Machado de Assis
Conto
PONTO DE VISTA
Capítulo IV
À MESMA
Corte, 30 de outubro
Muito velhaca é você. Então porque lhe falei duas ou três vezes no rapaz, imagina logo que estou apaixonada por ele? Papai nestes casos costuma dizer que é falta da lógica. Eu digo que é falta de amizade.
E provo.
Pois se eu tivesse algum namoro, afeição ou coisa assim, a quem diria em
primeiro lugar senão a você? Não fomos durante tanto tempo confidentes
uma da outra? Supor-me tão reservada é não me ter amizade nenhuma,
porque a falta de afeição é que traz a injustiça.
Não, Luísa, eu nada sinto por esse moço, a quem conheço de poucos dias.
Falei nele algumas vezes por comparação com o pai; se eu estivesse
disposta a casar-me, certamente que preferia o moço ao velho. Mas é só
isto e nada mais.
Nem imagine que o Dr. Alberto (é o nome dele) vale muito; é bonito e
elegante, mas tem ar pretensioso e parece-me um espírito curto. Você
sabe como eu sou exigente nesses assuntos. Se eu não achar marido
como imagino, fico solteira toda a minha vida. Antes isso, que ficar presa
a um cepo, ainda que esbelto.
Também não basta ter os predicados que eu imagino para me seduzir
logo. Anda agora aqui em casa um sujeito que nos foi apresentado há
pouco tempo; qualquer outra moça ficava presa pelas maneiras dele; a
mim não me faz a menor impressão.
E por quê?
A razão é simples; toda a graça que ele ostenta, toda a afeição que
simula, todos os cortejos que me faz, quer saber o que é, Luísa? é que eu
sou rica. Descanse; quando me aparecer aquele que o céu me destina,
você será a primeira a ter notícia. Por ora estou livre, como as andorinhas
que estão agora a passear na chácara.
E para vingar-me da calúnia, não escrevo mais. Adeus.
RAQUEL
continua na página 93...
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Leia também:
Histórias da Meia-Noite: Ponto de vista (IV)
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Advertência
Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor. Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
10 de novembro de 1873.
M.A.
Texto-fonte:
Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente por Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1873
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