quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Sarau... Mulheres: A moça da cicatriz no queixo 8 e 9 (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


023.


A MOÇA DA CICATRIZ NO QUEIXO


8

   Coloquei as fotos no chá para envelhecê-las. Apaguei letra por letra com uns ácidos franceses que tinha guardado. Passei um solvente sobre a impressão digital e depois cola de farinha de trigo e borracha de tinta. Alisei as folhas com ferro de passar roupa morno. O passaporte ficou nu. Fui vestindo-o pouco a pouco. Deixei marcas de carimbos e fiz assinaturas. Depois friccionei as folhas com as unhas.



9

   Aproximava-se o fim do ano. Fazia um mês que Flávia estava ali. A lua nasceu com os cornos para cima.

   Longe, não tão longe, alguém se emputecia, alguém se despedaçava, alguém ficava louco de solidão ou de fome. Apertava-se um botão: a máquina zumbia, crepitava, abria as mandíbulas de aço. Um homem conseguia depois de muito tempo ver seu filho preso através de uma grade, e o reconhecia somente pelos sapatos marrons que tinha dado de presente a ele.

– Faça com que esses cachorros se calem.

   Flávia sentia-se culpada por comer comida quente duas vezes ao dia, ter abrigo no inverno e liberdade. Ela me disse:

– Faça com que esses cachorros se calem. Se eles se calam, eu fico.


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Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.
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Leia também: 

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Sarau... Mulheres: A moça da cicatriz no queixo 8 e 9

pag 033...



Llorar


   Fue en la selva, en la Amazonia ecuatoriana. Los indios shuar estaban llorando a una abuela moribunda. Lloraban sentados, a la orilla de su agonía. Un testigo, venido de otros mundos, preguntó:

—¿Por qué lloran delante de ella, si todavía está viva?

   Y contestaron los que lloraban: 

—Para que sepa que la queremos mucho. 


segue en la pag 26 

 

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