscaliza o mármore de barro e poeira, Odeio esse chão de terra nos pés, a mulher ileié resmunga e procura por formigas. Amassa aquelas criaturas morrinhas sem remorsos. Bichos teimosos que andam por trilhas. Seus pés desvestidos de qualquer calçado ou piedade esmagam como se fossem as uvas do vinho. Olha para cima, ao redor da mesa, pronta para impedir a outra invasão, das moscas.
As duas mãos como raquetes preparadas para o voleio decisivo.

Uma mulher arranjada e prevenida para a guerra.

Tem um segundo de distração com os seus preparados, A mesa está linda, repete para si mesma, enquanto leva as mãos à cintura. Tudo está em seu lugar, pão farofa bolinhos de abará laranjas, e o principal, o feijão preto com os misturados. Causa admiração em si mesma.

Entra em casa, volta à portinhola de vigília. Aguarda ansiosa, espia e respira baixinho, espera o movimento dos convidados. Silêncio. O beco fica deserto no almoço das domingueiras. Olha ao redor, o quadro do Santo Padre continua pendurado, logo acima do rádio, ajeita um pequeno desvio que acredita ter visto. Uma inclinação à direita. Vai até o altar do seu orixá. Obá. Faz reverência de reza. A sua casa está em ordem.

Os convidados chegam.

Exatos nos minutos ajustados. Uma combinação perfeita e as necessidades de curiosidade se juntando. As urgências se apresentando. A cada vez que estendeu a toalha sobre a mesa, ela ideava como deveriam ser de mais valia as mãos do vizinho no alcance do bel-prazer.

A mulher ileié imagina o calor das mãos, a umidade da língua. Um fogaréu brota entre as pernas. Não consegue aquietar a contração das coxas. Roga por perdão divino, Sei que, pelo certo, vou para o inferno, mas o meu orixá haverá de interceder. Ela conta com a proteção do seu orixá, Bom dia, seu Ogum, Bom dia, vizinha. Nesse aperto das mãos se derrama com força e abundância. c das virilhas. Lembra que precisa rezar com mais fervor.

Foi um dia de muitas conversas e elogios, Nunca comi feijoada tão gostosa, Não precisa elogiar, vizinha, Mas devo, estava tudo maravilhoso. Palavreado mole de muito tempo se arrastando. O que era dito não enchia o vazio e a vontade insatisfeita da engaiolada. Aparências. Lembrança ansiosa do não feito. Um pecado impedido pelo medo da cruz. E a desmotivação do negão das mãos grandes e fortes. O fogo do inferno continuava queimando suas carnes. Desmanchando suas vontades.

Pouco se lembra da vizinha, mas percebeu a alegria do Virgílio. Aquele que foi empecilho de motivação mostrou mais contentamento durante o almoço da feijoada.

Outros dias e noites vieram. Tensos. Monótonos. Intoleráveis. Mecânicos. Explosivos. Não havia mais garantias. Até que o Virgílio sumiu com a saúva do Ogum. Desapareceram. Virgílio Silva e Ana Rosa Silva.

Ele com os dentes de ouro, ela com a perna mais curta.

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