terça-feira, 4 de julho de 2017

O Brasil Nação - v1: § 38 – Parlamentarismo – sobreconstitucional e representativo - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 4
o definitivo império do brasil







§ 38 – Parlamentarismo – sobreconstitucional e representativo




O segundo Império, estrelado no ministério dos maioridadistas, definiu-se, nitidamente, quando, quatro meses depois, alijou os liberais de Antonio Carlos, para entregar-se ostensivamente aos Vasconcelos e Hermeto, ao mesmo tempo que cautelosamente guardava a utilidade de Paranaguá, agora completado por José Clemente, ligação muito lógica com o primeiro reinado. Diz-se que, então, o trono adolescente, era, de fato, o mesmo Paranaguá, combinado ao mesmo José Clemente, e mais, Aureliano Coutinho, sob a forma de camarilha. Se foi assim, o que tal demonstra é a identidade de ânimo em todos do cimo, tanto que passou a camarilha sem que se modificasse a linha da política em que baixava a vida pública da pátria brasileira. A dissolução antecipada da Câmara, após uma eleição em que o país, ainda crente, dera maioria aos liberais, antecipava, como num sumário, o regime que seria o do famoso liberalismo, na célebre paz de cinquenta anos, do segundo Império. O ministério, falando na constante desfaçatez de Vilela Barbosa, disse, para justificar a dissolução (que foi a primeira): “A câmara não tem prestígio moral para atender à situação do país...” De fato: na política que se tornava a definitiva do Brasil, uma câmara, se representava realmente a opinião do país, não podia ser considerada com prestígio moral. Esse prestígio era o da camarilha e de quem a apadrinhava. Dezoito anos depois, o reinado tinha atingido o seu acme, Landulfo Medrado nos diz por que processos: “... por um abominável sistema, abafam toda aspiração generosa, sob as pretensões que favoneam o egoísmo; autorizam pela voz do governo central uma mais que funesta e detestável prudência, que se rege por cálculo, que se gradua por conveniências...”156



156 “Não me recordo de que uma câmara houvesse derribado um gabinete por opor-se, ele, a alguma reforma liberal... (Sousa Carvalho, op. cit., 71). O autor poderia ter acentuado esse outro aspecto do delicioso parlamentarismo do Império: o gabinete de 1863, de Zacarias, viveu quatro ou cinco dias, porque o imperador, a ele, depois de o chamar (quando a maioria era conservadora), lhe negou a dissolução, pretendendo obrigá-la fazer o ensaio da mistura progressista... 



Então, já as classes dirigentes (e que só o são porque são as dominantes) se caracterizam por um reles ceticismo, displicência flatulenta, necessária expressão de mentira saturada de insinceridade. De 1841 ao fim do Império, muitas dezenas de ministérios se demitiram, dezenas de situações políticas se renovaram, sem que, nem uma vez, tal mudança se fizesse por manifestação da nação. Quando lhe parecia bem, o imperante dava o poder, chamando para o governo, o partido da oposição, se bem que não contasse na Câmara mais que uns raros representantes das suas ideias; dissolvia a assembleia, e, a nova situação fazia uma câmara sua. Houve situação conservadora em que, na Câmara, só havia um liberal (Franco de Sá). Intrigas e interesses de politicagem interna levaram, algumas vezes, a maioria da Assembleia a votar moção de desconfiança a gabinetes de correligionários; mas nunca se deu que, na vigência dos partidos, realizada a eleição por um governo, das urnas lhe viesse uma maioria de adversários. E foi assim que o imperador teve que se substituir às urnas, fazendo e desfazendo situações, que, sem isto, se eternizariam. Também se dava que, mesmo sem mudar a situação, o imperante se comprazia, muitas vezes, em trocar, a seu bel-prazer, o pessoal assentado no governo: era o ministério conservador de Itaboraí e ele o substituía de súbito por Paranhos, e substituía a este pelo primo Caxias... Ou, com os liberais: era o gabinete Saraiva (1880), e ele o desce para dar a chefia do governo a Martinho de Campos, dispensado, para vir o ministério Paranaguá... e Lafaiete, e Dantas... Finalmente, com maioria da Câmara liberal, ele entendeu buscar Cotegipe (no caso, tão bom liberal como Saraiva), e que foi quem ultimou a lei de libertação dos sessenta e cinco anos. 

Destarte, sempre que subia um partido, berravam os do outro – golpe de Estado!... De fato, qual aconteceu em julho de 1868: eram governo os liberais, com enorme maioria na Câmara; mas Pedro II entendeu escolher senador o conservador típico, antigo revolucionário, Sales Torres Homem, e o fez, dando por terra com os patuscos liberais de Zacarias... Por antecipação, em 1842, o desabusado Rodrigues F. Silva tinha traçado o formulário da política em que viverá o segundo Império:


A experiência tem demonstrado que, de 1840 em diante, os gabinetes se formam e se dissolvem sem nenhuma atenção às necessidades parlamentares, aos interesses do país... A influência áulica, médica, oculta, manejada pelo Sr. Aureliano, decidiu da organização da política e da dissolução dos ministérios...


Esse mote, que é, do poder pessoal, repetir-se-á ao longo de todo o longo reinado.

Finalmente, não há critério possível para classificar logicamente as vicissitudes de uma tal política, cujos sucessos são passes, e cujo liame é a mesma mentira, que serviu em 1822, e em 24, 37, 40... Quando desapossados, os figurantes da farsa acusavam, escabujavam, clamavam, esbravejavam; uma vez grimpados, repetiam os golpes e as falcatruas precisas para o embuste das eleições – que lhes davam sempre maioria. Isto mesmo se lê nas páginas em que eles trasladam o regime de que participaram: “Deixam a nação entregue à inexperiência, ao pedantismo e aos desatinos ditatoriais do executivo” (Melo Morais).



É nebuloso o problema do futuro das instituições representativas no Império do Brasil... Tenha descido do Norte, tenha irradiado do centro: o que poucos negam pela palavra, mas todos sentem no íntimo da alma, é essa atmosfera pútrida, sombria, pesada, detestável, que se chama a vida pública do Brasil (Tavares Bastos).


... feroz onipotência do estado ridículo a que chegou o sistema representativo entre nós... No Brasil, um ministério é muito insignificante, para merecer que se lhe faça oposição... Nada mais significa do que a confiança da coroa, que lhe permitiu fazer deputados... Perdida a confiança, ele, deputados, e o partido que o apoia, desaparecerão. Um ministério existe, porque o imperador o nomeou e o conserva... Os conservadores estão agora no poder porque um ato do poder moderador lhes confiou as pastas. Subiram, dissolveram a câmara, fabricaram nova composta de seus amigos, mantêm-se no poder e hão de cair como outros, de qualquer dos partidos... têm sido carregados das pastas, obtido dissoluções, arranjado maioria, governado o país e descido do poder, quando o eleitor dos ministros o tem entendido... Uma vez no poder, o partido tem a faculdade temporária de manejar o látego oficial, de oprimir e proscrever os seus adversários... e a nação há de viver eternamente como – escravos de mandões encarregados de administrá-la... (Sousa Carvalho).



José de Alencar, justamente apaixonado, é mais distendido: “A coroa, apoiada de um lado no Senado e do outro no conselho de estado, eis a imagem fiel da monarquia constitucional do Brasil... Sistema representativo, aparatosa fantasmagoria... O ministério não tinha comunicação oficial, nem, talvez, confidencial da viagem imperial, e já ela era anunciada pela imprensa... os depositários atuais da confiança imperial (Paranhos, em 1870) tudo ignoravam, tudo... propósito de reduzir o ministério a um simples referendário, e o parlamento a mera chancelaria... O orçamento é um dos sintomas mais característicos da degeneração do sistema representativo neste país... prova da absorção do poder executivo pelo poder moderador, da anulação do gabinete pela coroa... Triste sina, que a liberdade seja sempre, neste país, uma outorga da realeza e não uma brilhante conquista do povo. Mas antes assim do que a degeneração progressiva em que vamos... o aparato dos despachos imperiais (Alencar já tinha sido ministro), ministros empertigados numa farda... em vez de aproveitarem o tempo no estudo de assuntos importantes, consomem cinco, seis horas em futilidades, em fabricarem oficiais de guarda nacional...” Num desses discursos de Alencar, Diogo de Vasconcelos deu o parte: “Hoje, já não há mais sistema representativo...” Era, apenas, a repetição do que, em 1868, com mais autoridade, dissera no Senado, Silveira da Mota: “No país, o que há é a forma somente do governo representativo; a substância desapareceu... A depravação do sistema é profunda.” Zacarias, por sua vez, atesta: “Ninguém dirá que o povo do Brasil governa-se por si mesmo.” Lembremo-nos, no entanto, que Zacarias é o mesmo liberal que suportou a imposição – de ter como ministro, no seu ministério de 1868, o pleno conservador Caxias, que lhe dava vida, diziam os adversários, isto é, garantia-lhe a confiança do imperante. 

Vinham de longe os processos absorventes e corruptores da coroa – porque havia corruptíveis. A última reação, análoga à de 1842, foi a de 1848. Estavam no poder os liberais, que se tinham elevado consoante às normas feitas, verificadas em 1842; mas entendeu a imperial sabedoria que bastava de liberais, e, apesar de terem estes, na Câmara, superabundante maioria, inesperadamente os desceu. Havia em Pernambuco restos daquele brio de 1817-24, o que provocou o protesto armado, finalmente, bem útil, ao regime, que se desembaraçou de Nunes Machado, Pedro Ivo e os companheiros. Vencidos os pernambucanos, a execução foi confiada ao competente Tosta, que fez jus, aí, ao Muritiba em que se enobreceu. Otoni, que acompanhou o curso da degradação por todo ele, dos dias de Feijó aos de Paranhos, diz, em 1880: “Por quarenta anos, subsistindo a onipotência dos ministros, ou antes de quem os nomeava e demitia ad libitum, a política foi a vontade do imperador, disfarçada hipocritamente com um parlamentarismo petrificado nas eleições.” Otoni, isolado, na sua resistência à corrupção, tem autoridade para levantar a acusação, mas não tem inteira razão: se o mundo dos políticos fora Landulfo, Otoni, Saldanha... nunca Pedro II teria inflado de poder ao ponto de substituir-se à nação. Não há duvida de que isto foi a expressão mesma da degradação. Muito antes da verrina de Otoni, já Tavares Bastos atestava:



... nem os estadistas, nem os ministros, nem a gente de tom, nem a maioria do país entende de liberdade, nem se preocupa com isto... daí as reviravoltas estranhas, inesperadas, incompreensíveis e inexplicadas, da nossa política interna. Não há ministério que não possa recrutar maioria, e, não só uma, como duas e três, de elementos diversos... Perdeu-se a fé em tudo: no parlamento, no ministério, no senado, na eleição, nos elementos de governo e nas condições de liberdade.




Sousa Carvalho, porque lhe falam de liberalismo, ele, liberal, retruca: “... liberalismo pessoal, aparentes liberdades, de que estamos fartos... Por duas vezes, de 1844 para cá, os liberais, misturados e fundidos com alguns conservadores... o que se segue é que eles têm gozado o poder, mas nunca tivemos governo liberal...” 

Mal podendo arrastar o letreiro, através da confessada mistificação parlamentar, e porque os mais vibrantes já debandam, os liberais, pela pena do seu grande leader – Nabuco de Araújo, lançam o célebre manifesto (da sorite), para o fecho cominatório – reforma, ou revolução!... Não se fez nenhuma legítima reforma, e, quanto à revolução... veio a 1889, contra os mesmos liberais, com quem se enterrou o regime.





____________________



"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



_______________________


O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


_______________________

Download Acesse:

http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-i-manoel-bonfim/


_______________________





O Brasil Nação - v1: § 39 – A choldra dos partidos – sobre a nação abandonada - Manoel Bomfim 


O Brasil nação - v1: Prefácio - Manoel Bomfim




Nenhum comentário:

Postar um comentário