XXX (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
o pecado só é
pecado quando você come a tentação
baitasar
Os dias e as noites desembarcavam e marchavam para avante, como soldados
que recebem ordens para saírem das trincheiras e avançar, fuzil na mão, balas
zumbindo, procurando um inimigo para rasgar, fazer sangrar. O chão encharcado
do sangue como vestidura fúnebre, jovens zumbis desfeitos por armadilhas para separar o pé da perna, a
perna do joelho, o joelho do quadril, o quadril da vida. Gritando por suas
mães, tão longe, tão tristes, tão orgulhosas.
Essa vida de soldado pode ser boa em tempo sem guerra. Empacados no
quartel, limpando o fuzil, brilhando as botas, cabelo cortado rente, a fila do
rancho, mas quando o corneteiro toca avançar é bom saber quem está ao seu lado,
se morrer você morre, se viver você vive.
A minha guerrilha de trincheiras seguia em trégua, nenhuma resposta para minha contraproposta de oferecimento deles. Tentava mentir para
mim mesma que essa esperação não me importava, mas não conseguia explicar a
queimação na barriga e o acaloramento das virilhas. Mais parecia que estava
querendo mostrar a oferenda para as obras de imaginação do guri e a latência do
seu desespero.
Fechada a porta, a escuridão ficava presa no quarto, uma fresta de luz
escapava pelo ar desocupado entre a porta e o assoalho, avisava a chegada da
visita. Nas noites com escuridão esperava com os olhos estrelados na fresta uma
anunciação que não se apresentava. O guri manobreiro era um segredo que não se
manifestava, mas que me queria e iria pagar. Por enquanto, continuava esperando
com meu instinto de morcego. O meu mundo se encantava e o silêncio ficava
quebrado, a minha voz tinha voz, até que o sono me chegava sem avisos
— Preta... — me fiz surda
— Preta. — me fiz desentendida
— Porra, Preta! — me fiz acordada
— O que o guri quer?
— Examinar se o preço vai valer o cobrado. — quando o assunto chegou por
esta clarividência, já estava sentada em cima da tal mina de ouro. Nenhum
bandoleiro ranhoso haveria de roubar minha donzelice
— Examinar o quê? — pergunta de idiotice, mas necessária para ganhar
algum tempo e pensamento de vantagem
— As virilhas da índia, saber do cheiro e do gosto. — pensei em mandar
que fosse cheirar as leiteiras e lamber sabão, mas calculei que seria
provocação de inutilidade
— O patrãozinho pode ser o
dono das vacas, não das minhas virilhas. — o acaso não viria em auxílio, nem o
miudim que dormia com os irmãos — Filhos-da-puta, foi tudo preparado, me
tiraram o gurizim de estorvo.
— É apenas olhar de vistoria. — esfreguei os olhos para o ataque das
palavras
— Vá dar olhada nas leiteiras e lamber sabão! — decidi que iria cair
atirando, não lhe tinha feito nenhum convite
— Cruz e credo... quanta impertinência. — foi aquela zombaria que me
colocou em alerta, o filho do patrão se achava em segurança
— Não lhe fiz nenhuma proposta de oferecimento. — não podia deixar os
meus olhos com vontade própria, iriam se debulhar em lágrimas
— O que é de um é de todos, como se fosse herança carnal, irmão para
irmão. — não conseguia lembrar nenhuma feitiçaria de enrolamento. Estava
encarcerada na armadilha da domação de uso, o bicho se fingiu desinteressado
— Pois vá acreditando que a mentira é a verdade, assim a mão do guri vai
lhe bastar — quase no arrependimento sussurrei a intenção do dito — hacerse una paja.
— O que você disse? — o peste não havia escutado, queria repetição. Não
medi o meu ódio e joguei gasolina ao fogo
— Vai lhe bastar uma punheta! — a coragem despreparada da juventude
— Índia madraça... atrevida! — tinha mexido no abelheiro, provoquei a
onça com a vara curta e não precisava feitiçaria de adivinhação pra saber que o
bicho se virou na minha direção.
A sina da mulher tinha me alcançado e a espada já estava erguida sobre minha
cabeça, bastava descer o fio sobre meu ventre para abrir-me ao meio. Assim,
iria conhecer minhas entranhas, ver o que um saco carrega quando está vazio de
criança. Ainda tentei aduzir razões e a sensação de medo do abismo das sombras.
Fiz o sinal da cruz antes de recitar um ditado de la Montaña, modificado
para a ocasião de ameaça
— A tentação não é pecado, o pecado só é pecado quando você come a
tentação.
— Que conversa é essa, índia madraça?
— Foi esse o sermão de domingo do padre comunista. — menti
— Esse padre é tão comunista como dizer que tu não é putinha, mas se
paga, tudo bem, ele até reza junto.
A armadilha tinha se fechado
— Não lhe dei o direito... —foi quando senti o peso da insânia daquela
borboleta transformada em lagarta, queimava em meu rosto. As suas mãos não eram
asas, mas ferros em brasa entalhando minhas carnes.
Aquela visitação no meio da noite não queria se contentar com pouco.
Queria ser como um galo na sua bravura com os nus da índia madraça, murmurava
em meus ouvidos
— Ninguém vai saber, e no final das contas, sou teu dono.
Mas de tudo, o mais nojento foi suportar aquele ruído fraco e indistinto
do ar que lhe saia pelo buraco do olho, suspiros da chaleira no fogo... olho do cu.
A espada erguida acima da cabeça desceu e me partiu ao meio, olhei para
baixo e não vi sua lâmina, mas me senti manchada com o meu sangue. Acho que
depois da morte não sentimos mais nada. Eu devo ter morrido e os meus espíritos
morreram comigo
— Preta... — me fiz de surda
— Preta. — me fiz desentendida
— Porra, Preta! — me fiz acordada, sentei na cama esfregando os olhos
— O que o guri quer?
— Chega de mentira e enganação, chegou a hora. — precisava controlar-me,
por pouco um pouco mais, estava amarrada pelos pesadelos e não havia uma saída
fácil. Não queria render-me. Precisava de um anjo.
Dei-lhe um soco nos bagos e recebi um soco na orelha, pelas costas.
Ele não estava sozinho.
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