sexta-feira, 22 de novembro de 2024

João Ubaldo Ribeiro - Política: Partidos políticos

QUEM Manda, POR QUE Manda, COMO Manda 


João Ubaldo Ribeiro 


Para meu amigo Glauber


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Partidos políticos


     No capítulo anterior, falou-se muito em partidos políticos, embora ainda não tenhamos tido a oportunidade de discutir alguma coisa específica a respeito deles. Isto não deve ter feito muita diferença, porque a maior parte das pessoas tem uma ideia razoável do que é um partido político. É claro que sempre houve facções divergentes em todas as sociedades, e é evidente que essas facções tendiam a organizar-se, de uma forma ou de outra, em grupos destinados a promover os interesses de seus membros. Mas os partidos políticos organizados, como os conhecemos hoje, são um fenômeno relativamente recente. Provavelmente sua origem direta se deve ao surgimento dos parlamentares e, em consequência, de grupos de interesse com forte motivação para estruturar-se formalmente. (Daí, dizem, acabou saindo também o binômio esquerda-direita: a oposição se sentava do lado esquerdo e a situação do lado direito da presidência da Assembleia Nacional francesa, reunida logo após a Revolução). Hoje em dia, os partidos têm sua formação e funcionamento regidos, em maior ou menor grau, pelo próprio Estado, constituindo assim, de certa maneira, parte integrante de sua estrutura. 
     Inúmeras são as definições do que seja um partido político. Há aqueles que o conceituam como um grupo cujos membros pretendem agir em concerto na luta competitiva pelo poder político. Partido é também definido como um grupo que formula questões amplas e apresenta candidatos a eleições. Existe ainda a concepção revolucionária, segundo a qual o partido é uma organização disciplinada de revolucionários profissionais voltados para a tomada do poder. Finalmente, a concepção mais moderna define os partidos políticos simplesmente como um grupo de pessoas com um punhado de ideias em comum, que se reúnem para conquistar o poder, seja pela via eleitoral seja pela via revolucionária ou golpista.
     A união faz a força. O partido político é a via natural de ação política (embora longe de ser a única) e, na maior parte dos Estados, o único caminho institucionalizado pelo qual se pode buscar formalmente o acesso ao poder. Nas sociedades democráticas, preserva-se, por definição, a concessão de oportunidades de manifestação e ação a todas as correntes de opinião — ou seja, a manutenção do pluralismo democrático. A aglutinação e a promoção dessas diversas correntes é a função dos partidos políticos. Eles organizam a ação política, dão-lhe estrutura e direcionamento, procurando evitar o desperdício e a irracionalidade das meras ações individuais desconcatenadas.
     Aqui, talvez seja conveniente pensar logo numa situação que devemos ter em mente, mesmo que ela não seja muito precisa e que não a mencionemos com frequência. Trata-se do fato visível de que alguns partidos são o que poderíamos chamar de “reivindicatórios”, outros são “reformistas”, outros são “revolucionários”.
     Esta classificação rudimentar e seguramente incompleta serve para que observemos que, na maior parte dos Estados politicamente estáveis, ou todos os partidos são do tipo reivindicatório (podendo mesmo ser o único tipo permitido), ou quase todos. Isto significa que esses partidos constituem, na verdade, meros antagonistas eventuais dentro das elites dominantes que o Estado representa, embora não de forma simples e mecânica.
     Eles concordam a respeito de pontos básicos (tais como a iniciativa privada, por exemplo), mas discordam quanto a aspectos acessórios, embora às vezes cheguem a provocar crises de alguma gravidade. As discordâncias podem ter uma certa permanência ou podem ser eventuais, mas, de qualquer forma, nunca questionam de fato os fundamentos do regime, razão por que este tipo de partido, que não pretende alterações profundas na sociedade e nas instituições, pode ser chamado de reivindicatório, pois, em última análise, sua atividade é reivindicar.
     Os partidos reformistas estariam a meio caminho entre os reivindicaremos e os revolucionários, porque, ao mesmo tempo que não pretendem alterar as linhas mestras e os fundamentos da sociedade e da economia, defendem certo número de mudanças mais ou menos profundas, em geral destinadas a propiciar a preservação do sistema, através de concessões julgadas necessárias, tanto prática quanto eticamente.
     Por fim, os partidos revolucionários — muitas vezes proibidos pelo Estado — pretendem exatamente o que a designação indica: fazer uma revolução, isto é, operar uma mudança radical na economia, na sociedade, nas instituições. Estes três tipos, digamos, de índole dos partidos devem ser tidos em mente, não para que decoremos mais uma classificação, mas para que possamos manter sempre uma perspectiva adequada em relação à natureza de cada partido político com que venhamos a lidar de alguma forma.
     Assim, por exemplo, a maior parte dos partidos é o que poderíamos classificar de especializada, pois tem como função quase única agregar certos grupos de interesse sob um denominador comum e procurar chegar ao poder. Dos que o apoiam, poucas vezes costumam pedir mais do que os votos. Outros partidos, contudo, exigem mais. No oposto da escala, está o que se chama de partido totalitário, ou seja, um partido que demanda de quem o apoia uma conduta específica, a qual se estende praticamente sobre todos os aspectos da vida, direta ou indiretamente. Este tipo de partido costuma fundar-se sobre uma base ideológica forte e, como a ideologia é uma maneira de ver o mundo, quem está identificado com ele transcende o mero nível de eleitor. Além disso, estes partidos possuem uma visão “totalizante” da sociedade e do mundo, ou seja, não conseguem admitir a diferenciação necessariamente existente numa sociedade. Como vê o mundo como “um só”, considera tudo e todos passíveis de doutrinação; quem não aceita a pregação é considerado inimigo, e não adversário.
     Há também partidos, chamados comumente de diretos, que são partidos “por si mesmos”, isto é, não representam nenhum grupo, estruturado ou semiestruturado, que lhes seja precedente. Ao contrário, um partido que represente um grupo desses (como, por exemplo, um partido que englobe todos os fiéis de uma determinada religião, ou todos os membros de uma entidade trabalhista) será um partido indireto. As classificações, enfim, podem ser muitas e sua utilidade é relativa.
     O relacionamento dos indivíduos com os partidos pode dar-se em vários níveis. Há, em primeiro lugar, os eleitores, ou os simplesmente eleitores, que, na hora das eleições, votam naquele partido, como poderiam, em situação diferente, votar em outro. No nível seguinte, podemos arrolar os simpatizantes de várias categorias. Depois viriam os aderentes, nome costumeiramente dado aos membros de um partido, mas que pode ser estendido aos que, embora não tenham oficializado sua adesão, estão mais vinculados ao partido do que o simples simpatizante. Temos depois, ainda pela ordem de vinculação crescente, membros militantes, funcionários e dirigentes. A organização interna dos partidos varia de país para país, conforme a legislação que os discipline. No Brasil, além de preceitos constitucionais, há uma lei específica regendo a formação e o funcionamento dos partidos, que deve ser consultada pelo interessado.
     Portanto, partido é parte e pressupõe outras partes, outros partidos. O sistema partidário nada mais é do que um conjunto de partidos que interagem e competem entre si pelo mercado político (eleitorado). A ideia de competição é, por conseguinte, condição determinante para a existência de um sistema partidário.
     Sendo assim, um sistema de partido único parece uma contradição em termos. Mas na concepção marxista, o partido é representante dos interesses de classe. Por isso, parecia correto que os regimes socialistas, ao proclamar a “ditadura do proletariado”, adotassem o partido único e construíssem um sistema partidário não-competitivo. A partir daí, regimes totalitários (nazistas e fascistas) adotaram também o partido único como expressão da totalidade do país. O que era “parte” passou a ser o “todo”. Além disso, como vimos, a democracia é encarada com desprezo por estes regimes e, consequentemente, também é desdenhada a formação livre de partidos, considerada sintoma de perigosa fragmentação da sociedade. Em suma, os partidos únicos são produtos de fatores excepcionais como guerras, revoluções, depressões mundiais, lutas pela independência, mantendo-se graças ao uso inescrupuloso dos instrumentos de poder.
     Os sistemas partidários são analisados de acordo com o número de partidos envolvidos na competição e com a dinâmica de funcionamento. Assim, segundo o critério numérico, temos o bipartidarismo e o pluripartidarismo. (Aqui cabe uma observação. O correto seria dizer “bipartidismo” e “pluripartidismo”, porque as palavras derivam-se de “partido” e não de “partidário”. Mas a prática consagrou diferentemente, e até quando um jornalista escreve “bipartidismo”, o editor ou o revisor emendam para “bipartidarismo”.)
     Os sistemas bipartidários são aqueles em que, independentemente do número de partidos existentes, apenas dois têm chances legítimas — e periodicamente realizadas — de governar sozinhos, sem necessidade de recorrer a outros partidos. Portanto, nem todos os sistemas bipartidários têm somente dois partidos. Na Inglaterra, por exemplo, há três partidos com representação parlamentar, mas apenas o Partido Conservador e o Partido Trabalhista têm tido chances reais de chegar ao poder. Possuem sistemas bipartidários a Inglaterra, a Nova Zelândia, os Estados Unidos, entre outros.
     No bipartidarismo o conceito-chave é a alternância no poder. Nos Estados Unidos houve uma longa permanência do Partido Democrata na Presidência da República, entre 1932 e 1952, com Roosevelt e Truman. Mas a ideia de alternância sempre esteve embutida no sistema, pois nesse período muitos membros do Partido Republicano eram eleitos, tanto para os governos estaduais como para o Congresso. Quando se abandona a ideia da alternância, o sistema corre dois riscos sérios: ou um dos partidos desaparece ou o sistema se transforma, de bipartidário, em sistema de partido hegemônico.
     Já os sistemas pluripartidários são aqueles que contam com mais de dois partidos com reais chances de governar. Nesse sistema a competição é muito acirrada, porque o mesmo mercado político (eleitorado) é disputado por um número maior de partidos.
     E também nos sistemas pluripartidários que se observa com mais frequência a ocorrência de instabilidade política. As alianças se fazem de maneira bastante variada, e a indisciplina partidária pode gerar sérias disfunções no sistema. Os sistemas pluripartidários podem ser pouco fragmentados, com um número de partidos relevantes variando entre três e cinco partidos, em média, e uma distância ideológica pequena entre eles. Podem também ser muito fragmentados, com mais de cinco partidos e uma boa distância ideológica entre eles. Quando o sistema é muito fragmentado, nenhum dos partidos se aproxima da maioria absoluta no Parlamento. Possuem sistemas pluripartidários os países escandinavos, a Alemanha, a Itália, o Brasil, a Holanda, Portugal, a Espanha, entre outros.
     Agora, dependendo de sua dinâmica de funcionamento, os sistemas partidários, independentemente do número de partidos em competição, admitem ainda o sistema de partido hegemônico e o sistema de partido predominante, que, à primeira vista, podem ser iguais, mas não são. O sistema de partido hegemônico é aquele em que um único partido pode vencer sempre as eleições, conquistando mais de 70% das cadeiras. Um dos exemplos mais conhecidos é o PRI mexicano, que está no poder desde a Revolução Mexicana e obtém sempre entre 83 e 85% das cadeiras. Os presidentes da República, como já vimos, têm sido escolhidos invariavelmente no seio do PRI, e os outros quatro partidos, somados, não chegam a uma fração de seu contingente, em todos os níveis. Isto se deve a circunstâncias históricas especiais, e é um fenômeno que pode surgir em outros contextos.
     Um outro exemplo é a Arena, no Brasil entre 1965 e 1979, que sempre venceu as eleições (proporcionais e majoritárias), com exceção da eleição para o Senado em 1974 e das eleições no Rio de Janeiro. Por isso, o sistema brasileiro daquele período, embora contasse com dois partidos, não constituía um verdadeiro sistema bipartidário. O sistema não comportava a ideia de alternância no poder; o pretenso bipartidarismo era apenas uma ficção legal.
     O sistema de partido predominante, por sua vez, é o sistema pluripartidário em que, durante um largo período, um mesmo partido conquista no Congresso um número suficiente de cadeiras para governar sozinho. Este sistema é diferente do sistema de partido hegemônico, porque o partido predominante apenas ganha “mais” e “por mais tempo”, não ganha “sempre” e “quase tudo”. A diferença percentual é importante para o funcionamento do sistema. São exemplos de partidos predominantes o Partido Social-Democrata na Noruega até 1965, o Partido do Congresso na Índia, o Partido Liberal-Democrático no Japão, o Partido Colorado no Uruguai.
     Uma das funções básicas dos partidos é, como vimos, a escolha e apresentação de candidatos, fase essencial do processo mais genérico de escolha de governantes. Normalmente, não há candidatos sem vinculação a um partido, embora esta vinculação possa vir a ser de conveniência ou episódica. Os processos mais comuns de escolha de candidatos são o que poderíamos chamar de “reuniões da liderança”, as primárias e as convenções. As reuniões de liderança seriam as realizadas pelos dirigentes e membros mais influentes do partido, para deliberar sobre que candidatos apresentar. Trata-se, naturalmente, de um processo antipático e autoritário, que, por isso mesmo, vem caindo em desuso.
     É claro que, qualquer que seja o método empregado, a articulação dessas lideranças é em geral decisiva, mas mesmo assim procura-se abrir o processo, ao menos formalmente, inclusive para comprometer a massa do partido. O processo mais aberto são as primárias, espécie de eleição no seio do próprio partido, em que, idealmente, todos os seus eleitores participam. A primária, como sabemos, é amplamente empregada nos Estados Unidos, para a escolha de candidatos a deputado, senador, governador e presidente. Se pode ser qualificada de “muito democrática”, a primária apresenta também alguns problemas, inclusive a realização de uma campanha dupla (a interna e a geral) e o acirramento de rivalidades dentro do partido, exatamente porque concorrem dois ou mais correligionários, dentro de um clima muitas vezes hostil e prejudicial ao partido. Além disso, as despesas envolvidas e o extraordinário investimento de tempo e trabalho provocam um certo desencanto com as primárias, das quais há muitos críticos nos Estados Unidos, onde, contudo, não parece que elas estejam fadadas a cair em desuso.
     Finalmente, as convenções são reuniões de delegados das organizações regionais ou locais dos partidos, que, através de debates e votações, selecionam candidatos ou ratificam escolhas prévias. Tanto quanto os outros, este processo padece de inúmeros defeitos, mesmo quando combinado com as primárias, como acontece nos Estados Unidos. Na verdade, para que um indivíduo se torne candidato de um partido, qualquer que seja o cargo pretendido, é necessária, de acordo com as circunstâncias, a combinação de inúmeras manobras e articulações (parte do que chamamos às vezes de politicagem), uma sucessão de atos inquantificável e não classificável — exercício da “arte política”, na falta de melhor termo. Onde os partidos são solidamente estabelecidos e definidos, o trabalho em suas fileiras, os chamados “serviços prestados ao partido”, são muito importantes. Onde isto não ocorre, os fatores são mais diversificados, podendo assumir importância maior do que o partido as figuras de líderes com penetração popular, como acontece muito no Brasil.

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1 Experimente você mesmo fazer uma ou duas classificações de partidos políticos, de acordo com critérios que julgue importantes. 

2 Se você aceita a classificação de reivindicatórios, reformistas e revolucionários (se não aceita, melhore-a), enquadre os partidos brasileiros dentro dela.

3 Algumas pessoas são extremamente a favor da legalização do aborto, outras extremamente contra. Você acha adequada, para enfrentar o problema, a criação de um Partido Pró-Aborto ou de um Partido Anti-Aborto? 

4 Você acha que o Partido dos Trabalhadores é um partido indireto?

5 Com muitos partidos, dificilmente um deles consegue maioria e é muito trabalhoso articular as decisões. Com poucos partidos, não há suficientes veículos para as diversas correntes de opinião. Como você avaliaria estas hipóteses?

6 “O que qualquer partido pretende é conseguir usar o poder de coerção do Estado em benefício daqueles cujos interesses representa.” Explique e comente.

7 “O partido só tem sentido se seu objetivo for chegar ao poder.” Comente. 

continua na página 116...

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João Ubaldo Ribeiro - Política: Partidos políticos

João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) foi romancista, cronista, jornalista, tradutor e professor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras ocupou a cadeira n.º 34. Em 2008 recebeu o Prêmio Camões. Foi um grande disseminador da cultura brasileira, sobretudo a baiana. Entre suas obras que fizeram grande sucesso encontram-se "Sargento Getúlio", "Viva o Povo Brasileiro" e "O Sorriso do Lagarto".
João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, na Bahia, no dia 23 de janeiro de 1941, na casa de seus avós. Era filho dos advogados Manuel Ribeiro e de Maria Filipa Osório Pimentel.
João Ubaldo foi criado até os 11 anos, em Sergipe, onde seu pai trabalhava como professor e político. Fez seus primeiros estudos em Aracaju, no Instituto Ipiranga.
Em 1951 ingressou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Em 1955 mudou-se para Salvador, e ingressou no Colégio da Bahia. Estudou francês e latim.

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© 1998 by João Ubaldo Ribeiro
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Regina Marques, Leila Name, Michelle Chao, Sofia Sousa, e Silva Marcio Araujo
Revisão
Angela Nogueira Pessôa
CIP-Brasil.
Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
R369p
Ribeiro, João Ubaldo 3 ed. Política; quem manda, por que manda, como manda / João Ubaldo Ribeiro. — 3.ed.rev. por Lucia Hippolito. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
Apêndice
1. Ciência política. I. Título
CDD 320
CDU 32

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