segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LXXXI - [Em Maio]

Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA


O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos


DISPERSAS 

[EM MAIO] 
(27 mai., 1890) 

Em maio, que é mês das flores, 
É até bem natural 
Que do lar entre os amores 
Esteja em festas um natal.

E quem não possui rosas 
Nem lírios na ocasião 
Mande as flores carinhosas 
Que brotam no coração. 


ARTE

Como eu vibro este verso, esgrimo e torço, 
Tu, Artista sereno, esgrime e torce; 
Emprega apenas um pequeno esforço 
Mas sem que a Estrofe a pura ideia force.

Para que surja claramente o verso, 
Livre organismo que palpita e vibra, 
É mister um sistema altivo e terso 
De nervos, sangue e músculos, e fibra.

Que o verso parta e gire – como a flecha 
Que d’alto do ar, aves, além, derruba; 
E como os leões, ruja feroz na brecha 
Da Estrofe, alvoroçando a cauda e a juba.

Para que tenhas toda a envergadura 
De asa e o teu verso, de ampla cimitarra 
Turca, apresente a lâmina segura, 
Poeta, é mister, como os leões, ter garra.

Essa bravura atlética e leonina 
Só podem ter artistas deslumbrados 
Que souberam sorver pela retina 
A luz eterna dos glorificados.

Busca palavras límpidas e castas, 
Novas e raras, de clarões radiosos, 
Dentre as ondas mais pródigas, mais vastas 
Dos sentimentos mais maravilhosos.

Busca também palavras velhas, busca, 
Limpa-as, dá-lhes o brilho necessário 
E então verás que cada qual corusca 
Com dobrado fulgor extraordinário. 

Que as frases velhas são como as espadas 
Cheias de nódoa, de ferrugem, velhas 
Mas que assim mesmo estando enferrujadas 
Tu, grande Artista, as brunes e as espelhas.

Faz dos teus pensamentos argonautas 
Rasgando as largas amplidões marinhas, 
Soprando, à lua, peregrinas flautas, 
Louros pagãos sob o dossel das vinhas.

Assim, pois, saberás tudo o que sabe 
Quem anda por alturas mais serenas 
E aprenderás então como é que cabe 
A Natureza numa estrofe apenas.

Assim terás o culto pela Forma, 
Culto que prende os belos gregos da Arte 
E levarás no teu ginete a norma 
Dessa transformação, por toda a parte.

Enche de estranhas vibrações sonoras 
A tua Estrofe, majestosamente... 
Põe nela todo o incêndio das auroras 
Para torná-la emocional e ardente.

Derrama luz e cânticos e poemas 
No verso e torna-o musical e doce 
Como se o coração, nessas supremas 
Estrofes, puro e diluído fosse.

Que as águias nobres do teu verso esvoacem 
Alto, no Azul, por entre os sóis e as galas, 
Cantem sonoras e cantando passem 
Dos Anjos brancos através das alas...

E canta o amor, o sol, o mar e as rosas, 
E da mulher a graça diamantina 
E das altas colheitas luminosas 
A lua, Juno branca e peregrina. 

Vibra toda essa luz que do ar transborda 
Toda essa luz nos versos vai vibrando 
E na harpa do teu Sonho, corda a corda, 
Deixa que as Ilusões passem cantando.

Na alma do artista, alma que trina e arrulha 
Que adora e anseia, que deseja e que ama 
Gera-se muita vez uma fagulha 
Que se transforma numa grande chama.

Faz estrofes assim! E após na chama 
Do amor, de fecundá-las e acendê-las, 
Derrama em cima lágrimas, derrama, 
Como as eflorescências das Estrelas... 

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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799
Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898
                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)
                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.
                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1

"A gente só tem saída na poesia."

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