Quando a resignação é covardia
Prof. Marcos Vinícius*
O poeta Pasolini acreditava que antes de lutar por um mundo melhor, devemos lutar para evitar que piore. Apesar do salário congelado há quatro anos, a atual greve dos professores eclodiu devido ao parcelamento, cujo último mês iniciou com a mísera parcela de 350 reais. Ainda assim, há professores que seguem trabalhando. Como Italo Calvino escreveu que toda leitura de um clássico é na verdade uma releitura, lanço mão da Literatura buscando retratar o mundo por analogia. A atitude de alguns professores que não entraram em greve ou que deixaram de fazê-la tão somente receberam os salários me faz lembrar um conto de Tchékhov.
O conto faz uma crítica à resignação covarde. Durante um acerto de contas, a governanta Iúlia Vassílievna escuta passivamente seu chefe construir uma narrativa mentirosa na qual ela ganharia muito menos do que foi combinado. “Então, a senhora ficou dois meses”. “Dois meses e cinco dias”. “Dois meses, tenho anotado aqui”. O chefe descontaria dias em que sua filha adoeceu, uma xícara que ela supostamente havia quebrado, e até um sapato que uma costureira roubou de sua filha sob o argumento de que ela era responsável. Enfim, o chefe pagaria onze rublos quando ela deveria receber oitenta.
Apesar do rubor, dos olhos cheios d'água, Iúlia jamais reagiu. Após receber o mísero pagamento, a governanta murmura um "merci". Neste momento, o chefe se levanta indignado e pergunta a razão do agradecimento e se ela não havia percebido que ele a estava roubando. Iúlia disse que agradecia pelo dinheiro, pois houve locais em que trabalhou e nem sequer recebeu. (Recordo o governador afirmando que o servidor deveria agradecer a Deus pela estabilidade.) Então, o chefe se desculpa e diz que lhe pagará os oitenta rublos, mas pergunta se alguém pode ser tão pateta. Se é possível não protestar. Nesse mundo é possível ser tão palerma? Iúlia dá um sorriso amarelo que o patrão lê como um "Sim, é possível". O sorriso de Iúlia e a resignação de alguns professores provam que sim. Em suma, a dignidade não é um valor indispensável a todos."
*Prof. Marcos Vinicius de Oliveira Teixeira
rede estadual de educação / rs
professor de literatura
O poeta Pasolini acreditava que antes de lutar por um mundo melhor, devemos lutar para evitar que piore. Apesar do salário congelado há quatro anos, a atual greve dos professores eclodiu devido ao parcelamento, cujo último mês iniciou com a mísera parcela de 350 reais. Ainda assim, há professores que seguem trabalhando. Como Italo Calvino escreveu que toda leitura de um clássico é na verdade uma releitura, lanço mão da Literatura buscando retratar o mundo por analogia. A atitude de alguns professores que não entraram em greve ou que deixaram de fazê-la tão somente receberam os salários me faz lembrar um conto de Tchékhov.
O conto faz uma crítica à resignação covarde. Durante um acerto de contas, a governanta Iúlia Vassílievna escuta passivamente seu chefe construir uma narrativa mentirosa na qual ela ganharia muito menos do que foi combinado. “Então, a senhora ficou dois meses”. “Dois meses e cinco dias”. “Dois meses, tenho anotado aqui”. O chefe descontaria dias em que sua filha adoeceu, uma xícara que ela supostamente havia quebrado, e até um sapato que uma costureira roubou de sua filha sob o argumento de que ela era responsável. Enfim, o chefe pagaria onze rublos quando ela deveria receber oitenta.
Apesar do rubor, dos olhos cheios d'água, Iúlia jamais reagiu. Após receber o mísero pagamento, a governanta murmura um "merci". Neste momento, o chefe se levanta indignado e pergunta a razão do agradecimento e se ela não havia percebido que ele a estava roubando. Iúlia disse que agradecia pelo dinheiro, pois houve locais em que trabalhou e nem sequer recebeu. (Recordo o governador afirmando que o servidor deveria agradecer a Deus pela estabilidade.) Então, o chefe se desculpa e diz que lhe pagará os oitenta rublos, mas pergunta se alguém pode ser tão pateta. Se é possível não protestar. Nesse mundo é possível ser tão palerma? Iúlia dá um sorriso amarelo que o patrão lê como um "Sim, é possível". O sorriso de Iúlia e a resignação de alguns professores provam que sim. Em suma, a dignidade não é um valor indispensável a todos."
*Prof. Marcos Vinicius de Oliveira Teixeira
rede estadual de educação / rs
professor de literatura
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