domingo, 16 de julho de 2017

Dom Casmurro: "A Senhora Saiu"


Machado de Assis

Dom Casmurro





CAPÍTULO XLVII
"A SENHORA SAIU”



— Está bom, acabou, disse eu finalmente; mas, explique-me só uma coisa, por que é que você me perguntou se eu tinha medo de apanhar? 

— Não foi por nada, respondeu Capitu, depois de alguma hesitação... Para que bulir nisso? 

— Diga sempre. Foi por causa do seminário? 

— Foi; ouvi dizer que lá dão pancada... Não? Eu também não creio. 

A explicação agradou-me; não tinha outra. Se, como penso, Capitu não disse a verdade, força é reconhecer que não podia dizê-la, e a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que "a senhora saiu", quando a senhora não quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por instantes a condição das pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas descem... A verdade não saiu, ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento. E eu não desci triste nem zangado; achei a criada galante, apetecível, melhor que a ama. 

As andorinhas vinham agora em sentido contrário, ou não seriam as mesmas. Nós é que éramos os mesmos; ali ficamos, somando as nossas ilusões, os nossos temores, começando já a somar as nossas saudades. 




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Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

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Dom Casmurro: Capítulo Primeiro DO TÍTULO


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