sábado, 7 de outubro de 2017

O Brasil Nação - v1: § 41 – O exclusivo da honestidade - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 5
o acervo do império





§ 41 – O exclusivo da honestidade




A política republicana, numa queda moral que já é degringolada, faz voltar os olhos para os dias do Império, quando os homens públicos se mostravam limpos e dignos quanto a dinheiro: não se vendiam à moeda; nem metiam a mão nos cofres do Estado... E é esta a virtude em que a moralidade do segundo Império se consagra, a única linha de probidade dos seus homens. No entanto, bem apreciadas as coisas, não há outra conclusão a tirar se não esta: não foi o trono quem fez os seus políticos – limpos de mãos; por mais abjeta que pareça a vida da República com as repetidas rapinagens de muitos dos seus pró-homens, vem da política do Império o movimento que aí conduziu. Para completa demonstração, há, em primeiro lugar, a questão de tempo: antes de vinte anos, já as práticas republicanas eram tão infames, em tudo, e tão baixos rastejavam os caracteres, que a vida pública aparecia como um fundo de miséria moral, o fundo além do qual não se podia descer. Como se fez tudo isto? Com homens educados ainda na vida do Império, muitos dos quais vinham da política ativa da monarquia. Em verdade, uma tal decadência não pode ser obra integral de tão poucos anos; em verdade, uma geração que fosse educada no exemplo de puras virtudes políticas, não teria chegado onde chegaram os nossos republicanos. 

A primeira proposição demonstra-se peremptoriamente com as simples páginas da história, onde se vê que a absoluta probidade, em matéria de dinheiro, foi contemporânea da Independência, muito anterior, pois, ao segundo Império. Houve é certo, naqueles dias, estadistas que engolfaram as mãos nos dinheiros públicos; mas, quando se distinguiu uma política brasileira, já é de absoluta honestidade. Lecor, Barbacena, Gameiro... onde falava a tradição dos corrompidos estadistas portugueses, teriam repetido as façanhas do Conde dos Arcos, sem que isto desse o tom ao proceder geral, que se definia na inteireza pura dos Andradas, e Lino Coutinho, e José Dias... Podia separá-los, a esses, a diferença política, constante, irremissível, que separava Feijó dos Andradas, mas nessa virtude eles se aproximavam. Uns e outros portavam-se tão intransigentemente honestos em face do dinheiro, que tal coisa parecia não ter valor para eles. E assim se formou essa tradição de honestidade que é, naquelas criaturas, uma auréola, e vem pela vida pública do Brasil afora até ontem, quando a intrepidez de Floriano valia, sobretudo, ele o dizia – na defesa do Tesouro. Quaisquer que fossem as convicções, ou mesmo as transigências, nisto, eles eram rigorosamente honestos – Cairus Vilela Barbosa, Araújo Lima, Alves Branco... O segundo Império surgiu e se afirmou encontrando inconteste a honorabilidade dos políticos, no tocante à materialidade das finanças. Nesse valor, único é verdade, faz-se a política, através de maioridadistas, e camarilha, e conciliados, e progressistas... Note-se, no entanto, que, paralelamente, subsistia a tradição dos Barbacena e Gameiro.158  Desde sempre, José Clemente tinha escritório onde negociava casos do Estado; Bernardo de Vasconcelos, até onde podiam alcançar as suas pernas trôpegas, mais se movia por interesse das próprias finanças do que por ambição de mando; Carneiro Leão enriqueceu com o preço dos pobres africanos de contrabando – tal ouviu em pleno parlamento; Sales Torres Homem, como se converteu em Inhomirim, arredondou a fortuna dando forças ao seu valimento político; Montalegre, que veio de republicano a ultrarreacionário, foi, através de todos os avatares, um negocista diligente. E chegamos à aura, como advogado administrativo, de Pimenta Bueno, Sousa Carvalho, Octaviano Rosa.159 


158 Quando, a bordo da Waspect, Vilela Barbosa se lamenta, a chorar pobreza, replica Pedro I: Por que não roubou como Barbacena? 


159 É de ontem, o caso dos bondes de Copacabana, negócio menos limpo, em que aparece até o nome do Conde d’Eu...


Porque assim vinham as coisas, e que a corrupção já tocava o último regaço do decoro político, Pedro II se mostrou, ostensivamente – barreira, contra venalidades e prevaricações. Como cinto de castidade, o trono veio fechar, impedir a impureza. Tornou-se lendária, em tempo, a imperial inflexibilidade, contra políticos que empenhavam o seu valimento por interesse pecuniário, e que iriam, talvez, até às concussões e mais negócios ilícitos. Ora, esse proceder do chefe da Nação ao mesmo tempo que patenteava a corrupção, mais a agravava. De fato, se não houvera políticos prestigiados, prontos a traficarem com esse prestígio, não teria sido preciso fiscalizá-los tão de perto, e contê-los, assim, quando já precipitados para a falta. E era contraproducente a correção, porque começava revelando publicamente a corrupção, mostrando-a como coisa já aceita na vida pública. Não é concorrendo para o despudor que se moralizam os indivíduos. Há um pudor de vida pública como o de honestidade sexual. Quem se lembraria de moralizar costumes – gritando de público a desfaçatez das barregãs?... Era desse valor a apregoada moralização dos políticos, sob a férula do imperante. Afrontando a todos; condenavam-se, às vezes, homens sorrateiramente acusados de advogados administrativos, sem que se fizesse prova completa. Nas democracias de verdade, tais criaturas, atacadas pelos concorrentes, sentem a necessidade de fazer a sua defesa completa, porque de outro modo têm de retirar-se da vida política. Há um julgador, que é a opinião pública. O denunciado, ao ar livre da imprensa, ou mesmo perante os tribunais, tem o incentivo da própria defesa, com a perspectiva da absolvição. Na justiça de alçapão, com que o segundo Império fazia a sua moralidade, nada disto se permitia. O consenso democrático, para elevar, ou deprimir, não tinha significação, pois se reduzia a – ganhar, conservar, ou perder o favor do soberano. Tal político, de grande votação numa lista tríplice, não era escolhido senador, e dizia-se: o imperador o pusera na lista negra – por advogado administrativo; ou, porque, num momento qualquer, ele figurara num negócio menos limpo... Mas, da mesma forma procedia o imperante contra a incontestável e inconstada honestidade dos Alencares, Otoni... e outros votados, só condenados – por hombridade de caráter, por não lisonjearem as imperiais fumaças. 

A verdade, em tudo isto, é que o segundo Império, integralizando-se num regime de indiferença pela opinião pública; avesso à verdade e à sinceridade, alheio a méritos reais, favorecendo o constante favoritismo, cultivando intensamente a apostasia política, aceitando e manejando o servilismo, roeu as últimas fibras do caráter nacional, afrouxou todas as molas do freio moral, aluiu a base mesma da probidade, e atacou, por conseguinte, a própria resistência às tentações de dinheiro. Se os cinquenta anos do último reinado se passaram sem que tivéssemos governos ostensivamente ladrões, é que estes antecedentes de virtude, pelo próprio tom pessoal, não podiam ceder de pronto. Em si mesmo, o regime não permitia o desbragado assalto às posições e à fortuna, e, assim, subsistiram os restos de pundonor, em que os homens políticos se dignificavam, e que lhes ficava qual cerne da probidade, para só se esfarelar quando a podridão houvesse embebido todas as fibras. Destarte, a tradição de honorabilidade vem até os primeiros lustros da República – Floriano, Benjamin Constant, Prudente de Morais, Ubaldino do Amaral... até os secundários Cassiano do Nascimento, Cesário Alvim... Depois, houve um momento em que se romperam os últimos freios, como se fora o cinto de castidade já alegado; sumiram-se as tradições de mãos limpas... Fora injustiça, no entanto, dar ao regime republicano a responsabilidade do confessado desescrúpulo dos seus homens no tocante aos dinheiros públicos. Assim como não foi o segundo Império o fator primeiro da degradação dos homens de 1831, também não se pode dar à República a culpa do total descalabro moral dos seus políticos. Pensemos ainda: a honestidade do segundo Império, mesmo no assunto, era bem manquejante. 

Foram apontados, · mais de uma vez, felizardos protegidos, senhores de escravos criminosos, e que conseguiam vende-los, por bom dinheiro, para o exército no Paraguai... Todos esses – os já citados políticos dissertadores eram monarquistas, e só tinham o empenho de limpar o caminho, por onde o trono prosseguisse feliz, com a felicidade da nação. Pois bem, em todos eles vêm apontados fatos, que são de franca e completa corrupção: 


Acumulam subsídios, pensões... aposentados num emprego, vão servir em mais dois ou três; subvencionados pelo governo para tal trabalho que não se faz, percebem a gratificação pelo que poderiam ter em mente fazer... Certo senador lastimou, se um dia no paço de sua situação pecuniária; poucos dias depois recebia, a título de atrasados, quatro contos, que se julgou suficientes para melhorar-lhe a situação. Certo valido estava arruinado por uma vida de dissipações: é senador, conselheiro de Estado, e... ordenou-se que tivesse mais dois rendosos empregos, e mais não sei que pensão a título secreto, com que teria anualmente a ninharia de 16:000$000. 


Note-se: isso se passa antes de 1860 (Landulfo). Melo Morais, sempre desabusado, cita repetidas latronagens, no curso da guerra do Paraguai: “... um exemplo. Oferecem a Caxias 6.000 pares de sapatos de tropa, a 3$000; o ilustre duque os rejeita, em vista da má qualidade; o traficante não desanima: procura proteção, volta para o Rio de Janeiro com os mesmos coturnos, e os vende a 6$000...” E como o regime se acentua, por ocasião da Questão Religiosa, 160 Penedo, ao partir para Roma, leva 2. 000:000$000 – com que compre o que for mister, a fim de que sejam repreendidos os bispos. Acusado, o governo não se defendeu – não desmentiu, e a Fraternidade, do Ceará, disse, então, que foram 3. 000:000$000...


160 Questão religiosa, Macedo Costa, págs. 192 a 279. “Em 1868, os conservadores fizeram uma câmara unânime (com 1 liberal) de parentes e afins de ministros, agenciadores de negócios, aspirantes a empregos, jornalistas, mercenários...” Outro: “O gabinete de 16 de julho, de 1868, cuidava mais de arranjos de família... do que do bem do Estado...”


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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O Brasil Nação - v1: § 39 – A choldra dos partidos – sobre a nação abandonada - Manoel Bomfim 

O Brasil Nação - v1: § 40 – Já é corrupção... - Manoel Bomfim 

O Brasil Nação - v1: § 42 – Pedro II - Manoel Bomfim 

O Brasil nação - v1: Prefácio - Manoel Bomfim



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