sábado, 7 de outubro de 2017

histórias de avoinha: agarrada na terra, pendurada nucéu

mulheres descalças


agarrada na terra, pendurada nucéu
Ensaio 108B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



queria têdu abandono a parte qui protege pruqui esquece dilembrá, é assim, a memória num é fiel, tem veiz quiu descaso maisu desprezo esfria a cobiça ius monstro da cabeça num sai pra brincá di atormentá. é tempo da respiração ofegante duspretu acalmá, suspirá fundo dubafo i respirá cum afeição pelo descaso do capitãodumato i usiô donoditudo

caçadô matrêro cum desapreço pela caça num sai pra procurá, ele sabe quiprecisa tê nusóio uqui todo bão caçadô aprende ditê: usóio desalmado i enraizado na busca, apartado dusamigo pruqui nu mato num tem colchão nem fogo nem chimarrão, prulá só tem encalço arrebatado i doidice pra num saí dumato sem a caça

o caçadô quando sai carrega dois arpão nusóio, armamento inté us dente ius arreio dupatrão qui liberta as maldade em nome da boa caçada

a fome pra fugí é eterna, a fome pra caçá depende da fome qui a caça pode dá

carrego nas carne uspretu qui é tanto i tanto dus pretu qui pareço sê mais duqui sô, eu num pareço sê sóeu, pareço sê em todo lugá qualqué pretu cum a boca seca i amarga, cum usuó escorregadio i brilhoso, uspé navalhado das pedra idus espinhu dumato

num quero tê mais vida da vida abafada i sem sentido qui mais parece sê as pedra nu fundo dumrio abandonado. num quero mais esperá as água descê inté u rio secá pra tê otra vida, otra serventia, pra aparecê cuma pedra qui tava nufundo du rio

E a língua do Moço continua no lugar ou o bicho comeu?

só a moça muntu atrevida pra fazê eu voltá dus pensamento muntu longe

descí usóio pela muié preta inté uspé descalço. depois, subí as vista pela buniteza cadêruda da miúda inté us cabelo trançado i arrumado cum as miçanga colorida. uma belezura, uma pintura

tudo parecia encantá a claridade qui banhava a preta. ela largava aroma cum chêro diflô qui deixô eu cum calafrio i tremura. a reaparição da carne varonil derramô um risco branco escorrido da mão agitada, quanto mais agitada mais risco branco brotava, pronto pra enriquecê divida as terra dumbigo. deixei um risco derramá na terra duterrêro

pensei pedí pra preta caminhá um passo pra lá, otro pra cá, só queria vê useu mexe mexe remexe, só queria sonhá

Muntu agradecido...

num sabia uqui dizê

Hummm... resolveu mostrar que tem língua e educação...

é uma boa continuação começá agradecido. as coisa boa da vida parecia tá se acordando, fazendo crescê uqui num crescia i só parecia sê uma geringonça sem muntu uso, branda i sem viço cumu bochecha divéio

... o Moço pode deitar nesse descanso.

oiêi di susto pra miúda, nunca tive descanso, nunca mifoi dado nada, muntu menos, descanso

Afrouxa esse susto, o Moço pode sorrir.

num tinha riso pra mostrá, num sabia uqui fazê, num sabia uqui dizê, num sabia duqui podia rí, mais tentei

Onde?

ela tumbém num riu nem tava cum oiá da surpresa. eu num era susto nem estranheza pra ninguém. num sabia música, num sabia dançá, num sabia imaginá otra vida, num sabia uqui fazê da vida qui tinha i desconfiava qui num era vida sê usado inté morrê

Na rede, ela respondeu

pensei espantado qui num tinha rede ia miúda num reparô qui num tinha rede. mais espantado fiquei quando pensei qui podia tê rede ieu num reparei. tava cum esse espanto queimando a língua, já ia dizê alguma coisa, mais achei meió oiá na redondeza duterrêro da casa. só oiêi pra oiá, pra podê dizê qui oiêi. depois, fechei usóio inté fazê careta. quando abrí usóio fiquei espantado, lá tava a rede. tinha a cô duleite derramado cortando ucúe da terra, misturando encantamento mais buniteza cum doidice

Viu?, ela puruguntô, é preciso usar os olhos que podem ver tudo.

Lá tá a rede, respondi sem creditá qui tava vendo uqui num tava lá; antes num oiêi usando usóio qui pode vê tudo? é preciso creditá numeusóio pra vê cum sentimento, será qui existi usóio qui pode vê tudo? crêdito inum crêdito, nem sempre é fácil sabê. uma dúvida sem fim

lá tava a rede amarrada cum uma das ponta nupau dumato, qui parecia sê a unha dum dedo dumato; a otra ponta tava cum laçada nucomeço da lua, crescendo das água

lá tava a rede agarrada na terra, pendurada nucéu

lá tava eu tremendo cumas onda das água, todo misturado naquele encantamento. enlaçado na doidice, pra uns qui otro, mais oiando animado pra preta toda descascada, sem pano pra escondê sem pano pra anunciá, sem pano pra esconjurá uqui num dá pra vê sem uso dusóio cum sentimento: a beleza da moça disposta se mostrá sem medo da buniteza

aprendia qui dá pra vê só uqui dá pra vê cum usóio du sentimento, usóio qui vê tudo da terra idu céu. mais é munta tentação querê vê só cum usóio da terra ou só cum usóio ducéu, ubão é num caí na tentação diusá só um dusóio

usóio da moça brilhava, eu pruguntava pra eu mesmo pur qui tinha atrasado tanto pra esse encontro, quando subí as vista inté as vista da moça sentí qui as fôia dumato num caia, elas ficava boiando nuvento das fôia vermêia i amarelada, parecia tá num sonho

Então... o Moço vai deitar no seu descanso?

a preta toda embonecada dujeito qui apareceu na terra dumbigo tava convidando, eu queria, mais eu num sabia, eu tinha qui arrancá essa coisa na volta dumeu pescoço, eu queria

Num tem precisão... fico aqui.

ela num se riu dumeu eu assustado, entristeceu divê as marca dusferro na volta dumeu pescoço como se eu num pudesse vê a rede agarrada na lua, Tem precisão, sim... vem cá.

ela num se ria dumeu eu assustado. deu dois passo i passô a mão numeusóio, desceu inté umeu pescoço, roçô cum as ponta dus dedo, na volta i na disvolta. num quero mentí, num quero exagerá, mais tenho pra mim qui saiu da boca da moça as borboleta mais colorida qui podia existí

Bobagem, o Moço sem nome pode deitar.

fiz cara disusto ou acho qui fiz, num sei, mais ela soltô um riso qui nunca, lá dufundo dus rio as pedra tinha escutado. um riso qui provocava na folharia a vontade de avoá depois qui viveu seu tempo da vida cum sol i chuva, vento i calmaria, cada ramaria qui voava já acudiu a árvore da vida pru baobá continuá

A moça num tem medo?

num riu pra dizê, Não.

Posso sê um desalmado.

ela fez mais riso enquanto mais folharia continua caindo da árvore qui se balançava cum us assopro du riso da moça, Não é... não acredito só no que vejo, também acredito no que não vejo, mesmo com os olhos esbugalhados de tanto procurar.

é uma tristeza engraçada creditá nuqui num é, só pruqui é dito pelo siô donoditudo: É assim qui é! É assim que eu quero!

Pur qui? A moça num tem medo du donoditudo?

E quem é esse dono de tudo?

A moça num sabe?

ela oiô eu cuma força qui num pode sê inventada pruqui é umundo qui cadum carrega prudentro. a moça parece tê um ôio mais grande qui tudo prudentro, parece carregá ulugá da terra dumbigo pra onde vai, a raiz ditudo

Tudo é tanto e tanta que não tem dono.

Pur qui?

Porque o Moço não é malvado e o mundo não tem dono.

foi a primêra veiz qui esse pretu cabunguêro sentiu qui a vida num é só maldição, grito, num é só dô, açoite, num é só a canga ias marca nupescoço, num é só uma coisa esquecida. foi a veiz qui um calô, qui num sabia dizê qui calô era, deu vontade pra fugí, mais deu firmeza pra ficá: uspé descalço num mexeu, eles desafiô umeu querê da cabeça

resolvi escutá uspé dieu

foi a primêra veiz qui num fui desprezado, fiquei numeu lugá. obedeci uspé. foi a veiz qui num fui abandonado, sentia a força da moça dentro dieu. foi uspé da moça qui mexeu

eu num tava desaparecendo

Nem pra desalmado eu pareço sê um bão molde.

ainda tentava desmontá duqui fui sem sabê montá uqui vinha. precisava aprendê tirá usjoêio duchão catando formiga, espremendo barata, juntando verme. uqui fui num é uqui sô, num sô cubêro, num sô catadô dus verme dusiô bento josé. num quero lembrá dotras coisa qui fui, num quero esquecê uqui posso sê

queria tê guardado nas lembrança as coisa qui num lembro das terra dumbigo: as borboleta, as cabra, as lesma na terra duquintal; us caminho dulugarejo cum us muriquinhu correndo, pulando, subindo baobá, descendo baobá, as perna pra cima. num sei dumundo, num sei dumeu lugarejo, só sei dilembrá duscabungo cum as imundícia du siôiu

Mais bobagem, o Moço parece muitos. E desalmado não é o seu jeito de parecer, pode até ter vontade de ser malvado, desumano e perverso, mas não é. Isso, o Moço não é. Deixe essa vontade de ser cruel para quem é cruel.

a decência mais despojamento pode curá us excesso dibem se vê, mais us despedaçado ditudo num consegue nem bem se vê, é acostumado num tê nehuma expressão da vida, só pode tê na cara a encarnação du vazio

A moça é sempre assim?





_________________________

Leia também:


histórias de avoinha: ugostu de sê água...
Ensaio 106B – 2ª edição 1ª reimpressão


histórias de avoinha: Ora ye ye o! A ie ie u!
Ensaio 107B – 2ª edição 1ª reimpressão


histórias de avoinha: nesse tempo fui cabunguêro
Ensaio 109B – 2ª edição 1ª reimpressão


Nenhum comentário:

Postar um comentário