terça-feira, 3 de setembro de 2024

Dostoiévski - O Idiota: Segunda Parte (2b) - Não estou rindo

O Idiota


Fiódor Dostoiévski

Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira

Segunda Parte

2.

continuando...


- Não estou rindo: mas, a meu ver, de fato você não está lá muito com a razão - respondeu o príncipe, a contragosto.

- Diga então de uma vez que eu não estou com razão absolutamente. Não venha com panos quentes. Que é que quer dizer com esse “lá muito”?

- Posso ser mais explícito: ambos não estão com a razão. 

- Mais explícito? Que absurdo! O senhor acha que eu não sei que a minha decisão nisso não pode valer? Que o dinheiro é dele, que é a ele que compete decidir, e que o que estou exigindo é um ato de violência da minha parte? Mas o senhor não sabe nada da vida, príncipe. Não há vantagem alguma em poupar homens como este aqui de uma liçãozinha. Eles precisam de uma lição. A minha consciência é clara. Eu tenho consciência, logo não lhe advirá nada de mau; eu lhe pagarei com juros. Além disso já lhe dei uma satisfação moral, também; ele assistiu à minha humilhação. Que é que ele quer mais? Que lucra ele em não ajudar a gente? Preste bem atenção nele! Pergunte-lhe como é que ele trata os outros! E como se aproveita das pessoas! Pergunte-lhe de que maneira foi que comprou esta casa! Aposto, seja o que for, como ele já enganou o senhor antes e que já está tratando de enganá-lo outra vez. O senhor ri. Não acredita, então? 

- É que me parece que tudo isso não tem nada que ver com o seu caso - observou o príncipe. 

- Estou aqui há três dias e quanta coisa não vi eu! - exclamou o rapazola. - O senhor até nem vai acreditar! Ele desconfia deste anjo, desta rapariguinha órfã aqui, minha prima e sua filha; e todas as noites dá busca no quarto dela à procura de amantes! Aparece aqui, pé ante pé, e espia até debaixo do sofá. A maluqueira dele deu para desconfiar. Vê gatunos em todos os cantos. De noite está sempre se levantando, experimentando as janelas, a ver se estão bem fechadas, revistando as portas, espiando dentro do forno; e isso mais de doze vezes por noite. Vai ao tribunal defender gatunos, mas se levanta três vezes por noite para vir rezar de joelhos, aqui na sala de visitas, as suas orações; e chega até a encostar a cabeça no assoalho, mais de meia hora, às vezes. E o que ele reza por todo o mundo, que piedosas lamentações, quando está bêbado! Imagine que tem rezado até pelo descanso eterno da alma da condessa Du Barry! Eu ouvi, com estes ouvidos. E Kólia também ouviu. Está doido varrido!

- Está vendo, está ouvindo como ele caçoa de mim, príncipe? – interveio Liébediev envergonhado e zangado deveras. - Ele não compreende que, por mais bêbado, degradado e trapaceiro que eu possa ser, a minha única boa ação na vida foi, quando esta víbora arreganhada era bebê ainda, eu lhe mudar as fraldinhas. Dava-lhe banho, e ficava de pé noites seguidas ao lado de minha irmã Anísia, que enviuvara e que não tinha vintém, tão pobre eu quanto ela. Atendia-os quando ficavam doentes, roubava, para aquecê-los, sim, roubava lenha da porteira, lá embaixo, cantarolava e dava estalinhos com os dedos em uma bola assoprada! E eis para que serviu eu ter sido ama dele! Para isso, para estar acolá, rindo de mim, agora! Que é que você tem com isso se uma vez fiz o sinal-da-cruz pela alma da Condessa Du Barry? Três dias antes acontecera eu ler, em um dicionário, a vida dela, que eu desconhecia. Sabe quem foi ela, a Du Barry? Vamos, diga, sabe? Sabe nada! 

- Ora, naturalmente quem sabe é o senhor só - balbuciou o rapazola com desdém, embora a contragosto.

- Pois saiba que foi uma condessa que, da mais baixa e vergonhosa condição, se ergueu a uma situação quase de rainha, e a quem uma grande imperatriz escreveu com a sua própria letra: “Querida prima”. E um cardeal, um legado do papa, em uma levée du roi (sabe você que era uma levée du roi?) se ofereceu para lhe calçar as pernas nuas com meias de seda, e considerou isso uma honra ele que era um alto personagem sacro? Sabia disso? A sua cara mostra que não. Ora bem, e como foi que ela morreu? Vamos, responda, se é que sabe!

- Vá para o diabo, não me amole!

- Morreu do seguinte modo: depois de ter tido tantas honrarias, o carrasco Samson arrastou essa grande dama, que não tinha culpa, que era inocente, até à guilhotina, para diversão dos poissardes parisienses; e tamanho foi o terror dela que nem se deu conta do que lhe estava acontecendo. Viu que ele lhe dobrava o pescoço debaixo da lâmina e lhe dava pontapés, enquanto a ralé ria! E então lhe suplicou gritando: “Encore un moment, monsieur le bourreau, encore un moment!”, palavras que significam: “Ainda um minuto, senhor carrasco, um minutinho só!” Talvez só por causa dessa sua imploração Deus a tenha perdoado: pois ninguém pode imaginar maior miséria para uma alma humana do que essa. Você entende o sentido da palavra miséria? Pois bem, miséria era aquilo! Quando eu li esse caso da condessa rogando “só um minuto mais!” senti meu coração como que apertado entre duas tenazes. E que tem um verme como você que ver com isso, se eu, antes de me deitar, acho que deva mencionar em minhas orações essa mulher pecadora? E talvez a razão por que a mencionei tenha sido que desde o começo do mundo, provavelmente, ninguém se benzeu em sua intenção e nem mesmo pensou em fazê-lo. E lhe há de ter feito bem sentir no outro mundo que existe um pecador que ao menos pronunciou uma oração por ela aqui na terra. Por que é que você está rindo? Acha que não, hein seu ateu? Como é que você sabe? E, se você disse que me escutou, mentiu. Eu não rezei pela Condessa Du Barry, apenas; na minha oração, eu disse assim: “Senhor, dai descanso perpétuo à alma dessa grande pecadora, que foi a Condessa Du Barry e a todos os mais com ela parecidos!” E o caso, portanto, é muito diferente, pois há muitas dessas mulheres pecaminosas, exemplos da mutabilidade da fortuna, que sofreram muito, e que lá estão ainda se debatendo nas trevas, lamentando-se e esperando. E rezei, depois. por você e por quantos são como você, insolentes e atrevidos, visto você se perturbar ao ouvir minhas orações... 

- Chega, cale a boca! Vá rezando por quem quiser, dane-se: pare com esse berreiro! - interrompeu-o o sobrinho, zangado. -O homem deu para ler, que se há de fazer? O senhor não sabia, príncipe? Não? - acrescentou com arreganho grosseiro. - Ele só lê livros e histórias dessas! 

- É que seu tio não é homem sem coração, convenhamos - observou o príncipe, embora com certa relutância, pois estava começando a sentir grande aversão pelo rapazola. 

- Se o senhor começa a elogiá-lo desse modo, ele acaba inchando. Olhe só, ele está lambendo os beiços, botou a mão sobre o coração e já está de boca cheia. Vá lá que tenha coração; mas é velhaco, e isso é que atrapalha; e, ainda por cima, é bêbado. Está todo esbandalhado como acontece c om quem leva a beber uma série de anos; é por isso que tudo lhe sai arrevesadamente. Gosta dos filhos, não nego; respeitava minha defunta tia... e até gosta de mim a ponto de no seu testamento me deixar uma doação... 

- Não deixarei nada! - berrou Liébediev, furiosamente. 

- Escute, Liébediev falou o príncipe, de modo firme dando as costas para o rapazola. 

- Sei, por experiência, que você, quando quer, pode ser um homem metódico, se lhe convém... Disponho de muito pouco tempo, hoje... e se você... Perdão, qual é o seu nome próprio? Não me lembro. - Ti... Ti... Timoféi. - Mais?

- Lukiánovitch.

     Foi uma risada geral.

- Mentira! - gritou o sobrinho. - Até dizendo o nome ele mente! Ele não sechama Timoféi Lukiánovítch, príncipe, e sim Lukián Timoféitch. Mas como é que o senhor prega uma mentira dessas? Pois não é tão fácil dizer Lukián em vez de Timoféi? E que importância tem isso para o príncipe? Ele mente, mas é por vício, garanto-lhe eu.

- Mas afinal como é? - perguntou o príncipe, impacientemente.

 - O direito, realmente, é Lukián Timoféitch - admitiu Liébediev, nas raias da confusão, abaixando os olhos humildemente e tornando a colocar a mão sobre o peito.

- Mas não entendo por que você disse então errado. 

- Para me humilhar - sussurrou Liébediev, abaixando a cabeça ainda mais e fingindo maior humildade. 

- Ora, mas que asneira! Eu só queria mais era saber onde anda Kólia - disse o príncipe, virando-se para ir embora.

- Eu lhe direi onde está Kólia.

     E o rapazola se adiantou. - Não, não, não! 
     Liébediev se esquentou, muito excitado. - Kólia dormiu aqui e saiu de manhã para ir procurar o pai, a quem o senhor, príncipe, tirou da cadeia. Deus sabe por que. pagando-lhe as dívidas. O general, ontem, prometeu vir dormir aqui, mas não veio. Com certeza dormiu no Hotel da Balança, aqui ao lado. Kólia provavelmente está lá, ou em Pávlovsk, em casa dos Epantchín. Como tinha dinheiro, desde ontem andou falando em ir lá. De maneira que ou está no Hotel da Balança, ou em Pávlovsk. - Foi a Pávlovsk... a Pávlovsk!... Vamos por aqui, por este caminho até ao jardim. Mandarei vir café! 
     E segurando a mão do príncipe, Liébediev levou-o para fora. Deixando a sala, atravessaram o pequeno pátio e passaram por uma cancela. Havia ali um jardim pequenino mas encantador, e onde, por causa da estação do ano, tão bela, todas as árvores já estavam com folhas. Liébediev fez o príncipe sentar-se em um banco de madeira pintado de verde e preto, junto a uma mesa da mesma cor e plantada no chão, e se sentou diante dele. Um minuto depois, trouxeram café, que o príncipe não recusou. Liébediev ficou a olhá-lo bem no rosto, de modo obsequiador e ao mesmo tempo ardente. 

- Eu ignorava que você tinha este estabelecimento - disse o príncipe, com um ar de quem está pensando em coisa muito diferente. 

- E dos... órfãos... - fez Liébediev, remexendo-se; calou logo.

     O príncipe, que sem dúvida já nem se lembrava da observação que acabara de fazer, olhava em frente, com ar distante. Um minuto se passou. Liébediev vigiava-o e esperava.

- E então? - disse o príncipe. como quem acorda. - Sim. você sabe muito bem qual é o nosso negócio. Vim, em resposta à sua carta. Fale. 

     Liébediev ficou confuso, tentou dizer qualquer coisa, mas gaguejou, e as palavras não lhe vieram. O príncipe esperava e sorria melancolicamente.

- Acho que o compreendo perfeitamente, Lukián Tímoféítch. Você absolutamente não me esperava e pensou que eu não viria de tão longe logo à sua primeira carta; e a escreveu apenas para limpar a sua consciência. Mas eu vim. Vamos, desista, não me decepcione! Desista de servir a dois senhores. Rogójin esteve aqui há três semanas. Eu sei de tudo. Conseguiu você vende-la outra vez, como já o fizera antes? Fale a verdade.

- O monstro achou-a sozinho.., sozinho.

- Cuidado com ele. Naturalmente que tratou você mal... 

- Espancou-me. Espancou-me miseravelmente - interrompeu-o Liébediev, com tremenda veemência. - Soltou o seu cachorro atrás de mim, em Moscou! E como correu atrás de mim pela rua afora! Uma cadela de caça, um animal pavoroso! 

- Você acha que eu sou alguma criança, Liébediev? Diga-me, seriamente: ela, em Moscou, o deixou? Quando? Agora?

- Seriamente, seriamente, escapuliu-lhe no dia mesmo em que iam casar. Ele estava a contar os minutos, enquanto ela fugiu aqui para Petersburgo, diretamente vindo me procurar. “Salve-me, proteja me e não diga nada ao príncipe, Lukián...” Ela tem mais medo do senhor do que do outro, príncipe. Que coisa misteriosa, não acha?

     E Liébediev, astutamente, pôs o dedo na testa.

- E você vai e os ajunta de novo, não foi?

- Ilustríssímo príncipe, como poderia eu... como poderia eu evitar isso?

- Bem, agora, chega. Eu descobrirei sozinho. Diga só onde está ela agora. Está com ele?

- Oh! Não, absolutamente não! Está sozinha. “Eu sou livre”. disse ela. E o senhor sabe, príncipe, quanto ela insiste neste ponto. “Eu ainda sou perfeitamente livre”; diz ela. Está morando ainda em casa de minha cunhada, conforme lhe disse na carta.

- Estará lá agora?

- Sim, a não ser que esteja em Pávlovsk, com um tempo tão bonito como este, na vila de Dária Aleksiéievna. “Ainda sou perfeitamente livre”, diz ela. Ainda ontem gabava a sua liberdade falando com Nikolái Ardaliónovitch. Um mau sinal! 

     E Liébediev arreganhou os dentes. 

- Kólia costuma vê-la frequentemente? 

- É um desmiolado, um sujeito sem critério. Não sabe guardar um segredo.

- Você tem estado lá? 

- Todos os dias. Todos os dias.  

- Então, esteve lá ontem?

- Não. Estive há três dias.

- É uma lástima que você tenha dado para beber, Liébediev. Do contrário eu poderia lhe ter feito já uma pergunta.

- Não, não, não. Nem um pouco. 

     E Liébediev positivamente aguçou as orelhas. 

- Diga-me, como foi que você a deixou? Em que estado? 

- Procurando... 

- Procurando?

- Deixei-a como se estivesse a procurar, sempre, uma coisa. Como se tivesse perdido qualquer coisa. Atormenta-a a ideia do casamento e o considera um insulto. Pensa nele menos do que em uma casca de laranja. Ou melhor, tem de pensar a toda hora, pois só a lembrança dele lhe causa medo e a faz tremer. Não lhe quer nem ouvir o nome, e não se encontram, sempre que isso possa ser evitado... E ele acha que tudo vai bem. E não há saída, para isso. Ela vive agitada, sarcástica, violenta, não para de falar...

- Violenta? Não para de falar? 

- Violenta, sim. Ainda no outro dia, por causa de uma conversa, quase me arrancou os cabelos. Estava eu tentando trazê-la para a intimidade do Apocalipse.

- Como? - perguntou o príncipe pensando que escutara errado. 

- Lendo-lhe o Apocalipse. Ela é uma criatura de imaginação infatigável. Eh! Eh! Não tardei em notar também sua grande inclinação para os assuntos elevados, mesmo os de difícil alcance. Ela aprecia conversas deste teor e as toma como sinal de grande apreço. Ora, eu tenho muito jeito para interpretar o Apocalipse. Há mais de quinze anos que o venho interpretando. Ela acabou concordando comigo que nós estamos vivendo na era do terceiro ginete, o ginete negro, e do cavaleiro que traz na mão uma balança, já que na presente era tudo é pesado nos pratos das balanças e ajustado por contratos, toda gente outra coisa não fazendo senão pensar nos seus direitos... “Uma medida de trigo por um dinheiro e tres medidas de cevada por um dinheiro”. E também pensam em conservar o espírito livre, o coração puro e o corpo incólume e todas as subsequentes dádivas de Deus. Ora, claro está que se eles se fundamentam apenas no direito não farão jus a tais dádivas, razão pela qual sobrevirá o ginete amarelo e aquele cujo nome é Morte. após o que virá o inferno... Quando estamos juntos conversamos sobre estas coisas... E isto atua favoravelmente sobre ela. 

- E você acredita nessas tais coisas? - perguntou o príncipe esquadrinhando Liébediev com uma expressão estranha.

- Não somente acredito como as explico. Despojado de tudo, e de tudo carecendo, outra coisa não sendo aqui embaixo senão um miserável átomo no vórtice da circulação humana, natural é que ninguém me respeite e que eu não passe de um joguete para o capricho alheio, sendo apenas pontapés a vantagem que de tudo isso me resulta. Mas no meu pendor para interpretar a Revelação, sou igual aos mais adiantados que possam existir no orbe, pois jeito não me falta. Já de uma feita um grande senhor tremeu diante de mim, sentado na sua poltrona, ao verificar de súbito este meu extraordinário dom. O caso foi que Sua Excelência Ilustríssima Nil Aleksiéicvitch me mandou buscar, no ano retrasado, um pouco antes da Páscoa - eu servia no apartamento dele - e ordenou a Piótr Zakhántch que me levasse do escritório à sala onde ele estava. E ficando então nós sozinhos, me diz ele assim: “É verdade que expões o Anticristo?” Não fiz segredo. “Dizem”, respondi. E expliquei e interpretei. E, em vez de lhe abrandar o terror, aumentei-lhe, intencionalmente, à medida que ia desdobrando a alegoria e inserindo as datas. Ele se pôs a rir, mas por fim deu em tremer ante as correlações, intimando-me a fechar o livro e a ir embora. Deume um presente, na Páscoa, mas, uma semana depois, rendia a alma ao Criador.

- Como assim, Liébediev?

- Muito simples. Foi atirado da sua carruagem, depois do jantar... bateu com a cabeça de encontro a um poste e ali mesmo imediatamente morreu, como uma criança, uma criancinha. Vivera setenta e três anos. Tinha uma cara vermelha, cabelos grisalhos. andava a bem dizer encharcado em perfumes e estava sempre a rir - ria como uma criança. E então Piótr Zakháritch se recordou e me disse: “Você bem que previu.”

     O príncipe fez menção de se levantar. Liébediev ficou admirado e realmente se espantou de Míchkin se estar preparando para ir embora. Tanto que observou, de modo obsequioso: 

- O senhor agora já não toma muito interesse pelas coisas. Eh Eh! 

- É que não estou me sentindo lá muito bem. Tenho a cabeça pesada, por causa da viagem com certeza - respondeu o príncipe de cara fechada.

- O senhor devia ir para fora da cidade - aventurou Liébediev, timidamente.

     Já em pé, o príncipe parecia refletir.

- Dentro de três dias saio com toda a minha família, por causa do meu recém nascido e para dar uns últimos arranjos nesta casa aqui. Vamos, também nós, para Pávlovsk – disse Liébediev.

- Vocês também vão para Pávlovsk? - perguntou o príncipe, repentinamente. - Por que é que todo o mundo aqui está indo para Pávlovsk? Você tem lá uma vila, dizia você?

- Não é todo o mundo que está indo para Pávlovsk. Iván Petróvitch Ptítsin deixou me ir para uma das vilas que adquiriu lá, baratinho. Lá é bonito, bem situado, há vegetação, em redor, tudo ébem barato, as pessoas são de bom tom e a atmosfera é musical - eis por que todo o mundo vai para Pávlovsk. Mas eu morarei em um pavilhão, pois a vila propriamente dita, eu...

 - Vai alugá-la?

- Não. Não é bem isso.

- Alugue-a - propôs-lhe logo o príncipe. 

     Não fora para outra coisa que Liébediev estivera trabalhando. Essa ideia lhe ocorrera três minutos antes. Não precisava de inquilino pois já tinha encontrado alguém que lhe dissera que talvez tomasse a vila. E Liébediev estava mais do que certo que nem era questão de “talvez”, que essa pessoa na certa alugaria a casa. Mas agora lhe vinha essa outra ideia, que já o entusiasmava por causa das vantagens: alugar a casa ao príncipe, mesmo porque o outro pretendente não dera uma decisão categórica. Mera coincidência. mas que dá uma feição nova ao negócio”. eis o que se levantou na imaginação dele, imediatamente. Recebeu a proposta do príncipe. com júbilo, e à imediata pergunta dele quanto ao preço simplesmente agitou as mãos.

- O senhor é quem manda. Trataremos disso já. O senhor não será prejudicado.

     Estavam ambos saindo do jardim.

- E talvez eu lhe pudesse... eu lhe pudesse dizer uma coisa que lhe deva interessar, caso o senhor queira, mui altamente honrado príncipe, e referente quase que ao mesmo assunto - balbuciou Liébediev, bamboleando-se alegremente ao redor do príncipe.

- Dária Aleksiéievna tem uma vila em Pávlovsk, também. 

 - E daí?!

- E uma certa pessoa, que é amiga dela, evidentemente pretende visitá-la frequentemente lá, com uma certa finalidade... 

- Quem? 

- Agláia Ivánovna...

- Arre, basta, Liébediev! - interrompeu-o o príncipe, demonstrando uma desagradável sensação, como se tivesse sido tocado em um ponto sensível. - Que tenho eu de ver com isso?... Gostaria mais que você me dissesse quando se muda. Quanto mais cedo melhor para mim, pois estou em um hotel... E enquanto assim falavam, deixaram o jardim e, sem irem para a casa, atravessaram o pátio e chegaram ao portão.

 - Ora, muito bem, dá tudo muito certo! - entusiasmou-se Liébediev. - Venha diretamente hoje, do hotel para a minha casa, e depois de amanhã nos mudaremos todos juntos para Pávlovsk.

- Vou pensar - respondeu o príncipe, saindo pelo portão e parecendo concentrar-se. 

     Liébediev ficou a olhá-lo. Impressionou-o o ar distraído do príncipe que até se esquecera de se despedir, ao ir embora. Nem sequer um gesto fizera, o que não estava de acordo com o que Liébediev conhecia da sua educação e delicadeza.


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