quinta-feira, 15 de setembro de 2016

histórias de avoinha: o mesmo sonho do mesmo mundo

Ensaio 88B – 2ª edição 1ª reimpressão

mulheres descalças
o mesmo sonho do mesmo mundo



baitasar


o muriquinho se ajeitô no seu meió feitio pra tê mais da atenção das palavra qui tava vindo da avoinha, mais aconteceu qui acabô as palavra. elas parô de saí. avoinha foi pra longe. ele perdeu sua meió postura e respiração pra tê uma conversinha. nem o corpo nem o espritu da avoinha tava no mesmo lugá. ele num queria perdê duas veiz avoinha. o qui ficô foi só as lembrança sumindo. num queria ficá sem as lembrança. deu um suspiro longo, depois um curto. pensô que sem avoinha ali num dava pra tê aquela conversa danada e encapetada de conversá sozinho. tudo tem um preço

tudo tem um modo de vivê, tudo tem um modo de morrê

sentiu uma formigação na sola dos pé, os dois parecia tá dormindo. o muriquinho num tava pronto pras despedida pra sempre. parecia tá sufocado. virô pra janela do rocinante e buscô a ventania qui entrava. o galope tava arretado. fechô as vista. queria tá brabo, queria insistí, queria teimá, mais só tava mais atrapaiado com as vontade da avoinha qui tinha dentro dele, qui num podia mais existí fora dele. era munta coisa guardada pra sempre

voltô da janela pra insistí com avoinha, reforçô a vontade de conversá com otras purugunta, resmungô qui os espritu tumbém carece de conversá, contá das vida sem corpo, E como foi esse novo sonho da avoinha do mesmo sonho?

num teve resposta logo, avoinha parecia uma defunta sentada dormitando, Avoinha!

nada

Onde avoinha está pensando?

nada

pensô qui avoinha devia tá exausta. uma defunta exausta descascando a existência sem futuro. o muriquinho retirô as mão da mesa do troco, guardô os pila mais grandão nos bolso. num confiava na gaveta da mesa. num confiava em gaveta. ele era o cofre. ele carregava as gaveta

voltô as vista na avoinha

ela ria, cantava e dançava

O Ioô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé

Sabe o que parece, avoinha?

nada

só cantoria e dança e risada

o muriquinho parô, era tempo de esperá pra sabê o qui ele tava fazendo qui num devia. num gostava do qui tava sentindo. tava preso nas vontade da avoinha, meió dizendo, continuava apegado nos capricho da avoinha

Eu tava com sonho qui tenho pra frente, mais veiz qui otra, tumbém fico com os sonho qui tenho pra trás.

ela tava de volta ela tava de volta, repetia os pensamento do muriquinho. voltô do nada pra ele, saiu da brabeza

Avoinha pode viver no passado e no futuro?

nada

o qui desagradô avoinha? o muriquinho voltô com o medo

o medo num é boa companhia. ele num deixa abrí a boca pra dizê bobice à toa e fecha a boca dos pensamento. as palavra num saia sem o juízo da cabeça e sem vontade do coração. o medo faz as coisa mais boa virá mentira e tortura cada um e todos. tudo se vira contra um e um se vira contra tudo. um laço qui aperta, inté ocê aprendê obedecê o medo, sê fraco. num precisa sê forte, mais bonito e obedecê. a parte mais fácil é aprendê obedecê. num falta quem vai ensiná obedecê, é de piquinino qui se entorta o pepino. num é na escola qui o muriquinho vai sabê dizê as importância importante qui faz os coração duro amolecê, o difícil parecê fácil, a ambição virá esperança, a inveja se desmascará das amargura, mais vai aprendê ficá encostado numa parede munto grande e áspera e firme e musculosa, a fortaleza da vontade dos otros. e num consegue dá o passo pra saí daquele encosto enquanto num desaprendê de ficá silencioso pra escutá as mesma coisa do mesmo jeito todo dia

mais cantoria e dança e risada

Sonhá num é vivê pra frente ou pra trás.

voltouvoltouvoltou

Eu sei avoinha, sonhar não é viver. Os sonhos são apenas sonhos. Mas pior devem ser os sonhos do espírito da avoinha que nunca vão viver de novo, as vontades que avoinha deixou de atender, as palavras que deixou de dizer, os carinhos que deixou para o depois que não existem mais, os gostos que não esperimentou, os filhos que deixou de ter, tudo se acabou.

ela parô o canto, a dança congelô no vazio do lugá nehum, as risada ficô embaraçada com os mistério de medo do muriquinho, Pode sê qui é assim, pode sê qui num é, parô as palavra qui era dita, parecia tá escutando otras palavra qui chegava dotro lugá, quando voltô com as palavra dela enrolava a língua, parecia seca, desmanchada, o mesmo sonho prum mundo véio e enrugado de maldade num termina purqui se repete, as maldade volta sempre, essa véia de corpo e nova de espritu sabe, sorriu triste dele pra ela mesma, sempre tem coisa qui vai faltá fazê e as qui num devia tê feito.

E avoinha não vai contar a novidade velha que sonhou?

ficô mais solene qui ficava quando cantava dos mistério e feitiçaria, Sonhei qui tinha muntas vida escorrendo das perna, uma sangria qui num parava. E pra cada fiu qui num vingava da brotação escorria otro, depois otro, e mais otro, inté os ôio esverdeado um qui otro tinha. Cada um enfeitiçado com o encanto da vida. Depois, vem a tristeza do marasmo com o encanto da vida eterna. Num sei explicá essa vida qui escorre das perna, num vai durá pra sempre, mais num sei se quero sabê os motivo da morte, tô cansada, parô a conversa pra respirá, tava ofegante, desassossegada

esse num era assunto qui o muriquinho pudesse oferecê munta ajuda, mais podia mostrá consideração, no fundo é isso, as pessoa e os espritu qué tê junto otras pessoa qui inspira, fortalece e encoraja. sozinha, as pessoa e os espritu perde a graça, sem canto de roda tudo fica triste

Ninguém engravida do sonho que tem. Não existe feitiçaria com tanta força.

lá do longe chegô o batuque, as batida da mão, as pernada dos pé

Hum... num existi feitiçaria... hum... e a muié encontrá o hôme qui qué... o hôme encontrá a muié qui qué... num é feitiço?

Pode ser sorte.

Hum... sorte... e se os dois qué junto, num é feitiço?

O homem querer é fácil demais. Isso não tem encantamento que dure. Eles querem todas e nenhuma. A magia da sedução não dura.

Hum... o muriquinho parece sabê munto da tentação. Esse encontro já num é um sonho? E precisa durá? Quanto da vida precisa durá?

Pode ser, como pode não ser.

Hum... já num tá tão difícil tê um encontro... e do encontro podê tê fiu...

uma conversa de surdo, um num escutava o otro

Não na idade da avoinha!

ela oiô forte enquanto passô as mão na barriga com as linha da vida qui ela carrega. desceu as mão do ressalvo gigante da panturra inté as virilha. enfiô a mão esquerda onde junta as duas virilha, inté sumí o punho, e puxô o piquininino. o neinho saiu com um puxão, só um puxão. ergueu o piquininino qui tava com gritaria de guri assustado. sorriu pra oferecê mormaço e paz. depois, passô o muriquininho prus cuidado da mão direita e largô na terra do chão. pronto pra prová da vida. o neinho saiu falando eubá e entrô pulando no mato. mastigava tabaco. sumiu com um gorro acerejado na cabeça. pegada mesmo só deixava uma

as marca qui ele deixava largada num dava pista, num mostrava nada das guerra qui precisava lutá nem das qui já foi lutada. as história num é contada pra sê verdade, elas é imaginada pra acomodá o jeito qui já tá. o rastro das pegada da vida dos pretu no caminho da vida é apagada, todo dia e toda noite, como se cada pretu qui nasce fosse o primêro pretu nascido, mais num adianta tanta vontade de escondê e negá a vida prus pretu, eles vem e vai dum pretu pru otro com a vida e as pegada

Óia, tá vendo? Pra cá, óia pras virilha. Viu? A vida num para.

desceu a direita, ainda úmida com urina e água, voltô inté o encontro das virilha. enterrô a mão com o punho e puxô pelos cabelo a virginha das água. foi só a neinha colocá os pé descalço na terra pra requebrá pra lá e cá, cantô o rosário das conta qui usava no pescoço. uma enfiada de reza pra mandá longe os espritu contrário, os espritu falso da solidão gelada. juntô saliva na boca e cuspiu na cara suada do atrevido qui lhe tocava o requebra-requebra, o idiota revirô os óio, deu um grito e caiu cego dum ôio

Viu isso? O neinho viu? Se o neinho viu pode vê munto mais.

E avoinha vê o quê?

Avoinha continua engravidá.

o muriquinho tava aprendendo soltá as rédea da cavalaria, as veiz segurava mais qui o devido as palavra qui precisava sê dita; otras veiz, soltava mais qui precisava dizê. a língua ficava solta e descontrolada, sem medida do juízo e da razão. sê ensinado é mais fácil qui sê educado

Avoinha não devia mais funcionar como as mães funcionam, pelo menos, nestes causos.

pronto, ali tava ele provocando um espritu qui num precisava sê provado

Causos é esse qui ocê tá anunciando nos quatro canto da Villa?

o neinho parô de soltá os juízo da cabeça, fechô a boca, precisava medí as palavra com a disposição da avoinha, num queria tê o encontro quebrado. ninguém diz o qui pensa e fica impune das palavra qui fica solta no mundo. tudo tem seguimento, tudo tem fim, mais inté chegá o fim da força das palavra elas incomoda

Não falei com os vivos, só comentei com avoinha.

As palavras que fica solta no mundo num tem dono e qualqué um pode usá do feitio qui achá meió.

É estranho isso de soltar à vida pelas pernas, ainda mais na idade que avoinha diz qui tem.

Hum... e como é qui precisa sê?

Não sei, mas depois que passa da idade acho que a vida não tem mais sentido.

E quidade é essa? O neinho credita só nos óio?

Acredito no que vejo num corpo velho.

Hum... o neinho tem medo do corpo véio. O que vai fazê quando ficá depois do tempo? Vai se escondê de se oiá? Vai fugí das claridade? Vai gemê? Resmungá? Chorá da vida qui passô?

Não sei.

O neinho tá cheio de num sei num sei e num sei... u qui u neinhu sabe?

Não sei.

Hum... do meu feitio de vê, o neinho tá livre das corrente, mais continua sem combinação dos pensamento e das palavra dita, mais num fica cismado purqui sê imperfeito é natural.

Pode ser, mas avoinha não tem mais idade...

Idade pra tê fiu?

Fazer nascer os anjos pretos da Villa não é mais coisa para avoinha que já está no caminho da cidade de Deus.

Quidade é essa?

Não sei, mas avoinha está muito velha.

Hum...

E gente velha não faz funcionar isso daí, e apontô o lugá onde as virilha se junta e abre pra saí os muriquininho

Hum...

Quem vai querer avoinha?

E se avoinha tem encantamento?

Existe encantamento para essas coisas de gostar e não gostar?

Hum... o neinho precisa sabê qui avoinha tem tudo qui é muié aqui dentro, enfiô as duas mão e tirô mais um, examinô e soltô o piquininino, é só escoiê o jeito qui quero sê.

Não sei, não. Avoinha está usada. Gastou a beleza e a força da sua juventude.

E munto bem gasta.

Avoinha não funciona mais como as mães funcionam.

sentô no chão do rocinante como se fosse estendê a mesa do tabulêro, ergueu as vista na direção do muriquinho sentado atrás da mesa do troco, fez jeito de curiosidade, E como é qui elas funciona?

o muriquinho queria saí daquela conversa. num queria mesmo sabê se avoinha durava nos serviço da cama. num gostava de pensá avoinha deitada, desempacotada da proteção dos vestido, pra ficá embaixo dum hôme qualqué. sorriu. lembrô qui essa avoinha num era do jeito qui fica só dum jeito. devia gostá de ficá montada na sela do garanhão da cô qui fosse

Não sei como elas funcionam. Avoinha sabe que eu não sei.

Hum...

É a juventude que muda tudo com sua energia desarranjada, ela desmoraliza o que está certinho, tira as coisas do lugar.

Hum... o muriquinho fala com a boca dos véio. Parece sê mais antigo qui avoinha.

Avoinha precisa se acomodar dos caprichos da vontade. Mais dia menos dia, a vida dos espíritos lhe falta. Nem os espíritos duram para sempre. O melhor para avoinha é cuidar das rezas, das ervas e dos chás. O tempo da avoinha ser usada na cama passou.

ela estendeu as mão com uma cabaça fumegando

O que é isso?

Chá de hortelã.

Avoinha, estou trabalhando.

O seu nervosismo parece causado por vermes.

Avoinha me trata como se trata uma criança. Eu não estou com vermes, e se tivesse, iria ao médico.

Quando o muriquinho chegá no casarão vô fazê chá com fôia de laranjêra, noz-moscada ralada e munta água fervente.

Quando eu chegar em casa espero que avoinha já tenha subido.

Hum... o causo é esse, então? Essa avoinha aqui num tê mais quem lhe faça uso...

É isso, os caprichos dos homens não querem mais avoinha.

Aham... o causo é otro, neinho.

ele num conseguia saí daquela tramóia de conversa. percorria as vista na volta da pedra e o ajuntamento dos pretu só aumentava. parecia qui tudo qui é pretu e sarará num tinha mais serviço pur fazê. eles parava pra vê ele sê ensinado, tudo é um e um é tudo, mais parecia sê tudo contra um, contra ele

Neinho, o causo é qui avoinha qué fazê uso dus capricho dus hôme e num pensa desistí dus uso.




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