domingo, 28 de agosto de 2022

A Montanha Mágica - Propósito

Thomas Mann

A Montanha Mágica 


Propósito

Queremos narrar a vida de Hans Castorp – não por ele, a quem o leitor em breve conhecerá como um jovem singelo, ainda que simpático, mas por amor a esta narrativa, que nos parece em alto grau digna de ser relatada. A favor de Hans Castorp convém, entretanto, mencionar que esta é a sua história, e que há histórias que não acontecem a qualquer um. Os fatos aqui referidos passaram-se há muitos anos já. Estão, por assim dizer, recobertos pela pátina do tempo, e em absoluto não podem ser narrados senão na forma de um remoto passado.
Isso talvez não seja um inconveniente para uma obra deste gênero, mas antes uma vantagem; é necessário que as histórias já se tenham passado. Poderíamos até dizer que, quanto mais se distanciam do presente, melhor corresponderão à sua qualidade essencial e mais adequadas serão ao narrador, este mago que evoca o pretérito. Acontece, porém, com a história o que hoje em dia também acontece com os homens, e entre eles, não em último lugar, com os narradores de histórias: ela é muito mais velha que seus anos; sua vetustez não pode ser medida por dias, nem o tempo que sobre ela pesa, por revoluções em torno do Sol. Numa palavra, não é propriamente ao tempo que a história deve o seu grau de antiguidade – e com esta observação feita de passagem queremos aludir ao caráter problemático e à peculiar duplicidade desse elemento misterioso.
Mas, para não se obscurecer artificialmente um estudo de coisas claro em si, seja dito que a idade sumamente avançada de nossa história provém do fato de ela se desenrolar antes de determinada peripécia e de certo limite que abriram um sulco profundo na nossa vida e na nossa consciência... Desenrola-se – ou para evitarmos propositadamente qualquer forma de presente – desenrolou-se numa época transata, outrora, nos velhos tempos, naquele mundo de antes da Grande Guerra, cujo deflagrar marcou o começo de tantas coisas que ainda mal deixaram de começar. Passa-se, pois, antes desse período, se bem que não muito antes. No entanto, não será o caráter de antiguidade de uma história tanto mais profundo, perfeito e lendário, quanto mais próxima do presente ela se passar? Além disso, poderia ser que também sob outros aspectos a nossa história, pela sua natureza íntima, tenha isto e aquilo em comum com a lenda.
Narrá-la-emos pormenorizadamente, com exatidão e minúcia, já que a sua natureza cativante ou enfadonha jamais depende do espaço ou do tempo que ela exige. Sem medo de sermos acusados de meticulosidade, inclinamo-nos, pelo contrário, a opinar que realmente interessante só é aquilo que tem bases sólidas.
Não será, portanto, num abrir e fechar de olhos que o narrador terminará a história de Hans Castorp. Não lhe bastarão para isso os sete dias de uma semana, nem tampouco sete meses. Melhor será que ele desista de computar o tempo que decorrerá sobre a Terra, enquanto esta tarefa o mantiver enredado. Decerto não chegará – Deus me livre – a sete anos.
Dito isto, comecemos.


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A Montanha Mágica (Der Zauberberg, no original alemão) é um romance de Thomas Mann que foi publicado em 1924. É considerado o romance mais importante de seu autor e um clássico da literatura de língua alemã do século XX que foi traduzido para inúmeros idiomas, sendo de domínio público em países como Estados Unidos, Espanha, Brasil, entre outros.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.



A Hora da Estrela - Dedicatória

Clarice Lispector

A Hora da Estrela



HORA DA ESTRELA 


A CULPA É MINHA 
OU 
A HORA DA ESTRELA 
OU 
ELA QUE SE ARRANJE 
OU 
O DIREITO AO GRITO 

QUANTO AO FUTURO 
OU 
LAMENTO DE UM BLUE 
OU 
ELA NÃO SABE GRITAR 
OU 
ASSOVIO AO VENTO ESCURO 
OU 
EU NÃO POSSO FAZER NADA 
OU 
REGISTRO DOS FATOS ANTECEDENTES 
OU 
HISTÓRIA LACRIMOGÊNICA DE CORDEL 
OU 
SAÍDA DISCRETA PELA PORTA DOS FUNDOS




DEDICATÓRIA DO AUTOR
(Na verdade Clarice Lispector)


Pois dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra e escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com quem voei em fogo. À “Morte e Transfiguração”, em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo dedico-me às vésperas de hoje e a hoje, ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orff, a Schönberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletrônicos – a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, enfim que é que se há de fazer senão meditar para cair naquele vazio pleno que só se atinge com a meditação. Meditação não precisa de ter resultados: a meditação pode ter como fim apenas ela mesma. Eu medito sem palavras e sobre o nada. O que me atrapalha a vida é escrever:
E – e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar: acreditar chorando. 
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.



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"Clarice Lispector deixou vários depoimentos sobre a sua produção literária. Em alguns, parecia se defender do estranhamento que causava em leitores e críticos.
Ela tinha consciência de sua diferença. Desde pequena, ao ver recusadas as histórias que mandava para um jornal de Recife, pressentia que era porque nenhuma “contava os fatos necessários a uma história”, nenhuma relatava um acontecimento. Sabia também, já adulta, que poderia tornar mais “atraente” o seu texto se usasse, “por exemplo, algumas das coisas que emolduram uma vida ou uma coisa ou romance ou um personagem”.
Entretanto, mesmo arriscando-se ao rótulo de escritora difícil, mesmo admitindo ter um público mais reduzido, ela não conseguiria abrir mão de seu traçado: “Tem gente que cose para fora, eu coso para dentro”. Ela se afastou dos “escritores que por opção e engajamento defendem valores morais, políticos e sociais, outros cuja literatura é dirigida ou planificada a fim de exaltar valores, geralmente impostos por poderes políticos, religiosos etc., muitas vezes alheios ao escritor”, em nome de uma outra forma de questionar a realidade e nela intervir, através da literatura." 
Clarisse Fukelman, Professora de Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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(II) o descolocado
15bs – a mulher ileié engaiolada

baitasar


maria memória gosta de querer muito seus filhos e filha, não imagina gratidão ou pagamento, pelo que já fez, faz e vai continuar fazendo, apenas espera que cuidem da filharada que hão de ter com o mesmo apego e afago e cuidado, Esse mundão tem muita tramoia mentirosa. É muito fingimento e hipocrisia solta por aí, escrotos crescidos... chibungos papa rola com porretes de milicianos! 

não tem planos nem alento para arredondar com mais um curumim, sabe que tudo se acomoda de um jeito ou outro – a vida segue seus planos com seu curso contaminado pela imensa pobreza, definhando até a morte sem momento ou ocasião favorável de escolha por outra vida –, mas, disposição com pouco ou muito pouco, ou quase nada das sobras das outras vidas, não é o mesmo que viver sendo bem-vista 

as vistas de todos na villa privilegia a origem familiar e as relações das pessoas

maria memória faz suas rezas e oferendas por lamparino, supimpo e maria futuro, não esconde que a miúda piquininina é sua encantaria, pega a miúda no colo e oferece a mamada, quando pode não espera que a guria comece a resmungar, agradece suas tetas monumentais e a leitaria em fartura, sempre teve para alimentar aquelas carinhas de olhos negros, herança que recebeu e quer passar para futuro

não quer a miúda vivendo da acomodação e na servidão de homem descolocado, Se for pra ser que seja, mas não engaiolada com macho sem riqueza de emprego de carteira assinada. Tem o exemplo em casa, a mãe enraizando na pobreza, um dia depois do outro, arredondando a formosura em quefazeres domésticos, como se a vida nada valesse além da pia vazia, a roupa lavada e a casa varrida, uma mulher domesticada. Eu devia ter reclamado mais desta miséria de milho, mandioca, beco e cachaça.

faz benzeduras e oferendas para a miúda encontrar alegria, comodidade e estima, gingando e namorando com contentamento, sonhando com as mãos quentes do afeto, Viver afeiçoada é melhor que viver aborrecida.

mãe nenhuma consegue afastar os urubus no entorno da caça a ser abatida, é uma luta perdida – as pedras convergem para o ponto central da rosa dos ventos, mesmo sem licença para povoar o continente africano no beco –, ela precisa confiar no ajuizamento do deus do mundo, seja quem for, tenha a cor ou a forma que tiver, Não adianta trancar como louça fina sem asa, tudo há de dar certo. Só acontece o que Deus quer, fica repetindo e repetindo até se convencer duvidando, tem precisão de confiar mais nas rezas, nas oferendas, nas encruzilhadas, repete séria e recatada as ladainhas de cuidado para a filha, escondendo seu sorriso discreto nos lábios, conhece muitas ladainhas das mães destinadas para a proteção das filhas

os miúdos também são alvo das suas preocupações, Não quero os dois aceitando presentes de desconhecido nem colocando nada na boca. Estão fome de gostosuras? O abastecimento é aqui em casa. Prestem atenção. Estão escutando? Respondam, eu sei que o rato não comeu a língua de vocês, Sim, mãinha, Hum...não quero os dois correndo no caminho da escola pra casa, Por que, mãinha, Porque preto correndo vira alvo. A polícia é feroz com preto, primeiro cospe fogo, só depois pergunta por que o preto tava fugindo, Xangô vai afogar a poçícia dos brancos, Sem ameaças, Lamparino. Não teimem! A maioria dos pretos morre no caminho entre a prisão e o beco, Isso quando não se çivram dos pretos jogando nas matas ou rios, Infelizmente é verdade, Lamparino. A maioria perde a vida pelo caminho, é julgamento e sentença pelas balas da polícia, Por que, mãinha, Não sei explicar direito, Supimpo. Acho que é algum ressentimento entranhado de muito tempo. Um azedume com a nossa teimosia pra continuarmos vivos.

as manhãs se repetem, primeiro o virgílio – depois os miúdos –, sai antes do dia abrir a vista, Substituto não espera pelo chamado, se apresenta pra prontidão da necessidade, o lado da cama do ausente esfria quando a madrugada começa envelhecer, ele sai sem o beijo do despedimento, ela reclama, ele responde que não quer aborrecimentos nem encolher o sono da memória, Amado... tão respeitoso, já foi mais meiguiceiro.

vez que outra, sente falta do carinho na saída, Tudo é costume, tanto na falta como na abundância, continua rezando e pedindo por ele, também reza pelo pegado do lado, o vizinho com banzo

levanta em silêncio

espia os miúdos, agradece pela belezura deles

pega a miúda piquininina no colo e oferece a mamada, está se derramando em abastança, lembra que o virgílio também se aproveitava da mamada nos tempos do lamparino, Até parece que pegou nojo.

tempos bicudos, a gurizada dos colégios fazendo bagunça e muita gritaria nas ruas, É proibido proibir!

Bobagens, desses arruaceiros. Vagabundos! Comunistas baderneiros! Quero ver essa gente criar os filhos assim, proibidos de proibir...

espera a miúda arrotar e a devolve para o cercado

a perna menos comprida já está acostumada em acompanhar a outra, ninguém repara no seu jeito de não mancar, Se a grandona vai ligeiro a curta se apressa, mas ela se acalma se é preciso mais lentidão. Só quero passar despercebida. Sou o que não se vê e não se vê o que sou.

não quer acordar os miúdos, Ainda bem que têm pouca idade, assim não se metem com esses baderneiros. Tudo comunista. Já ouvi histórias que essa gente de vermelho come nossas criancinhas. Gente doida. Estão estragando a pintura das paredes com essas frases idiotas: Abaixo à ditadura!

vai até a janela, o dia começa despertar, Essa gurizada não sabe nada de pobre. A gente aqui no beco quer comida, lugar decente pra morar e trabalho. Aqui, ninguém é vagabundo, espia pela janela, nada se mexe no beco, quem está nas sombras continua escondido, quem veio já foi e quem não veio não vem mais, Os muros ficam tão feios.

ela sabe da sina de ser pobre, a abastança miserável de não ter nada hoje, e menos que hoje, amanhã

as mortes costumeiras e repetidas

não sabe da ditadura, mas sabe da cara abaixada, o rosto lavado em lágrimas, gemendo dolorosamente, olhando para os céus e pedindo socorro ao pai da natureza, lamentações, cantos, filhos apartados dos pais, as mulheres dos maridos, os irmãos separados uns dos outros, A Villa não guarda nenhuma lei para os amigos ou parentes no beco, cada um cai onde a sorte o levar. Isso é ditadura? Se é ditadura o preto conhece desde muito tempo.

ela sabe da sina de ser pobre, A gente não vai crescer nos confortos da vida sem muito suor, lágrimas, sangue e susto, por isso tenho esperança, a fartura das lágrimas não vai faltar. É tudo muito difícil e a vontade de desanimar é grande, é preciso muita torcida, reza e choradeira.

o samba ajuda, mas não resolve

foi espiolhar se o virgílio esqueceu o despejo do balde, A memória não é o seu forte. Ele tem muita coisa de preto malandro. Calma, Memória, resmunga para ela mesma, É verdade, o Virgílio não sente nenhuma cobiça de descarregar o cubo com toda porcaria noturna.

a noite tem muitos descarregos, memória não suporta os cheiros do cubo, Quando vamos ter os confortos do banheiro dentro de casa, Logo, Maria. Estou providenciando, as promessas do virgílio levam algum tempo para virar coisa feita, leva as vistas para o canto do cubo de plástico com os rastros humanos evacuados, Sem banheiro dentro de casa a gente não parece gente, Só mais um pouco de paciência, Maria, cata o cubo com as vistas, o nariz não vê o cubo, apenas a mancha úmida nas tábuas, sem a carcaça fetida no chão, Graças à Deus que o Virgílio não esqueceu sua obrigação, sorri para o pássaro engaiolado, pulando de galho em galho

Não voa, tem as asas, mas não pode voar.

a mulher ileié engaiolada faz pequenos muxoxos para ouvir o canto do outro engaiolado, ele não canta, não voa, mas pula, não tem graça pulando, ela se vira, desiste, olha a sua volta, gosta daquele breve despovoamento familiar, o desjejum do paraíso, ninguém para cuidar ou satisfazer, apenas ela, sozinha na gaiola

olha com seu jeito de espionar na janela, e lá está o negão, ombros largos, mãos enormes, sempre o mesmo jeito, um beijo alongado na vizinha reclusa, Coitado, ela nem é tão bonita.

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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O Cortiço - I (a) João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos...

O CORTIÇO


Aluísio Azevedo


I (a)



João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.
Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjava-lhe, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade.
Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.
João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinha, e com tamanho empenho a lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras. Abriu-se com ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. “Seu senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter de escarrar pr’ali, todos os meses, vinte mil-réis em dinheiro!” E segredou-lhe então o que já tinha junto para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que lhe entraram na quitanda pelos fundos.
Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula. No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela produzia, e era também quem punha e dispunha dos seus pecúlios, e quem se encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais. Abriu-lhe logo uma conta corrente, e a quitandeira, quando precisava de dinheiro para qualquer coisa, dava um pulo até à venda e recebia-o das mãos do vendeiro, de “Seu João”, como ela dizia. Seu João debitava metodicamente essas pequenas quantias num caderninho, em cuja capa de papel pardo lia-se, mal escrito e em letras cortadas de jornal: “Ativo e passivo de Bertoleza”.
E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espírito da mulher, que esta afinal nada mais resolvia só por si, e aceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. Por último, se alguém precisava tratar com ela qualquer negócio, nem mais se dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direito a João Romão.
Quando deram fé estavam amigados.
Ele propôs-lhe morarem juntos, e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua.
João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de terreno ao lado esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas, dividida ao meio paralelamente à rua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundo para um dormitório que se arranjou com os cacarecos de Bertoleza. Havia, além da cama, uma cômoda de jacarandá muito velha com maçanetas de metal amarelo já mareadas, um oratório cheio de santos e forrado de papel de cor, um baú grande de couro cru tacheado, dois banquinhos de pau feitos de uma só peça e um formidável cabide de pregar na parede, com a sua competente coberta de retalhos de chita.
O vendeiro nunca tivera tanta mobília.

- Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhor para você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta.

Nesses dias ele saiu muito à rua, e uma semana depois apareceu com uma folha de papel toda escrita, que leu em voz alta à companheira.

- Você agora não tem mais senhor! declarou em seguida à leitura, que ela ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora está livre! Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver.

Acabou-se o cativeiro de pagar os vinte mil-réis à peste do cego!

- Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor, exigia o jornal, exigia o que era seu!

- Seu ou não seu, acabou-se! E vida nova!

Contra todo o costume, abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto, e os dois beberam-na em honra ao grande acontecimento. Entretanto, a tal carta de liberdade era obra do próprio João Romão, e nem mesmo o selo, que ele entendeu de pespegar-lhe em cima, para dar à burla maior formalidade, representava despesa, porque o esperto aproveitara uma estampilha já servida. O senhor de Bertoleza não teve sequer conhecimento do fato; o que lhe constou, sim, foi que a sua escrava lhe havia fugido para a Bahia depois da morte do amigo.

- O cego que venha buscá-la aqui, se for capaz!... desafiou o vendeiro de si para si. Ele que caia nessa e verá se tem ou não pra peras!

Não obstante, só ficou tranquilo de todo daí a três meses, quando lhe constou a morte do velho. A escrava passara naturalmente em herança a qualquer dos filhos do morto; mas, por estes, nada havia que recear: dois pândegos de marca maior que, empolgada a legítima, cuidariam de tudo, menos de atirar-se na pista de uma crioula a quem não viam de muitos anos àquela parte. “Ora! bastava já, e não era pouco, o que lhe tinham sugado durante tanto tempo!”
Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Mourejava a valer, mas de cara alegre; às quatro da madrugada estava já na faina de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda. Varria a casa, cozinhava, vendia ao balcão na taverna, quando o amigo andava ocupado lá por fora; fazia a sua quitanda durante o dia no intervalo de outros serviços, e à noite passava-se para a porta da venda, e, defronte de um fogareiro de barro, fritava fígado e frigia sardinhas, que Romão ia pela manhã, em mangas de camisa, de tamancos e sem meias, comprar à praia do Peixe. E o demônio da mulher ainda encontrava tempo para lavar e consertar, além da sua, a roupa do seu homem, que esta, valha a verdade, não era tanta e nunca passava em todo o mês de alguns pares de calças de zuarte e outras tantas camisas de riscado.
João Romão não saia nunca a passeio, nem ia à missa aos domingos; tudo que rendia a sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa econômica e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta pública algumas braças de terra situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.
Que milagres de esperteza e de economia não realizou ele nessa construção! Servia de pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o velhaco, fora de horas, junto com a amiga, furtavam à pedreira do fundo, da mesma forma que subtraiam o material das casas em obra que havia por ali perto.
Estes furtos eram feitos com todas as cautelas e sempre coroados do melhor sucesso, graças à circunstância de que nesse tempo a polícia não se mostrava muito por aquelas alturas. João Romão observava durante o dia quais as obras em que ficava material para o dia seguinte, e à noite lá estava ele rente, mais a Bertoleza, a removerem tábuas, tijolos, telhas, sacos de cal, para o meio da rua, com tamanha habilidade que se não ouvia vislumbre de rumor. Depois, um tomava uma carga e partia para casa, enquanto o outro ficava de alcateia ao lado do resto, pronto a dar sinal em caso de perigo; e, quando o que tinha ido voltava, seguia então o companheiro, carregado por sua vez.
Nada lhes escapava, nem mesmo as escadas dos pedreiros, os cavalos de pau, o banco ou a ferramenta dos marceneiros.
E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram o ponto de partida do grande cortiço de São Romão.




Continua página 03...

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Aluísio Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo), caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913.

Era filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Sua mãe havia casado, aos 17 anos, com um comerciante português. O temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. Emília refugiou-se em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David. Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época foi considerado um escândalo na sociedade maranhense.

Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar os personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur. Matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para manter-se fazia caricaturas para os jornais da época, como O Fígaro, O Mequetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses “bonecos”, que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.

A morte do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Ali começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico. Ajuda a lançar e colabora com o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura, enquanto os padres mostravam-se contrários a ela. Em 1881, Aluísio lança O mulato, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. O romance teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pôde retornar para o Rio de Janeiro, embarcando em 7 de setembro de 1881, decidido a ganhar a vida como escritor.

Quase todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo de Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração pelo imigrante, principalmente o português. Dessa preocupação resultariam duas de suas melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895 escreveu sem interrupção romances, contos e crônicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède.

Em 1895 ingressou na diplomacia, momento em que praticamente cessa sua atividade literária. O primeiro posto foi em Vigo, na Espanha. Depois serviu no Japão, na Argentina, na Inglaterra e na Itália. Passara a viver em companhia de D. Pastora Luquez, de nacionalidade argentina, junto com os dois filhos, Pastor e Zulema, por ele adotados. Em 1910, foi nomeado cônsul de 1ª. classe, sendo removido para Assunção. Buenos Aires foi seu último posto. Ali faleceu, aos 56 anos. Foi enterrado naquela cidade. Seis anos depois, por uma iniciativa de Coelho Neto, a urna funerária de Aluísio Azevedo chegou a São Luís, onde o escritor foi sepultado.



Ballet Nacional de España

SEIS SONATAS PARA LA REINA DE ESPAÑA (I). (1985)
BNE. HISTORIA



os corpos
                a música
                              a dança
as emoções
                               saltando
Ao ver dançar
                            a borboleta
me vem
       repetidamente
                            a recordação
do verbo
                                dessa paixão:
borboletar 
            as castanholas






Cuarta Sonata para la Reina de España

Dirección: María de Ávila
Coreografía: Ángel Pericet.
Música: Domenico Scarlatti y Miguel Ángel Coria.
Escenografía y figurines: Ramón Ivars.

Elenco: Maribel Gallardo, José Antonio Ruiz.

Interpretación musical: Orquesta Sinfónica de Madrid, dirigida por Jorge Rubio.
Vídeo: grabado en el Teatro de la Zarzuela el 20 de diciembre de 1985. CDAEM. 

Estreno absoluto el 12 de julio de 1985 en el Festival de Spoleto (Italia).





Quinta Sonata para la Reina de España

Dirección: María de Ávila
Coreografía: Ángel Pericet.
Música: Domenico Scarlatti y Miguel Ángel Coria.
Escenografía y figurines: Ramón Ivars.

Elenco: Juan Mata.

Interpretación musical: Orquesta Sinfónica de Madrid, dirigida por Jorge Rubio.
Vídeo: grabado en el Teatro de la Zarzuela el 20 de diciembre de 1985. CDAEM.

Estreno absoluto el 12 de julio de 1985 en el Festival de Spoleto (Italia).



quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 3 (3a)

Ópera do malandro



Chico Buarque 
 

Ópera do malandro
americanismo: da pirataria à modernização autoritária (e o que se pode seguir)
 

"A multidão vai estar é seduzida" — Teresinha Fernandes de Duran


PRIMEIRO ATO


continuando...


CENA 3 


Casa de Duran; sentado à escrivaninha, Duran fala ao telefone, enquanto Vitória anda de um lado para o outro


DURAN
Olha aí, meu camarada, diga ao Chaves que eu não to telefonando pra cobrar dívida não. Pode até dizer que é pra perdoar a dívida, tá? Perdoar, é! Quero ver se agora ele não me atende. . . Saiu mesmo, é? Casamento de alta patente, é? Capitão de fragata? Almirante,? Sei... Então, assim que ele chegar, diz que é pra me ligar urgente! Toma nota. . .

VITÓRIA
Nunca me convidaram pra casamento de alta patente. Aliás, nunca convidam a gente pra nada. Ontem mesmo o Guinie deu uma festa no Fluminense e convidou "le tout Rio". Só ficou de fora o sapo, o time de futebol e adivinhe quem mais?

DURAN
Fernandes de Duran. É pra ligar sem falta, viu? É assunto de interesse dele. (Desliga)

VITÓRIA
O que é que eles pensam que são? Aristocracia brasileira? Faz-me rir, ha ha ha. Os Monteiro da Fonseca têm um pé na cozinha, já reparou nas fotografias? O tio dos Castro Melo enriqueceu com a febre amarela. O pai dos Vasconcelos roubava cavalo em Araraquara. Os Santo Espírito vieram corridos de Portugal. Os Frink são judeus, os Salum são turcos e os Masserotti são uns carcamanos da Calábria. . . Quer saber duma coisa? Se me convidarem pro Juju e Balangandãs, eu não vou. Minha mãe era francesa! Legítima! 

Entra Teresinha; Vitória não percebe; Duran levanta-se e dá um soco na escrivaninha

DURAN
Sua filha da mãe!

VITÓRIA
Como disse?

DURAN
Como é que você se atreve?. . . Vitória, pergunta à tua filha como é que ela tem coragem de encarar seus pais!

VITÓRIA
Minha filha? Oh, Teresinha! Como você demorou!

TERESINHA
Mamãe, diga ao papai que eu só vim me despedir de você e apanhar duas mudas de roupa.

VITÓRIA
Minha filha, que bom que você veio! É que espalharam um boato horrível a teu respeito. Imagina que inventaram que você se casou com um contraventor! Um patife! Um pagão! Daí o teu pai ficou nervoso, e com toda a razão. Teresinha, pelo amor de Deus! Desminta logo essa falácia se você não quer matar teu pai de desgosto e tua mãe do coração. . .

TERESINHA
Se você tá se referindo ao capitão Max Overseas, mamãe, eu casei sim.

VITÓRIA
Ohhhh! Me segura que deu bambeira nas pernas. . . (Vai desmaiar; Teresinha antecipa-lhe o porta-pó que está na mesa)

TERESINHA
Cheira aqui teu rapé, mãe. Duas fileiras.

DURAN
Vitória, assim que você se refizer, diga à sua filha que ela tá proibida de se encontrar de novo com aquele canalha!

TERESINHA
Mamãe, eu tô casada e emancipada. Você sabe que o lugar da esposa é ao lado do marido.

VITÓRIA
Filha, filha, onde é que você anda com a cabeça? Mulher de soldado e mulher de bandido não têm marido. E agora? Me diga do que é que você pretende viver?

DURAN
Cortei a tua mesada, viu?

TERESINHA
Ora, mamãe, igualzinho a todas as mulheres decentes do mundo. Vou viver do trabalho do meu esposo.

DURAN
Esse capitão nunca trabalhou na vida. É ladrão!

TERESINHA
Pode chamar de ladrão quanto quiser que eu nem ligo. Ninguém mais liga pra essas coisas. Aquele alemão que escreve pra teatro, como é mesmo o nome dele?

VITÓRIA
Einstein.

TERESINHA
Não, não. É Bertolt Brecht. Ele também não é ladrão? Me disseram que esse Brecht rouba tudo dos outros e faz coisas maravilhosas. Então, ninguém quer saber de onde vem a riqueza das pessoas. Importa é o que as pessoas vão fazer com essa riqueza. Max, por exemplo, não vai guardar dinheiro no colchão nem vai emprestar a juros de agiota. E muito menos vai morar numa casa infecta da Lapa, só pra fiscalizar os negócios de perto! O que Max vai fazer é dar uma bruta recepção no nosso futuro bangalô na serra. Você tá convidada, mãe.

VITÓRIA
Teresinha, esse tarado te comprou com conversa de bangalô? Virou criança? Ah, não, fala a verdade. O que foi que você viu de aproveitável nesse homem?

TERESINHA
Eu não vi nada, casei no escuro. Casei por amor.

DURAN
Que isso?

TERESINHA
O amor não tem fronteiras. O amor destrói barreiras. Só o amor constrói. E nós vamos construir um bangalô em Teresópolis! (Sobe as escadas cantarolando)

DURAN
Onde foi que ela ouviu tanta cretinice?

VITÓRIA
Aqui em casa é que não foi.

DURAN
Nunca demos mau exemplo.

VITÓRIA
É. Só pode ser influência dessas malditas novelas da Rádio Nacional.

DURAN
Eu atiro esse rádio pela janela! 

Teresinha desce com a mala

VITÓRIA
Teresinha, duas pessoas podem até se amar que nem nas novelas. Só que na vida real, se você ama uma pessoa, é lógico que não vai casar com ela. Casa com qualquer outro. Veja teu pai e eu. Como é que esse casamento durou esse tempo todo? Aqui ninguém ama nem desama.

DURAN
Nem fede nem cheira.

VITÓRIA
Nem bate, nem alisa. Então é casamento pra vida inteira. É pão pão, queijo queijo. É um tijolo.

DURAN
É sólido como um banco.

VITÓRIA
Porque ninguém suporta os defeitos da pessoa amada por mais de um fim de semana em Paquetá. Depois a pessoa amada vai ficando é muito chata. O amor vai virar exigência e exigência vai virar frustração que vai virar rancor que vai virar ódio e o ódio vai ser mortal. Aí não tem perdão, Teresinha. Só se perdoa a quem não se ama.

A orquestra ataca em ritmo de valsa.

Teresinha canta "Teresinha".

O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não

O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E assustada eu disse não

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração







A orquestra silencia



continua pág 61 ...

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NOTA 

O texto da "Ópera do Malandro" ê baseado na "Ópera dos Mendigos" (1728), de John Gay, e na "Ópera dos Três Vinténs" (1928), de Bertolt Brecht e Kurt Weill. O trabalho partiu de uma análise dessas duas peças conduzida por Luís Antônio Martinez Corrêa e que contou com a colaboração de Maurício Sette, Marieta Severo, Rita Murtinho, Carlos Gregório e, posteriormente, Maurício Arraes. A  equipe também cooperou na realização do texto final através de leituras, críticas e sugestões. Nessa etapa do trabalho, muito nos valeram os filmes "Ópera dos Três Vinténs", de Pabst, e "Getúlio Vargas", de Ana Carolina, os estudos de Bernard Dort ("O Teatro e Sua Realidade"), as memórias de Madame Satã, bem como a amizade e o testemunho de Grande Otelo. Contamos ainda com a orientação do prof. Manoel Maurício de Albuquerque para uma melhor percepção dos diferentes momentos históricos em que se passam as três "óperas". E o prof. Luiz Werneck Vianna contribuiu com observações muito esclarecedoras. Esta peça é dedicada à lembrança de Paulo Pontes. 

Chico Buarque Rio, junho de 1978


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Leia também:

Chico Buarque - Ópera do Malandro (prefácio e nota)
Chico Buarque - Ópera do Malandro (introdução)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 1 (1a)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 1 (1b)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 2 (2a)
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Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 3 (3a)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 3 (3b)

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Chico Buarque - foi musicando o poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto, encenado pelo grupo universitário TUCA, que Chico Buarque se revelou como compositor, dois anos antes do sucesso de "A Banda", "Roda Viva", sua primeira peça, teve uma carreira tumultuada: estreou no Rio, em 1967, com um sucesso que desgostou a muita gente; em São Paulo, os atores foram espancados durante o espetáculo e, em Porto Alegre, sequestraram a atriz Elizabeth Gasper. A peça acabou proibida pela censura.
Chico só voltou ao teatro em 1972. OU melhor: tentou voltar.. Depois de muito tempo e dinheiro gastos com ensaios e produção, "Calabar - O Elogio da Traição", teve sua encenação vetada. E a censura foi além: proibiu a imprensa de fazer qualquer referência à obra, aos autores e até ao próprio Calabar. Mas, transcrita em livro, a peça esgotou-se rapidamente.
No ano seguinte, outro sucesso de venda: "Fazendo Modelo - Uma Novela Pecuária". E, em 1975, apesar de inúmeros cortes, "Gota d'Água" chegou aos palcos de Rio e São Paulo, onde ficou por dois anos. Agora, aí está a "Ópera do Malandro", que estreou no Rio  a 26 de julho de 1978, e que é mais uma prova do gênio de Chico Buarque de Hollanda.


Massa e Poder - A Massa (Massa Aberta e Massa Fechada)

Elias Canetti


MASSA ABERTA E MASSA FECHADA


Um fenômeno tão enigmático quanto universal é o da massa que repentinamente se forma onde, antes, nada havia. Umas poucas pessoas se juntam — cinco, dez ou doze, no máximo. Nada foi anunciado; nada é aguardado. De repente, o local preteja de gente. As pessoas afluem provindas de todos os lados, e é como se as ruas tivessem uma única direção. Muitos não sabem o que aconteceu e, se perguntados, nada têm a responder; no entanto, têm pressa de estar onde a maioria está. Em seu movimento, há uma determinação que difere inteiramente da expressão da curiosidade habitual. O movimento de uns — pode-se pensar — comunica-se aos outros; mas não é só isso: as pessoas têm uma meta. E ela está lá antes mesmo que se encontrem palavras para descrevê-la: a meta é o ponto mais negro — o local onde a maioria encontra-se reunida.

Haverá muito a dizer aqui acerca dessa forma extrema da massa espontânea. No local onde ela surge, em seu verdadeiro cerne, ela não é tão espontânea quanto parece. No mais, porém — excetuando-se aquelas cinco, dez ou doze pessoas que lhe deram origem —, ela de fato o é. Tão logo adquire existência, seu desejo é consistir de mais. A ânsia de crescer constitui a primeira e suprema qualidade da massa. Ela deseja abarcar todo aquele que esteja ao seu alcance. Quem quer que ostente a forma humana pode juntar-se a ela. A massa natural é a massa aberta: fronteira alguma impõe-se ao seu crescimento. Ela não reconhece casas, portas ou fechaduras; aqueles que se fecham a ela são-lhe suspeitos. A palavra aberta deve ser entendida aqui em todos os sentidos: tal massa o é em toda parte e em todas as direções. A massa aberta existe tão somente enquanto cresce. Sua desintegração principia assim que ela para de crescer.

Sim, pois tão subitamente quanto nasce a massa também se desintegra. Nessa sua forma espontânea, ela é uma construção delicada. Seu caráter aberto, que lhe possibilita o crescimento, representa-lhe também um perigo. A massa traz sempre vivo em si um pressentimento da desintegração que a ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento. Enquanto pode, ela absorve tudo; uma vez, porém, que tudo absorve, tem ela também de, necessariamente, desintegrar-se. 

Em contraposição à massa aberta — que é capaz de crescer até o infinito está em toda parte e, por isso mesmo, reclama um interesse universal — tem-se a massa fechada.

Esta renuncia ao crescimento, visando sobretudo a durabilidade. O que nela salta aos olhos é, em primeiro lugar, sua fronteira. A massa fechada se fixa. Ela cria um lugar para si na medida em que se limita; o espaço que vai preencher foi-lhe destinado. Tal espaço é comparável a um vaso no qual se derrama um líquido: sabe-se de antemão a quantidade de líquido que ele comporta. Os acessos a esse espaço são em número limitado; não se pode adentrá-lo em um ponto qualquer. A fronteira é respeitada, seja ela de pedra ou de alvenaria. Talvez um ato particular de admissão seja necessário; talvez tenha-se de pagar uma certa quantia pelo ingresso. Uma vez preenchido o espaço, apresentando-se ele denso o suficiente, ninguém mais pode entrar, e, ainda que transborde de gente, o principal segue sempre sendo a massa densa no interior do espaço fechado, massa esta à qual não pertencem de fato os que ficaram do lado de fora.

A fronteira impede um crescimento desordenado, mas também dificulta e adia a desintegração. O que sacrifica assim em termos de possibilidade de crescimento, a massa ganha em durabilidade. Ela se encontra protegida de influências exteriores que lhe poderiam ser hostis e perigosas. Aquilo, porém, com que ela conta muito especialmente é a repetição. Graças à perspectiva de voltar a reunir-se, a massa sempre se ilude quanto a sua dissolução. O edifício espera por ela, existe por sua causa, e, enquanto ele existir, as pessoas voltarão a reunir-se de modo semelhante. Mesmo na maré baixa, o espaço lhes pertence, e, vazio, ele lembra a época da cheia.



continua página 17...
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Leia também:

Massa e Poder - A Massa (Massa Aberta e Massa Fechada)
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ELIAS CANETTI nasceu em 1905 em Ruschuk, na Bulgária, filho de judeus sefardins. Sua família estabeleceu-se na Inglaterra em 1911 e em Viena em 1913. Aí ele obteve, em 1929, um doutorado em química. Em 1938, fugindo do nazismo, trocou Viena por Londres e Zurique. Recebeu em 1972 o prêmio Büchner, em 1975 o prêmio Nelly-Sachs, em 1977 o prêmio Gottfried-Keller e, em 1981, o prêmio Nobel de literatura. Morreu em Zurique, em 1994. 
Além da trilogia autobiográfica composta por A língua absolvida (em A língua absolvida Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, narra sua infância e adolescência na Bulgária, seu país de origem, e em outros países da Europa para onde foi obrigado a se deslocar, seja por razões familiares, seja pelas vicissitudes da Primeira Guerra Mundial. No entanto, mais do que um simples livro de memórias, A língua absolvida é a descrição do descobrimento do mundo, através da linguagem e da literatura, por um dos maiores escritores contemporâneos), Uma luz em meu ouvido (mas talvez seja na autobiografia que seu gênio se evidencie com maior clareza. Com este segundo volume, Uma luz em meu ouvido, Canetti nos oferece um retrato espantosamente rico de Viena e Berlim nos anos 20, do qual fazem parte não só familiares do escritor, como sua mãe ou sua primeira mulher, Veza, mas também personagens famosos como Karl Kraus, Bertolt Brecht, Geoge Grosz e Isaak Babel, além da multidão de desconhecidos que povoam toda metrópole) O jogo dos olhos (em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder. Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento), já foram publicados no Brasil, entre outros, seu romance Auto de fé e os relatos As vozes de MarrakechFesta sob as bombas e Sobre a morte.


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Copyright @ 1960 by Claassen Verlag GmbH, Hamburg

Copyright @ 1992 by Claassen Verlag GmbH, Hildescheim

Título original Masse und Macht


"Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido."


domingo, 21 de agosto de 2022

Memórias do Cárcere - Viagens 2

Memórias do Cárcere

Graciliano Ramos



Volume I 

 Editora Record 

PRIMEIRA PARTE 

VIAGENS 



NO COMEÇO de 1936, funcionário na Instrução Pública de Alagoas, tive a notícia de que misteriosos telefonemas, com veladas ameaças, me procuravam o endereço. Desprezei as ameaças: ordinariamente o indivíduo que tenciona ofender outro não o avisa. Mas os telefonemas continuaram. Mandei responder que me achava na repartição diariamente, das nove horas ao meio-dia, das duas às cinco da tarde. Não era o que pretendiam. Nada de requerimentos: queriam visitar-me em casa. Pedi que não me transmitissem mais essas tolices, com certeza picuinhas de algum inimigo débil, e esqueci-as: nem um minuto supus que tivessem cunho oficial. Algum tempo depois um amigo me procurou com a delicada tarefa de anunciar-me, gastando elogios e panos mornos, que a minha permanência na administração se tornara impossível. Não me surpreendi. Pelo meu cargo haviam passado em dois anos oito sujeitos. Eu conseguira aguentar-me ali mais de três anos, e isto era espantoso. Ocasionara descontentamentos, decerto cometera numerosos erros, não tivera a habilidade necessária de prestar serviços a figurões, havia suprimido nas escolas o Hino de Alagoas, uma estupidez com solecismos, e isto se considerava impatriótico. O aviso que me traziam era, pois, razoável, e até devia confessar-me grato por me haverem conservado tanto tempo.

Lembro-me perfeitamente da cena. O gabinete pequeno se transformara numa espécie de loja: montes de fazenda e cadernos, que oferecíamos às crianças pobres. Findo o expediente, sucedia retardar-me ali, a escrever, esquecia-me do tempo, e às vezes, meia-noite, o guarda vinha dizer-me que iam fechar o portão do Palácio. Parte do meu último livro fora composto no bureau largo, diante de petições, de números do Literatura Internacional. Naquela noite, acanhado, olhando pelas janelas os canteiros do jardim, as árvores da Praça dos Martírios, Rubem me explicava que Osman Loureiro, o governador, se achava em dificuldade: não queria demitir-me sem motivo, era necessário o meu afastamento voluntário. Ora, motivo há sempre, motivo se arranja. Evidentemente era aquilo início de uma perseguição que Osman não podia evitar: constrangido por forças consideráveis, vergava; se quisesse resistir, naufragaria. Não presumi que nele houvesse perfídia. Sempre se revelara razoável, nunca entre nós houvera choque. Provavelmente se perturbava como eu. Conversei com Rubem, sem melindres, revolvendo as gavetas, procurando papéis meus. Os integralistas serravam de cima, era o diabo. Demissão ninguém me forçaria a pedir. Havia feito isso várias vezes, inutilmente; agora não iria acusar-me. Dessem-na de qualquer jeito, por conveniência de serviço.

Despedi-me de Rubem Loureiro e deixei sobre o bureau os volumes do Literatura Internacional. Essa matéria, na safadeza e na burrice dominantes naquela época, render-me-ia talvez um processo. Iriam dr. Sidrônio e Luccarini, meus companheiros de trabalho, passar vexames por minha causa? Não. Dr. Sidrônio era católico, não escrevia, como eu, livros perigosos nem se gastava em palestras inconvenientes nos cafés. Provavelmente me substituiria. Luccarini tinha sido meu inimigo. Apanhado certa vez em falta e censurado, replicara-me:

– Eu também já mandei. Mas quando queria dizer isso que o senhor está dizendo, chamava o sujeito particularmente. – Ora essa! O senhor chega tarde, larga a banca e vive passeando pelas seções alheias em público.

Luccarini voltara ao seu lugar e durante três meses fora de uma pontualidade irritante. Era o primeiro a chegar, o último a sair, não se levantava nem para ir ao mictório. Também não fazia nada, inércia completa. Na rua, se me via, fechava a cara, enrugava-se com dignidade excessiva. Isso não tinha importância, mas o procedimento na repartição irritava-me.

– Como vai Luccarini? perguntava Osman. – Pessimamente. É um preguiçoso.

Osman contradizia-me e gabava aquela inutilidade. Não me conformava. E dera graças a Deus quando Luccarini se ausentara, passara seis meses no Recife, curando uma sinusite, com todos os vencimentos. Ao voltar, agradecera-me um obséquio não feito, apresentara-me um relatório não encomendado, insinuara-me a compra de um fichário e o abandono daqueles horríveis calhamaços onde o registro das professoras se fragmentava e confundia. Agora trabalhava demais, em poucos meses corrigira aquela balbúrdia.

Saí do Palácio, atordoado. Eximia-me de obrigações cacetes, mas isso continuava a aperrear-me, juntava-se a amolações domésticas e a planos vagos. Sentia desgosto e vergonha, desejava ausentar-me para muito longe, não pensar em despachos e informações. Andei pelas ruas, tomei o bonde. Transeuntes e passageiros pareciam conhecer o desagradável sucesso, ler-me no rosto a inquietação. Evitava considerar-me vítima de uma injustiça: deviam ter razão para repelir-me. Seria bom que ela se publicasse no jornal, isto desviaria comentários maliciosos. Esforçava-me por julgar aquilo uma insignificância. Já me havia achado em situação pior, sem emprego, numa cama de hospital, a barriga aberta, filhos pequenos, o futuro bem carregado. Tinha agora uns projetos literários, indecisos. Certamente não se realizariam, mas anulavam desavenças conjugais intempestivas, que se vinham amiudando e intensificando sem causa. A lembrança dessas querelas, somada aos telefonemas e à demissão, azedou-me a viagem a Pajuçara. Indispensável refugiar-me no romance concluído, imaginá-lo na livraria, despertando algum interesse, possibilitando ainda uma vez mudança de profissão. A última, encerrada meia hora antes, tinha sido um horror: o regulamento, o horário, o despacho, o decreto, a portaria, a iniquidade, o pistolão, sobretudo a certeza de sermos uns desgraçados trambolhos, de quase nada podermos fazer na sensaboria da rotina. Se não me houvessem despedido assim de chofre, com um recado, humilhantemente, poderia até julgar aquilo um benefício.

O essencial era retirar-me de Alagoas e nunca mais voltar, esquecer tudo, coisas, fatos e pessoas. Alagoas não me fizera mal nenhum, mas, responsabilizando-a pelos meus desastres, devo ter-me involuntariamente considerado autor de qualquer obra de vulto, não reconhecida. Moderei a explosão de vaidade besta: impossível contrapor-me a homens e terra, a todos os homens e a toda a terra, vinte e oito mil quilômetros quadrados e um milhão de habitantes. Essa horrível presunção de selvagem tinha um mérito: vedava-me identificar inimigos, dirigir ódio a alguém. O ódio se repugnância morna, alcançava os edifícios, o morro do Farol, o Aterro, a praia, coqueiros e navios repisados no último romance, inédito, feito aos arrancos, com largos intervalos. Certas passagens desse livro não me descontentavam, mas era preciso refazê-lo, suprimir repetições inúteis, eliminar pelo menos um terço dele. Necessário meter-me no interior, passar meses trancado, riscando linhas, condensando observações espalhadas. Não, porém, no interior de Alagoas: indispensável fugir a indivíduos que me conhecessem. Era pouco não tornar a pôr os pés no Palácio dos Martírios: queria evitar indiscretos que me houvessem visto manuseando os horríveis papéis sujos.

Não me lembrava das pessoas. Osman, dr. Sidrônio e Luccarini eram sujeitos decentes. Mas a engrenagem onde havíamos entrado nos sujava.

Tudo uma porcaria. Tolice reconhecer que a professora rural, doente e mulata, merecia ser trazida para a cidade e dirigir um grupo escolar: fazendo isso, dávamos um salto perigoso, descontentávamos incapacidades abundantes. Essas incapacidades deviam aproveitar-se de emburrando as crianças. O emburramento era necessário. Sem ele, como se poderiam aguentar políticos safados e generais analfabetos? Necessário reconhecer que a professora mulata não havia sido transferida e elevada por mim: fora transferida por uma ideia, pela ideia de aproveitar elementos dignos, mais ou menos capazes. Isso desaparecia. E os indivíduos que haviam concorrido para isso desapareciam também. Excelente que Osman, em cima, e Luccarini, embaixo, continuassem. Não continuariam muito tempo. Ficava a estupidez: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas.” Para que meter semelhante burrice na cabeça das crianças, Deus do céu? Realmente eu havia sido ali uma excrescência, uma excrescência agora amputada, a rodar no bonde, a olhar navios e coqueiros. De certo modo as ameaças dos telefonemas me agradavam: embora indeterminadas, indicavam mudanças, forçar-me-iam a azeitar as articulações perras. Conservara-me regulamentar e besta mais de três anos, numa cadeira giratória, manejando carimbos, assinando empenhos, mecânico, a deferir e indeferir de acordo com as informações de seu Benedito, realmente obedecendo a seu Benedito.

Que diabo me fariam? Imaginei um desacato, tiros ou facadas, em hora de movimento, no relógio oficial. Osman me perguntara certa vez:

– Você anda desarmado? Em que é que você confia, criatura?

Depois disso José Auto me emprestara um revólver, mas o revólver tinha apenas três balas e de ordinário ficava nas gavetas, era difícil encontrá-lo. Fora um alívio a restituição. Ia fazer-me falta quando me agredissem. Foi o que imaginei: uma agressão pública, muitos integralistas atacando-me, furando-me, partindo-me as costelas, os braços e a cabeça. Recolhi-me.

Na casinha de Pajuçara fiquei até a madrugada consertando as últimas páginas do romance. Os consertos não me satisfaziam: indispensável recopiar tudo, suprimir as repetições excessivas. Alguns capítulos não me pareciam muito ruins, e isto fazia que os defeitos medonhos avultassem. O meu Luís da Silva era uma falastrão, vivia a badalar à toa reminiscências da infância, vendo cordas em toda a parte. Aquele assassinato, realizado em vinte e sete dias de esforço, com razoável gasto de café e aguardente, dava-me impressão de falsidade. Realmente eu era um assassino bem chinfrim. O delírio final se atamancara numa noite, e fervilhava de redundâncias. Enfim não era impossível canalizar esses derramamentos. O diabo era que no livro abundavam desconexões, talvez irremediáveis. Necessário ainda suar muito para minorar as falhas evidentes. Mas onde achar sossego? Minha mulher vivia a atenazar-me com uma ciumeira incrível, absolutamente desarrazoada. Eu devia enganá-la e vingar-me, se tivesse jeito para essas coisas. Agora, com a demissão, as contendas iriam acirrar-se, enfurecer-me, cegar-me, inutilizar-me dias inteiros, deixar-me apático e vazio, aborrecendo o manuscrito. Largara-o duas vezes, estivera um ano sem vê-lo, machucara folhas e rasgara folhas. As interrupções e as discórdias sucessivas deviam ser causa daqueles altos e baixos, daquelas impropriedades. Conveniente isolar-me, a ideia da viagem continuava a perseguir-me. De que modo realizá-la? Havia uma penca de filhos, alguns bem miúdos. E restava-me na carteira um conto e duzentos. Apenas.

continua página 11...
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Leia também:

Memórias do Cárcere - Viagens 2
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Graciliano Ramos de Oliveira (Quebrangulo, 27 de outubro de 1892 – Rio de Janeiro, 20 de março de 1953) foi um romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista brasileiro do século XX, mais conhecido por sua obra Vidas Secas (1938).
Em setembro de 1915, motivado pela morte dos irmãos Otacília, Leonor e Clodoaldo e do sobrinho Heleno, vitimados pela epidemia de peste bubônica, volta para o Nordeste, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casou-se com Maria Augusta de Barros, que morreu em 1920, deixando-lhe quatro filhos.
Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Apoiado pelo governador do estado e impulsionado por ser um nome de fora da política, foi eleito em um pleito de uma candidatura só. Ficou no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Segundo uma das autodescrições, "Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas." Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Frederico Schmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).
Entre 1930 e 1936. viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial, professor e diretor da Instrução Pública do estado. Em 1934, havia publicado São Bernardo, e quando se preparava para publicar o próximo livro, foi preso após a Intentona Comunista de 1935. Foi levado para o Rio de Janeiro e ficou preso por onze meses, sendo liberado sem ter sido acusado de nada ou julgado. Em Memórias do Cárcere recorda a prisão que sofrera seis anos antes.



O Brasil Nação - V2: § 90 – Por Fim (4) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


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Sofre o peso mortífero dos conservadores, compreende-se a fatalidade que a isto condena as sociedades nacionais; mas não se justifica o fato em face do progresso. Pelo horror ao esforço, ou tendência ao repouso, insiste o homem em apegar-se ao passado, que lhe poupa a fadiga de novas adaptações, e exagera, ainda, o seu valor porque aí se incluem, finalmente, todos os privilégios de classe. E assim se explica o enorme prestígio do passado. Nem por isso se deixou a humanidade fossilizar, incrustando os destinos nas estratificações mortas das eras, como querem os irremovíveis conservadores. Se há patente superioridade nos povos que compõem as civilizações atuais, toda ela está em lutarem vantajosamente contra o peso do que já foi, destruindo-o, mesmo, quando ele já é entrave, afastando-o, para não ficarem mortos com ele. Quando o progresso oferece o vapor, abandona-se a nau, pronto a preferir ao paquete o avião, desde que este possa substituí-lo, na plenitude das suas vantagens. O mundo moderno formou-se com o aristocracismo implantado pelos que abateram a idade clássica; mas, quando foi preciso, substituiu-se ao aristocracismo a democracia burguesa, com que se refizeram as sociedades ocidentais para a transformação industrial. Com essa burguesia, na essência dela, o capitalismo, sobra da riqueza industrial, aninhou-se em privilégios, que ameaçam suplantar a mesma civilização pela injustiça, que já se derrama em abjeta tirania. Anuncia-se o remédio: uma política orientada para os que trabalham, e cuja pena permitiu acumular-se riqueza, política onde a capitalização se faça em beneficio da comunidade, não havendo outros direitos além do mesmo trabalho.

Pois não é verdade que a humanidade não pode continuar assim: dividida em espoliados e desfrutadores, trabalhadores e dominantes, toda produção organizada no exclusivo interesse dos que detêm o capital, indiferentemente às legitimas necessidades dos que consomem, sem atender à sorte dos que, de fato, trabalham, subordinando-se a efetiva política econômica aos motivos dos potentados do capital?...

Finalmente, compreendem todos que tais formas sociais não podem perdurar; mas, não há meio de que a indispensável e radical reforma se faça na simples decorrência da política normal, pois os que desfrutam os formidáveis privilégios financeiros e econômicos, servidos pelos que exploram imediatamente o governo, formam o bando que resiste e resistirá ferozmente, e, com ele, é todo o passado mau que se perpetua. Só há um modo de ter razão contra uma tal resistência: a destruição do mesmo passado, para integral substituição da classe dirigente, com a sua total inclusão na grande massa dos que trabalham e produzem.

Em verdade, pode bem não haver destruição material, ou extermínio de gentes; fossilizados e inajustáveis à realidade da vida, ou já em decomposição de mando e riqueza, os dirigentes que aviltam esta pátria estariam irremediavelmente afastados, desde que passássemos pela verdadeira revolução. Que poderia subsistir desses privilegiados desde que se substituíssem os processos políticos, e surgissem, em franca realização, legítimos programas de formação social, com que se corrigissem os costumes institucionais que incorporam, finalmente, a tradicional política? A própria incapacidade os aniquilaria. O que viesse substituí-los valeria como renovação.

Na vida social, nenhum progresso essencial se obtém sem isto, porque toda forma em que o passado se impõe é embaraço explícito ao progresso, e define-se como fórmula de recuo, ou, tanto vale dizer – condenação à morte. No prosseguir dos destinos, a nenhum povo é permitido parar: seria retroceder deixar-se abater. As ondas da vida, cada vez mais impetuosas e precipitadas, ou o levam consigo, ou, fazendo o seu caminho, abalam, derruem, abatem, submergem, e fazem destroços, que serão base de mais vida. Para nós, enquanto ainda pacificamente parados, já nos submergimos num dique de despejos... Há que romper o dique, e que nada subsista da muralha pútrida que o fecha. Tudo que se poupe das formas sociais em uso, fará subsistir a mesma infecção que se nos comunicou nos veios do Estado português-bragantino que herdamos...

Dessa infecção tem de se curar o Brasil, se não aceitar diluir-se em miséria. De fato, um transe que de todo extinguisse a passada experiência política, até da memória das gentes, seria alívio, pois que ela nada contém que mereça ficar em lembrança. Nada que não sejam – dores, torpezas, degradação... E nisto se fechou esta pátria, até o intolerável abafamento de hoje. Ora, não é sem riscos que assim se submerge um povo, até a asfixia em podridão. Antes que expire, agitar-se-á, convulso, em purificante revolução. Em verdade, o Brasil ainda não fez a sua revolução; e, já agora, se houvera lógica nas coisas, seria a radical e desenvolvida renovação, em que surgisse efetivamente outra política, e se regenerasse inteiramente a tradição governante.

Ou esse ânimo, ou esperar covardemente a morte em decomposição, porque nenhuma nação tem sequência de soberania e liberdade sob tais dirigentes. Tédio de saciedade, suco de podridão: nas camadas dominantes, aboliram-se os entusiasmos que retemperaram e desviaram-se e anularam-se as vontades para uma longa obra nacional. E o movimento de regeneração tem de vir de baixo, do próprio povo. Sim: porque dos que vêm governando, e que só discordam da torpeza quando não estão dentro dela, desses, só podem vir levantes interesseiros, mazorcas para agravação de misérias, e onde os sinceros são heroísmos perdidos; levantes que são, de fato, assaltos ao poder, em sede de mando e fome de proventos. Falta-nos a verdadeira revolução conquista do poder por uma classe que nunca o ocupara, em vista impor ao grupo todo um novo padrão de valores... [1]



[1] Blanqui qualifica explicitamente a relação entre a minoria agitante e a massa: “Os desclassificados, exércitos invencíveis do progresso, são o fermento que entumece surdamente. Amanhã, serão a reserva da revolução... (Critique Sociale, t. I, pág. 220).


Para lutar e vencer a estrutura maligna que nos engloba politicamente, só formas absolutamente novas, em energias redentoras. Aliás, é esse o processo necessário, de progresso político e social. Instituições e regimes são formas estruturais, em correspondência de épocas e de necessidades. Passam as épocas, surgem novas condições sociais, e as formas preexistentes se patenteiam impróprias. Impróprias porque estão gastas e viciadas, impróprias, principalmente, porque as novas funções a que têm de servir são, sempre, bem mais complicadas, exigindo, por isso, mais inteligência que robustez, mais maleabilidade do que duração, mais dedicação do que força. Indiferentes ao grande mal, os eternos desfrutadores da injustiça fingem humanidade e liberalismo, a realçar um plano de horrores, na perspectiva da revolução. Contemplemo-los, porém, em ação, e teremos a notação justa do que lhes vale o coração. Uma só conjuntura: a crise de 1870, na França conduzida pelo conservador Thiers, que preferiu que o exército alemão tomasse Paris, para todas as consequentes imposições, a armar a Guarda Nacional, popular, que realizaria a revolução, e quando esta se pronunciou, vencedor, senhor, ele fez fuzilar as centenas de inermes, sem outro crime que o de serem os mais desgraçados, numa pátria levada pelos respectivos dirigentes à debacle e à humilhação. E, tanto era justa aquela Comuna de 1871, que os mesmos dirigentes logo trataram de fazer esquecer a ferocidade da repressão: perdoaram-se todos os condenados, e o povo de Paris nunca deixou de fazer, todos os anos, a sua piedosa romaria ao Muro dos Fuzilados. Voltando-se para os hipócritas que condenaram a ação revolucionária, com todas as suas necessárias violências, Kropotkine tudo justifica, das acusações contra o povo: “Sofrestes como ele?...” Antes do príncipe, irredutível revoltado, já o nosso Felício dos Santos, ao contemplar a sorte da antiga colônia dos Braganças, havia dito: “Quem não desculpará os excessos de alguns, em represália a séculos de sofrimentos?” [2] Em verdade, tudo que possa haver de justamente acusável nos excessos revolucionários tem como responsáveis verdadeiros os autores das longas injustiças sociais, e que, senhores dos destinos de um povo, tudo fazem para conservá-lo jungido e espoliado. Chega a ser de mau gosto, ou declarada estupidez, criticar e condenar cominatoriamente os detalhes de uma legítima revolução, tão indispensável à salvação da justiça, como difícil de realizar dentro da mesma absoluta justiça. Não há, na história, maior dificuldade.


[2] Op. cit., pág. 220.



continua pág 326...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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