segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LXXIX - Versos à Infância

Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA


O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos


DISPERSAS 

VERSOS À INFÂNCIA 
(Desterro) 

Nos roseirais, ao vir da madrugada, 
Desabrocham no val todas as rosas,
Nos galhos cheios de uma luz doirada, 
Meigas e frescas, rubras, perfumosas, 
Nos roseirais, ao vir da madrugada. 

Como em bocas cheirosas e vermelhas 
Pousam beijos de amor e de ventura, 
O mel lhe sugam todas as abelhas 
Pousando em cima da corola pura 
Como em bocas cheirosas e vermelhas. 

Desde os campos, o bosque, até aos montes 
Tudo renasce num jardim de flores; 
E pelo azul do céu, nos horizontes, 
Há os mais vivos, raros esplendores, 
Desde os campos, o bosque, até aos montes. 

Pelos ninhos sonoros, delicados, 
Cantam e trinam muitos passarinhos 
Nos altos arvoredos enflorados, 
À margem verdejante dos caminhos, 
Pelos ninhos sonoros, delicados. 

As borboletas brancas e amarelas, 
Azuis, cor de ouro, cor de prata e brasa, 
Leves, ligeiras, tênues e singelas, 
Abrem a fina talagarça da asa, 
As borboletas brancas e amarelas. 

Tudo no val acorda de desejos 
À música dos cantos mais risonhos; 
E as aves soltas, peregrinos beijos, 
Dizem, cantando, que através de sonhos 
Tudo no val acorda de desejos. 

II 
Na alma da infância, tal e qual roseiras, 
Abrem festões de límpida fragrância 
Os sonhos e as quimeras passageiras 
Que são mais próprias do vergel da infância, 
Na alma da infância, tal e qual roseiras. 

O pequenino coração ditoso 
Canta canções de uma ave pequenina; 
E é um encanto ver assim radioso 
No peito de uma cândida menina 
O pequenino coração ditoso. 

A existência de sol das criancinhas 
Lembra um pomar de frutas bem serenas, 
Por onde os colibris e as andorinhas 
Gozam amores sacudindo as penas, 
A existência de sol das criancinhas. 

Não sei dizer se adore mais crianças 
Ou mais também as flores de um arbusto; 
Nessas tão puras, castas semelhanças 
Eu, para ser bem carinhoso e justo, 
Não sei dizer se adore mais crianças. 



TRISTE 
(Desterro) 

Em junho, que é mês do frio, 
Perdes todo o colorido, 
Tens um tom vago e sombrio 
De dor, de mágoa e gemido. 

Não sei que tristeza é essa 
De tão doloroso cunho 
Que perdes a cor depressa 
Assim que vem vindo junho. 

Ficas branca e desmaiada, 
Lembrando a lua serena, 
Fraca, pálida e gelada, 
Como frágil açucena. 

Vão-se-te as rosas da face 
Emurchecendo e sumindo 
Num crepúsculo vivace 
De tudo o que estás sentindo. 

Ai! no entanto pelos prados 
Onde os dias resplandecem 
Bisonhas como noivados 
Em junho as rosas florescem...



FONTE DE AMOR 

Trago-a à tua presença 
Para que vejas a imensa 
Mágoa atroz que a devorou. 

E saibas, ó flor das flores, 
Que a fonte dos seus amores 
Eternamente secou. 

Foste à fonte buscar água 
E tinha secado a fonte. 
Aí, flor azul do monte, 
Tiveste a primeira mágoa. 

Porém se uma alma na frágua 
Das dores sem horizonte 
Queres ver, sentir defronte 
Dos olhos, manda, que eu trago-a

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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799
Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898
                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)
                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.
                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1

"A gente só tem saída na poesia."

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