segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (05)

 Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1


1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



O Baile de Sceaux
A Henri Balzac, [46] seu irmão

Honoré

(Parte 5)


continuando...



— Você quase feriu esse pobre paisano — disse o conde, apressando-se em ir ao encontro de Emília. — Não sabe mais governar seu cavalo? Deixa-me por aí a comprometer minha dignidade para acobertar suas loucuras, ao passo que se tivesse estado ali, um único dos seus olhares ou uma dessas palavras corteses que você tão bem sabe dizer, quando não quer ser impertinente, teria acomodado tudo, embora mesmo lhe tivesse partido as costelas. 

— Ora essa, meu tio, se foi o seu cavalo, e não o meu, a causa desse acidente. Começo a crer que o senhor já não pode mais montar a cavalo, já não é tão bom cavaleiro como no ano passado. Mas em vez de dizer bobagens... 

— Com mil diabos! Bobagens! Então acha pouco fazerem impertinências a seu tio? 

— Não acha bom irmos ver se aquele pobre rapaz está ferido? Ele está coxeando, repare, meu tio. 

— Não, ele está correndo. Ah! É que lhe passei uma sarabanda! 

— Isso é bem do senhor. 

— Alto lá, minha sobrinha — disse o conde pondo a mão na rédea do cavalo de Emília e fazendo-o parar. — Não vejo necessidade de fazer rapapés a um bodegueiro qualquer que deve considerar-se muito feliz por ter sido atirado no chão por uma rapariga encantadora ou pelo comandante da Belle-Poule. 

— Por que acredita ser ele um plebeu, meu caro tio? Parece-me que suas maneiras são muito distintas. 

— Ora, todos hoje têm maneiras distintas, minha cara. 

— Não, tio, nem todos têm o ar e o desembaraço que dá o hábito dos salões, e sou capaz de apostar com o senhor que esse moço é nobre. 

— Você não teve tempo suficiente para examiná-lo. 

— Mas se não é a primeira vez que o vejo. 

— E tampouco é a primeira vez que o procura — disse rindo o vice-almirante.

Emília corou, e seu tio divertiu-se deixando-a algum tempo constrangida, depois disse-lhe: 

— Emília, você sabe que lhe quero como a uma filha, justamente porque você é a única da família que tem esse legítimo orgulho que dá um alto nascimento. Com os diabos, minha sobrinhazinha, quem diria que os bons princípios se tornariam tão raros? Pois bem, quero ser o seu confidente. Minha querida, estou vendo que esse gentil-homem não lhe é indiferente. Calada! Eles se divertiriam à nossa custa, lá em casa, se nós embarcássemos numa canoa furada. Já sabe o que isso quer dizer. Portanto, minha filha, deixe-me auxiliá-la. Guardemos os dois o segredo, e eu lhe prometo que o trarei para o meio da sala. 

— E quando isso, meu tio? 

— Amanhã. 

— Mas, querido tio, eu não ficarei obrigada a nada? 

— A nada, e até se quiser poderá bombardeá-lo, prender-lhe fogo e deixá-lo como uma velha carraca. Aliás, não será o primeiro, não? 

— Como o senhor é bom, meu tio! 

Assim que o conde chegou à casa, acavalou as lentes, tirou sem que ninguém o visse o cartão de visita do bolso e leu: Maximiliano Longueville, rue du Sentier. 

— Pode ficar descansada, minha querida — disse ele a Emília —, pode arpoá-lo na paz de sua consciência, porque ele pertence a uma de nossas famílias históricas e, se não é par de França, sê-lo-á infalivelmente. 

— De onde tirou isso tudo? 

— Isso é segredo meu. 

— Sabe então o nome dele? 

O conde inclinou silenciosamente a cabeça grisalha, que se parecia bastante a um velho tronco de carvalho em torno do qual tivessem revoluteado algumas folhas amarelecidas pelo frio do outono. A esse sinal, Emília veio experimentar nele o poder sempre novo de seu coquetismo. Esperta na arte de amimar o velho marujo, prodigalizou-lhe as mais infantis carícias, as mais ternas palavras, chegou mesmo a beijá-lo visando obter a revelação de um segredo tão importante. O ancião, que passava o tempo fazendo a sobrinha representar esse gênero de cena e que as pagava muitas vezes à custa de adereços de valor ou pela cessão de seu camarote no Théâtre des Italiens, comprouve-se dessa vez em se deixar rogar e sobretudo acariciar. Como, porém, ele prolongasse demasiado seu prazer, Emília zangou-se, passou das carícias para os sarcasmos, ficou amuada e depois voltou, vencida pela curiosidade. O marujo diplomata obteve da sobrinha a solene promessa de que, para o futuro, ela seria mais comedida, mais meiga, menos caprichosa, que gastaria menos dinheiro e, sobretudo, que nada lhe ocultaria. Concluído e selado o tratado por um beijo que ele depôs na testa de Emília, levou-a para um canto do salão, sentou-a no colo, colocou o cartão entre os dois polegares de forma a escondê-lo, descobrindo letra por letra o nome de Longueville, e recusou teimosamente deixar ver mais. Esse acontecimento tornou mais intenso o sentimento secreto da srta. de Fontaine, que desenvolveu, durante grande parte da noite, os mais brilhantes quadros dos sonhos com que alimentara suas esperanças. Finalmente, graças ao acaso, tantas vezes implorado, via agora coisa bem diferente de uma quimera na fonte das riquezas imaginárias com as quais dourava sua vida conjugal. Como todas as jovens que ignoram os perigos do amor e do matrimônio, apaixonou-se pelas aparências enganadoras do matrimônio e do amor. Não será isso dizer que o seu sentimento nasceu como nascem quase todos os caprichos da adolescência; erros suaves e cruéis que exercem tão fatal influência sobre a existência das raparigas bastante inexperientes para se arrogarem a si mesmas, exclusivamente, o cuidado da felicidade futura? No dia seguinte, de manhã, antes de Emília acordar, o tio fora apressadamente a Chevreuse. Ao reconhecer, no pátio de um elegante pavilhão, o rapaz a quem tão resolutamente insultara na véspera, dirigiu-se a ele com a afetuosa polidez dos velhos da antiga corte. 

— Pois, meu caro senhor, quem diria que aos setenta e três anos de idade eu me veria metido num lance de honra com o filho ou neto de um de meus melhores amigos? Sou vice-almirante, senhor. Não é dizer-lhe com isso que tanto se me dá bater-me em duelo como fumar um cigarro? No meu tempo, dois rapazes não podiam tornar-se amigos íntimos senão depois de ver a cor do sangue um do outro. Mas, com os diabos, na minha qualidade de marinheiro, eu ontem carreguei para bordo um pouco de rum demais, e o resultado é que fui abalroar com o senhor. Toque aqui — disse estendendo-lhe a mão —, preferiria receber cem recusas de um Longueville a causar o menor desgosto à sua família. 

Por mais frieza que o rapaz se esforçasse por manifestar ao conde de Kergarouët, não pôde resistir por muito tempo à franca bondade de suas maneiras e deixou que lhe apertasse a mão. 

— O senhor ia montar a cavalo — disse o conde —, não se constranja por minha causa. Mas, a menos que já tenha um programa, venha comigo, porque o convido a almoçar hoje no pavilhão Planat. Meu sobrinho, o conde de Fontaine, é um homem indispensável de se conhecer. Ah! Com os diabos, pretendo compensá-lo da minha indelicadeza, apresentando-o a cinco das mais lindas mulheres de Paris. Ah! Ah! Meu rapaz, já vejo que se desfazem as rugas de sua testa. Gosto da gente moça e gosto de vê-los contentes. A felicidade dos jovens recorda-me os agradáveis anos de minha mocidade, em que não nos faltavam tanto aventuras como duelos. Éramos alegres naquele tempo! Hoje os senhores raciocinam e se inquietam com tudo, como se não tivessem existido nem o século XV nem o século XVI. 

— Mas, senhor, não temos nós razão? O século XV só deu liberdade religiosa à Europa, e o século XIX lhe dará a liberdade pol... 

— Ah! não falemos em política. Eu sou um palerma absolutista, senhor. Mas não impeço, por isso, os moços de serem revolucionários, contanto que deixem ao rei a liberdade de dissolver seus agrupamentos. 

A alguns passos dali, quando o conde e seu jovem companheiro se acharam no meio do bosque, o marujo avistou uma bétula nova de tronco bastante fino, deteve o cavalo, tomou uma de suas pistolas, e a bala foi alojar-se no meio do tronco, a quinze passos de distância. 

— Como vê, meu caro, não me arreceio de um duelo — disse com cômica gravidade, olhando para o sr. Longueville.
— Tampouco eu — replicou este último, que engatilhou prontamente sua arma, apontou para o orifício feito pela bala do conde e meteu a sua junto a esse alvo. 

— Aqui está o que se chama um rapaz bem-educado! — Exclamou o marujo com entusiasmo. 

Durante o passeio que deu com aquele a quem considerava já como seu sobrinho, teve mil oportunidades para interrogá-lo sobre todas as ninharias, de cujo exato conhecimento dependia, segundo o seu código particular, o perfeito gentil homem. 

— Tem dívidas? — perguntou finalmente ao companheiro após imensas indagações. 

— Não, senhor. 

— Como! Paga tudo que compra? 

— Exatamente, senhor; do contrário perderíamos todo crédito e toda espécie de consideração.

— Mas pelo menos mais de uma amante? Ah! Corou, camarada?... Os costumes têm mudado bastante. Com essas ideias de ordem legal, de kantismo e de liberdade, a mocidade ficou estragada. Os senhores não têm nem Guimard, nem Duthé, [76] nem credores, e não sabem heráldica. Mas, meu caro amigo, o senhor não está educado! Saiba que quem não faz as suas loucuras na primavera as fará no inverno. Se aos setenta anos eu tenho oitenta mil libras de renda, é porque aos trinta anos comi o capital... Oh! Com minha mulher, já se deixa ver. Contudo, suas imperfeições não me impedirão de apresentá-lo no pavilhão Planat. Olhe que me prometeu ir lá e eu o espero. 

“Que singular velhinho”, pensou o jovem Longueville, “é guapo e lépido; mas, conquanto queira se mostrar bom sujeito, não me fiarei nele.” 

No dia seguinte, cerca das quatro horas da tarde, quando estavam todos espalhados pelos salões ou pelo bilhar, um criado anunciou aos hóspedes do pavilhão Planat: 

— O sr. de Longueville. 

Ao ouvir o nome do favorito do velho conde de Kergarouët, todos, até o jogador que ia errar uma carambola, acorreram, tanto para observar a atitude da srta. de Fontaine como para julgar a fênix humana que merecera uma menção honrosa em detrimento de tantos rivais. Uma indumentária tão simples quão elegante, maneiras desembaraçadas e polidas, voz suave e de um timbre que fazia vibrar as cordas do coração granjearam ao senhor Longueville a simpatia de toda a família. Não se mostrou deslocado em meio ao luxo da residência do faustoso recebedor geral. Conquanto sua conversação fosse a de um homem da alta sociedade, todos puderam reconhecer ter ele recebido uma brilhante educação e que seus conhecimentos eram tão vastos quanto sólidos. Achou tão exatamente o termo próprio numa discussão bastante superficial provocada pelo velho marinheiro a respeito de construções navais que uma das mulheres fez notar que ele parecia ter cursado a Escola Politécnica. 

— Creio, senhora — respondeu ele —, que se pode considerar como um título honroso ter entrado lá. 

Não obstante os insistentes convites que lhe foram feitos para que ficasse para jantar, ele se recusou polidamente, mas com firmeza, e conteve as observações das damas dizendo ser o Hipócrates [77] de uma irmã mais moça, cuja delicada saúde exigia grandes cuidados.

— O senhor sem dúvida é médico? — perguntou com certa ironia uma das cunhadas de Emília. 

— É diplomado pela Escola Politécnica — respondeu bondosamente a srta. de Fontaine, cujo rosto se animou com os mais rosados tons no momento em que ficou sabendo que a moça do baile era irmã do senhor Longueville. 

— Mas, minha querida, pode-se ser médico e ter estado na Escola Politécnica, não é verdade, senhor? 

— Nada se opõe a isso, senhora — respondeu o rapaz. 

Todos os olhares se dirigiram a Emília, que, no momento, olhava com curiosidade inquieta para o sedutor desconhecido. Respirou com mais desafogo quando ele acrescentou, com um sorriso: 

— Não tenho a honra de ser médico, senhora, e até mesmo desisti de entrar para o serviço de estradas de rodagem, a fim de conservar a minha independência. 

— E fez muito bem — disse o conde. — Mas como pode considerar uma honra ser médico? — acrescentou o nobre bretão. — Ah! Meu jovem amigo, para um homem como o senhor... 

— Senhor conde, respeito infinitamente todas as profissões que têm uma finalidade útil. 

— Sim, estamos de acordo, o senhor respeita essas profissões, como um rapaz respeita uma matrona. 

A visita do sr. Longueville não foi nem muito demorada nem muito curta. Retirou-se no momento em que verificou haver agradado a todos e que a curiosidade dos presentes tinha sido despertada a seu respeito. 

— É uma raposa matreira! — disse o conde ao voltar ao salão, depois de ter acompanhado o visitante. 

A srta. de Fontaine, a única que conhecia o segredo dessa visita, fizera uma toilette bastante aprimorada para atrair os olhares do rapaz, mas teve o pequeno desgosto de ver que ele não lhe deu a atenção que ela julgava merecer. A família ficou muito surpresa com o silêncio em que ela se encerrara. Emília habitualmente exibia para os rapazes que lhe eram apresentados sua faceirice, sua tagarelice espirituosa e a inesgotável eloquência de seus olhares e de suas atitudes. Ou fosse porque a voz melodiosa do rapaz e os atrativos de suas maneiras a tivessem encantado ou porque o amasse seriamente e esse sentimento tivesse operado nela uma mudança, o fato é que sua atitude perdeu toda e qualquer afetação. Simples e natural como se mostrou, seguramente deve ter parecido mais formosa. Suas irmãs e uma velha senhora, amiga da família, viram nesse procedimento um requinte de coquetismo. Supuseram que, tendo achado o rapaz digno dela, Emília se propunha, talvez, só mostrar seus méritos pouco a pouco, a fim de deslumbrá-lo subitamente no momento em que ele se agradasse dela. Todos os membros da família estavam curiosos por saber o que aquela caprichosa rapariga pensava daquele estranho, mas quando, durante o jantar, cada um se divertiu em dotar o sr. Longueville de uma nova qualidade, pretendendo ter sido o único em descobri-la, a srta. de Fontaine permaneceu silenciosa durante algum tempo. Um leve sarcasmo do tio despertou-a, de súbito, de sua apatia, levando-a a dizer de modo epigramático que aquela perfeição celeste devia encobrir algum grande defeito e que ela evitaria julgar, à primeira vista, um homem que parecia tão hábil. Acrescentou que as pessoas que agradam a todos não agradam realmente a ninguém e que o pior de todos os defeitos é o de não ter nenhum. Como todas as moças que amam, ela acariciava a esperança de poder ocultar seu sentimento no fundo do coração, embaindo os argos que a cercavam, mas ao cabo de quinze dias não havia um único membro daquela numerosa família que não estivesse iniciado naquele pequeno segredo doméstico. Na terceira visita feita pelo sr. Longueville, Emília acreditou ter contribuído muito para ela. Essa descoberta causou-lhe um prazer tão embriagador que ela mesma se admirou quando refletiu sobre o assunto. Havia naquilo algo de penoso para o seu orgulho. Acostumada a se considerar o centro do mundo, via-se forçada a reconhecer uma força que a atraía para fora de si mesma. Tentou rebelar-se, mas não pôde expulsar do coração a sedutora imagem do rapaz. Depois sobrevieram inquietações. Tinha o sr. Longueville duas qualidades que se opunham à curiosidade geral e particularmente à da srta. de Fontaine e consistiam numa modéstia e discrição inesperadas. Nunca falava nem de si, nem das suas ocupações, nem da sua família. As sutilezas que Emília semeava na conversação e as armadilhas que preparava para arrancar ao rapaz detalhes sobre ele próprio eram desviadas com a habilidade de um diplomata que quer ocultar seus segredos. 

Se ela falava em pintura, Longueville respondia com pleno conhecimento de causa. Se ela enveredava para a música, ele demonstrava-lhe, sem fatuidade, ser bastante forte no piano. Uma tarde, ele encantou os presentes juntando sua voz deliciosa à de Emília num dos mais belos duetos de Cimarosa. Mas, quando tentaram informar-se se ele era artista, gracejou com tanto espírito que não deixou àquelas mulheres tão exercitadas na arte de adivinhar os sentimentos a possibilidade de descobrir a que esfera social ele pertencia. Por mais coragem com que o velho tio atirasse as balroas sobre aquela nau, Longueville esquivava-se habilmente, a fim de conservar a sedução do mistério, e foi-lhe tanto mais fácil permanecer o belo desconhecido no pavilhão Planat, por não exceder a curiosidade os limites da cortesia. Emília, torturada por aquela reserva, pensou tirar melhor partido da irmã do que do irmão para essa espécie de confidências. Auxiliada pelo tio, que entendia tão bem dessa manobra como do governo de um navio, tentou pôr em cena a personagem até então muda da srta. Clara Longueville. A sociedade do pavilhão manifestou desde logo o maior desejo de conhecer tão amável criatura e de lhe proporcionar algumas distrações. Propuseram um baile sem cerimônia que foi aceito. As senhoras não desesperavam completamente de fazer falar uma mocinha de dezesseis anos. 

Não obstante essas pequenas nuvens acumuladas pela suspeita e criadas pela curiosidade, uma luz viva penetrava na alma da srta. de Fontaine, que gozava deliciosamente da existência, atribuindo-a a outra pessoa que não ela. Começava a conceber as relações sociais. Ou porque a felicidade nos torna melhores ou porque estivesse muito ocupada para atormentar os outros, o que é certo é que se tornou menos cáustica, mais indulgente, mais meiga. Sua mudança de caráter encontrou a família espantada. Era possível, talvez, que seu egoísmo se estivesse metamorfoseando em amor. Esperar a chegada de seu tímido e secreto adorador era uma alegria profunda. Sem que uma única palavra de paixão tivesse sido proferida entre eles, ela se sabia amada e com que arte se comprazia em fazer com que o jovem desconhecido expusesse os tesouros de uma instrução que se evidenciava tão variada! Percebeu que também estava sendo observada atentamente e procurou então vencer todo os defeitos que a educação deixara medrar. Não era isso uma primeira homenagem prestada ao amor e uma censura cruel que se fazia a si mesma? Pretendia agradar, encantou; amava, foi idolatrada. A família, sabendo que o orgulho a custodiava, dava-lhe bastante liberdade para que pudesse saborear essas pequenas felicidades infantis, que conferem tanto encanto e intensidade aos primeiros amores. Por mais de uma vez o rapaz e a srta. de Fontaine passearam sozinhos pelas alamedas daquele parque no qual a natureza estava adornada como uma mulher que vai a um baile. Por mais de uma vez eles tiveram desses colóquios sem alvo e sem nexo, nos quais as frases mais vazias de sentido são as que encerram mais sentimentos. Muitas vezes admiraram juntos o pôr do sol e seu rico colorido. Colheram margaridas para desfolhá-las e cantaram os mais apaixonados duetos aproveitando as notas achadas por Pergolesi ou por Rossini [78] como intérpretes fiéis dos seus segredos.


Continua...



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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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[76] Os senhores não têm Guimard, nem Duthé: Maria-Madalena Guimard-Despreaux, célebre bailarina da Ópera, de vida licenciosa, e Rosália Duthé, cortesã não menos famosa, brilharam no fim do século XVIII. 
[77]Hipócrates (460-377 a.C.): médico grego, o maior da Antiguidade. 
[78] Pergolesi: Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736), compositor italiano, autor da ópera-bufa A criada patroa, de cantatas e de música sacra (Stabat Mater). Rossini: Gioacchino Rossini (1792-1868), compositor italiano, autor das óperas O barbeiro de Sevilha, Otelo, Guilherme Tell; amigo de Balzac.


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Leia também:






Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada - Ao "Chat-Qui-Pelote" (fim)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (01)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (02)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (03)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (04)

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (06)

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