quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 2)

 Tio Vania


Anton Chekhov






Tio Vania

(Diadia Vania)

Anton Pavlovich Chekhov

Tradução de E. Podgursky



Ato quatro

Quarto Ivan Petrovich : seu quarto e, ao mesmo tempo, seu escritório na fazenda. Ao lado da janela está uma grande mesa, coberta com livros de contabilidade e papéis de todos os tipos; uma mesa, armários e balanças. Outra mesinha - usada pela ASTROV - aparece cheia de instrumentos de desenho e pinturas. Ao lado dele, uma pasta, uma gaiola com uma tarambola e, pendurado na parede, um mapa da África - claro, absolutamente desnecessário para qualquer um dos moradores da casa. Há também um enorme sofá-cama forrado de borracha. À esquerda, uma porta leva às outras salas; à direita, outra se abre para o corredor. Ao lado disso, um polovik . É uma noite de outono. O silêncio reina.




Cena dois


VOINITZKII e ASTROV entram pela porta externa

VOINITZKII. 
-Deixe-me! (Para MARINA e TELEGUIN .) Saia daqui! Deixe-me ficar sozinho, mesmo que por uma hora! Eu não suporto tutela! 

 TELEGUIN. 
-Instantaneamente, Vania. (Ele sai na ponta dos pés.) 

 MARINHO. 
-Assim como os gansos: "Vai, vai, vai ..." (Ele pega a lã e sai.) 

 VOINITZKII. 
-Deixe-me! 

 ASTROV. 
-Com muito prazer. Eu deveria ter saído daqui há muito tempo; mas repito que não partirei até que me devolva o que tirou de mim. 

 VOINITZKII. 
-Não tirei nada de você. 

 ASTROV. 
-Estou falando sério. Não me pare. Eu deveria ter saído há muito tempo. 

 VOINITZKII. 
-Não tirei nada de você. (Ambos se sentam.) 

 ASTROV. 
-Sim? ... Bem, o que você vai fazer? Vou esperar um pouco e depois ... com licença, mas vou ter que usar a força. Vamos amarrá-lo e registrá-lo. Estou falando sério sobre isso. 

 VOINITZKII. 
-Como quiser. (Pausa.) Eu fiz o papel de bobo! Atire duas vezes e erre um único alvo! Eu nunca vou me perdoar! 

 ASTROV. 
-Bom, se você quisesse atirar, teria atirado na própria testa. 

 VOINITZKII. 
-É estranho! ... Já tentei um homicídio e não fui preso nem entregue à justiça ... Quer dizer que me consideram louco. (Com uma risada sarcástica) Estou louco, sim ...; Mas não são, por outro lado, aqueles que, sob a máscara de um professor, de um mago da ciência, escondem a sua falta de talento, as suas tolices e a sua enorme secura de coração! ... velhos para os enganar mais tarde por completo vista do mundo! ... eu vi como você a abraçou! 

 ASTROV. 
-Bem, sim ... eu a abracei ... enquanto você ficou com um palito de nariz! (Ele a provoca com os dedos.) 

 VOINITZKII. 
- (Olhando para a porta.) Não! Aquele que é louco é a terra para te apoiar ainda! 

 ASTROV. 
-Você só diz bobagem. 
 
VOINITZKII. 
"E daí? ... Não estou louco? ... Isso me dá o direito de falar bobagem!" 

 ASTROV. 
-Que piada velha! ... Você não é um louco, mas simplesmente um maluco ..., um bufão. Antes eu considerava o louco doente, anormal ...; Mas agora acho que o estado normal do homem é a loucura. Você é completamente normal. 

 VOINITZKII. 
- (Cobrindo o rosto com as mãos) Que vergonha! ... Se você soubesse o que é a minha vergonha! ... Esse sentimento agudo de vergonha não se compara a nenhuma dor! (Com tristeza) É insuportável! (Apoiando a cabeça na mesa.) O que eu faço? ... O que eu faço? 

 ASTROV. 
-Algum. 

 VOINITZKII. 
"Diga-me uma coisa! ... Ai meu Deus! ... Estou com quarenta e sete anos e, supondo que eu viva os sessenta, ainda faltam treze! ... É muito! ... Como viver esses treze anos? ... O que fazer? ... Como preenchê-los? ... Oh! ... Você entende? ... (Agitando a mão de ASTROV convulsivamente ) Você entende? .. Oh , se eu pudesse viver o resto da minha vida de uma nova maneira! ... Acordar numa manhã calma e clara com a sensação de que estava começando a viver de novo e com todo o passado esquecido e dissolvido como fumaça! ... ( Chora.) Comece uma nova vida! ... Me sopre! Diga-me como começar! ... Com o que começar! 

 ASTROV. 
- (Com raiva.) Que vida nova ou que bobagem! ... Na nossa posição, a sua e a minha, não há esperança!

 VOINITZKII. 
-Não? 

 ASTROV. 
-Estou convencido disso. 

 VOINITZKII. 
-Me dê algo! (Colocando a mão no coração.) Isso me queima aqui! 

 ASTROV. 
- (Com um grito de raiva.) Chega! (Acalmando-se.) Aqueles que daqui a cem ou duzentos anos nos sucederão na vida, podem ter encontrado o meio de ser felizes; mas nós - você e eu - temos apenas uma esperança: que nossos túmulos sejam visitados por aparições agradáveis. (Suspirando.) Sim, irmão! ... Em toda a região só haverá dois homens inteligentes e honestos: você e eu ... Só, em questão de dez anos, a vida desprezível, o cotidiano. .. nos absorveu com seus fumos pútridos, envenenou nosso sangue e ... nos tornamos tão cínicos quanto os outros. (Em tom animado.) Mas, bem ... a tudo isso, não desvie a conversa e me devolva o que você tirou de mim. 

 VOINITZKII. 
-Não tirei nada de você. 

 ASTROV. 
-Você pegou um frasco de morfina no meu armário de remédios. (Pausa.) Escute ... Se você quiser se suicidar a todo custo ... vá para a mata e dê um tiro lá ... A morfina você tem que me dar, porque senão vai ter fofoca, vai façam conjecturas, e vão pensar que fui eu que te dei ... Para mim basta ter que fazer a autópsia ... Acha isso interessante? (Entra SONIA .) 

 VOINITZKII. 
-Deixe-me! 

 ASTROV. 
- (Para SONIA .) Sophia Alexandrovna! ... Seu tio roubou um frasco de morfina do meu armário de remédios e não quer me devolver! ... Diga a ele que não há nada de inteligente nele! ... Além disso, não tenho tempo a perder. É hora de eu partir. 

 SONIA. 
"Tio Vania! ... Você já tomou morfina?" (Pausa.) 

 ASTROV. 
-Ele pegou, sim. Estou certo. 

 SONIA. 
- Devolva! ... Por que nos assustar? (Com ternura.) ¡Devuélvela, tío Vania!... ¡Yo no soy quizá menos desgraciada que tú, pero no me desespero!... ¡Resisto y resistiré hasta que mi vida acabe por sí misma!... ¡Resiste você também! (Pausa.) Devolva! (Beijando suas mãos.) Meu querido tio ..., meu querido tio ..., devolva-o! ... (Chorando.) Você é bom e vai ter pena de nós e vai devolvê-lo! .. . resistir! ... 

 VOINITZKII. 
- (Pegando um frasco da mesa e passando para ASTROV .) Aqui ... (Para SONIA .) Você tem que se apressar para trabalhar, fazer alguma coisa ... Senão eu não vou conseguir ..., ganhei não ser capaz ... 

 SONIA. 
-Sim, sim ... Vamos trabalhar! ... Assim que despedirmo-nos do nosso pessoal, vamos trabalhar ... (Removendo nervosamente os papéis.) Temos tudo abandonado! 

 ASTROV. 
- (Colocando o frasco no armário de remédios e ajustando as alças.) Agora você pode começar o seu caminho. 

 ELENA ANDREEVNA. 
- (Entrando.) Você está aqui, Ivan Petrovich? ... Vamos embora ...; mas vá ver Alexander. Ele quer te dizer algo. 

 SONIA. 
-Vá, tio Vania! (Pegando VOINITZKII pelo braço.) Vamos, vamos! Você e papai precisam fazer as pazes! É imprescindível! ( Saem SONIA e VOINITZKII .) 

 ELENA ANDREEVNA.
 -Vou embora. ( Estendendo a mão para ASTROV .) Adeus. 

 ASTROV. 
-Já? 

 ELENA ANDREEVNA. 
-O carro está esperando. 

 ASTROV. 
-Adeus. 

 ELENA ANDREEVNA. 
"Você me prometeu hoje que sairia daqui." 

 ASTROV. 
-Eu me lembro, de fato. Estou a sair agora mesmo. (Pausa.) Você está com medo? (Pegando a mão dela.) Você está com tanto medo? 

 ELENA ANDREEVNA. 
-Sim. 

 ASTROV. 
-E se ele ficasse? ... Eh? ... Amanhã no campo da floresta ... 

 ELENA ANDREEVNA. 
-Não. Já está decidido. É por isso que o vejo com tanta coragem ... porque a nossa partida está decidida ... Só quero te perguntar uma coisa: que você tenha uma opinião melhor sobre mim ... Queria que me estimasse. 

 ASTROV. 
- (Com um gesto de impaciência.) Ah! ... Fica! Eu te imploro! ... Confesse que neste mundo você não tem nada para fazer! ... Que você não tem por que ocupar a sua atenção e que, mais cedo ou mais tarde, você inevitavelmente cederá ao sentimento! ... E então , não seria melhor aqui, no meio da Natureza, do que em Kharkov ou em Kursk? ... Mais poético, pelo menos, e até bonito! ... Aqui temos um campo florestal e uma fazenda semidemolida próximo ao gosto de Turgenev! ... 

 ELENA ANDREEVNA. 
-Que engraçado você é! ... Mesmo que você esteja com raiva, eu gostaria de lembrá-lo. Você é um homem interessante e original. Não devemos nos ver de novo, então por que manter isso em segredo? ... Fiquei um pouco atraída por você ... Bem ... vamos apertar as mãos e nos separar como amigos. Não guarde lembranças ruins de mim. 

 ASTROV. 
- (Depois de trocar um aperto de mão com ela.) Sim ... Vá embora. (Considerado.) Você parece uma boa pessoa ... com uma alma ...; Mas, mesmo assim, parece que seu ser contém algo estranho! ... Desde que você chegou aqui com seu marido, todos aqueles que antes trabalhavam e se movimentavam abandonaram seus negócios e passaram o verão inteiro ocupados apenas com seu marido e você ... .Vocês dois nos contaminaram com a ociosidade ... Fiquei tão interessado em vocês que passei um mês inteiro sem fazer nada, embora durante esse tempo as pessoas continuassem a adoecer e os "mujiks" levassem seu gado para pastar em minhas matas. , você e seu marido - só com a sua presença - carregam a destruição aonde quer que vão ... Estou brincando; mas a verdade é que é estranho, e que estou convencido de que, se tivesse continuado aqui, o dano teria sido enorme ... Eu teria sucumbido, mas você também não teria saído ilesa ... Mas bem, vá embora. «Comédia finita!» ... 

 ELENA ANDREEVNA. 
- (Pegando um lápis da mesa e guardando rapidamente.) Eu levo este lápis como lembrança. 

 ASTROV. 
-Que estranho! ... Nos conhecemos e, de repente, sem saber por quê, descobrimos que não nos veremos mais. Essas são as coisas deste mundo! Agora que ninguém está aqui ... antes que tio Vânia chegue com seu buquê de flores ... deixe-me dar um beijo. Como despedida ... Sim? ... (Ele a beija na bochecha.) Então é isso! 

 ELENA ANDREEVNA. 
-Eu desejo a você o melhor que você pode desejar. (Olhando em volta.) Seja o que for! Pela primeira vez na vida! ... (De um impulso repentinamente o abraça, espalhando ambos no ato rapidamente.) Devemos partir! 

 ASTROV. 
-Saia logo. Se o carro estiver pronto, saia imediatamente. 

 ELENA ANDREEVNA. 
- Parece-me que aqui eles já vêm. (Ambos ouvem.) 

 ASTROV. 
- "Finito!"


continua no ato 4 cena 3... 

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Anton Pavlovich Chekhov foi um contista russo, dramaturgo e médico. Foi um mestre do conto e é considerado um dos autores do gênero mais importantes na história da literatura  no realismo psicológico atual e naturalismo. 
Nascido : 29 de janeiro de 1860, Taganrog, Rússia
Morreu : 15 de julho de 1904, Badenweiler, Alemanha
Cônjuge : Olga Knipper ( 1901-1904)
Obras : The Cherry Orchard , The Seagull , The Three Sisters ,
Pais : Pavel Yegorovich Chekhov , Yevgeniya Chekhov


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e você nunca pensou que tudo em sua vida poderia ter sido entre amor e ódio, prostração e ousadia, liberdade e conveniência, ignorância e ciência, realidade e ilusão, uso e amontoado de nadas, cultura e leiguice, juventude e velhice? já pensou se sua vida foi desperdiçada ou se poderia ter sido? já falhou em suas ambições? e você é um ser inventado ou se inventou? ... se perguntou ou... a vida é chata e boba e nada vai adiantar mesmo, somos explorados, nunca estamos seguros, mentem para nós... quem mente? Ah! Entendi... - entendeu, mesmo?


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Biblioteca Virtual Miguel Cervantes


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Leia também:

Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Um, cenas 1, 2 e 3)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Um, cenas 4 e 5)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Dois, cena 1)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Dois, cena 2)Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Três, cena 3)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Três, cena 4)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 1)
Anton Chekhov - Tio Vania (Ato Quatro, cena 2)

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