Machado de Assis
Conto
PONTO DE VISTA
Capítulo VII
À MESMA
Corte, 20 de dezembro
Tem razão; pareço ingrata. Há quase um mês que lhe não escrevo, apesar de ter recebido já duas cartas. Seria longo explicar esta demora, e eu infelizmente não tenho tempo para tanto, porque estão aqui, alguns dias, as primas Alvarengas.
Com que então, você confessa que apenas me quis experimentar? Eu logo
vi que ninguém lhe poderia dizer semelhante coisa a respeito do Dr.
Alberto.
O casamento da Mariquinhas está marcado para véspera de Reis. Iremos
assistir ao sacrifício. Desculpe-me, Luísa; bem sabe como sou sarcástica,
e às vezes... Desculpe-me, sim?
E todavia, quer saber uma coisa? Mudei de opinião a certo respeito. Hoje
penso que antes o pai que o filho. Que espírito frívolo! que sujeito
superficial e tolo é o tal Alberto! O pai é grave e sabe ser amável; e é
amável sem deixar de ser grave. Tem uma distinção própria, uma
conversa animada, é engenhoso e sagaz.
Mil vezes o velho... para ela.
Pergunta-me o que farei eu no caso de nunca encontrar o ideal que
procuro? Já lhe disse: nesse caso fico solteira. O casamento é uma grande
coisa, é a flor dos estados, concordo; mas é mister que não seja um
cativeiro, e cativeiro é tudo o que não realiza as nossas aspirações
íntimas.
Agradeço os seus conselhos, mas quer que lhe diga? Você fala como
quem é feliz; parece-lhe que o casamento, quaisquer que sejam as
condições, é um antegosto do paraíso.
Creio que nem sempre há de ser assim.
Verdade é que, dependendo as coisas das impressões de cada um, a
Mariquinhas pode ser feliz, visto que o marido que escolheu parece falar
lhe ao coração. Não o nego; mas, nesse caso, continuo a lastimá-la,
porque (repito) não compreendo a união de uma flor com uma carapuça.
E não escrevo mais por não dizer mal dela. Perdoe-me você estas tolices,
e creia que sou amiga, agora e sempre.
RAQUEL
continua na página 95...
Advertência
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Leia também:
Histórias da Meia-Noite: Ponto de vista (VII)
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Advertência
Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor. Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo.
10 de novembro de 1873.
M.A.
Texto-fonte:
Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente por Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1873
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