quarta-feira, 5 de abril de 2023

Sarau... Mulheres: A moça da cicatriz no queixo 1 (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


019.


A MOÇA DA CICATRIZ NO QUEIXO

1

Veio trazida pelo temporal.

Chegou do norte, cortando vento, na carroça do velho Matias. Eu a vi chegar e as minhas pernas bambearam. Usava uma fita vermelha nos cabelos revoltos pelo forte vento arenoso. 

O tempo estava maltratando-nos. A tormenta havia chegado uma semana antes, mostrando uma escuridão pelos lados do sul. No céu, flocos de nuvens corriam como brancos rabos de égua, e no mar, as toninhas saltavam como loucas: a tormenta veio e ficou. 

Era novembro. As fêmeas dos tubarões aproximavam-se da costa para parir. Esfregavam os ventres contra a areia do fundo do mar.

Nesses dias, quando a tormenta permitia uma trégua, os cavalos percherões conduziam os barcos além da arrebentação e os pescadores saíam mar adentro. Mas o mar estava muito agitado. Os molinetes giravam e as redes subiam com uma confusão de algas e sujeiras e uns poucos tubarões mortos ou moribundos. Perdia-se o tempo em desembaraçar aquela confusão e consertar as redes. De repente o vento mudava sua direção, vinha forte pelo leste ou pelo sul, carbonizava-se o céu, as ondas varriam as cobertas dos barcos: era necessário virar a proa rapidamente rumo à costa.

Três dias antes de ela chegar, um barco havia virado, traído pela ventania. A maré tinha levado um pescador. Não o devolveu.

Estávamos falando desse homem, o Calabrês, e eu estava de costas, inchado sobre o balcão. Então, como obedecendo a um chamado, virei-me e vi.



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Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.
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Leia também: 

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Sarau... Mulheres: A moça da cicatriz no queixo 1

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La dama que atravesó tres siglos


Alice nació esclava, en 1686, y esclava vivió ciento dieciséis años.

Cuando murió, en 1802, con ella murió una parte de la memoria de los africanos en América. Alice no sabía leer ni escribir, pero estaba toda llena de voces que contaban y cantaban leyendas llegadas de lejos y también historias vividas de cerca. Algunas de esas historias venían de los esclavos que ella ayudaba a fugarse.

A los noventa años, quedó ciega.

A los ciento dos, recuperó la vista:

—Fue Dios —dijo—. Él no me podía fallar.

La llamaban Alice del Ferry Dunks. Al servicio de su dueño, trabajaba en el ferry que llevaba y traía pasajeros a través del río Delaware.

Cuando los pasajeros, siempre blancos, se burlaban de esta vieja viejísima, ella los dejaba varados en la otra orilla del río. Ellos la llamaban a gritos, pero no había caso. Era sorda la que había sido ciega.


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